4.6.09

Agravo de instrumento

AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 391.620-9, DA COMARCA DE MARINGÁ, 1.ª VARA CÍVEL

AGRAVANTE: RUBENS WEFFORT

AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

RELATOR: JUIZ CONVOCADO ALBINO JACOMEL GUÉRIOS


AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO. PRAZO QUE SE INICIA DA DATA DO DESLIGAMENTO DO AGENTE DO CARGO PÚBLICO. PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO, NO ENTANTO, EM RELAÇÃO À PRETENSÃO RESSARCITÓRIA. RECURSO EM PARTE PROVIDO









Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 391.620-9, da Comarca de Maringá, 1.ª Vara Cível, em que é agravante Rubens Weffort e agravado o Ministério Público do Estado do Paraná.

Acordam os Desembargadores e o Juiz Relator Convocado da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em prover em parte o recurso, nos termos deste julgamento.

§ 1. Recorre o agravante da decisão que determinou o processamento de ação civil pública contra ele proposta pelo agravado, discutindo em segundo grau a ocorrência da prescrição, já que teria deixado o cargo de Secretário Municipal da Fazenda em setembro de 1994, sendo a demanda ajuizada apenas em 2001. Discute, ainda, a ausência de dolo de sua parte, uma vez que, como Secretário da Fazenda, assinava mensalmente milhares de cheques para pagamento de despesas públicas.

Não se concedeu antecipação de tutela recursal.

O recurso foi respondido, com o recorrido argüindo a necessidade da conversão do agravo de instrumento em retido e a supressão de instância, e enfrentando o mérito.

A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso.

É o relatório.


§ 2. De acordo com o recorrente:

a) a pretensão punitiva por improbidade administrativa extinguiu-se pela prescrição, tendo em vista a data da sua exoneração do cargo de Secretário da Fazenda, setembro de 1994; e reconhecida a prescrição, entende o agravante inafastável a extinção do processo;

b) ausência de dolo de sua parte.

2.1. Preliminares

Aduz o recorrido:

a) a necessidade da conversão do agravo de instrumento em agravo retido;

b) o risco de supressão de instância -- segundo ele, o MM. Juiz examinou as questões postas em primeiro grau, sem omissões ou deficientemente, desbordando o exame do dolo para além da cognição sumária própria da fase de recebimento da petição inicial da ação civil pública.

2.1.1. O caput do artigo 522 do Código de Processo Civil estabelece a seguinte regra: as decisões incapazes de produzir lesão grave e de difícil reparação comportam apenas agravo retido; as demais, agravo de instrumento.

A pendência de um processo iniciado para a apuração de atos de improbidade administrativa representa, em si mesmo, uma lesão com aquelas características?

Quer parecer que sim.

O ato de improbidade administrativa é ignominioso. A qualificação agente público ímprobo equivale, assim, em linhas gerais, ao rótulo de agente público corrupto:

A Lei de Improbidade nasceu do Projeto de lei n.º 1.446/91, enviado pelo então Presidente Fernando Collor de Mello, que necessitava dar um basta à onda de corrupção que assolava o País naquela época.

Sob o rótulo da moralidade, o Ministro da Justiça, Jarbas Passarinho, do citado governo, deixou registrado em sua Exposição de Motivos que o combate à corrupção era necessário, pois se tratava de “uma das maiores mazelas que, infelizmente, ainda afligem o País”.

Sempre foi uma cultura nefasta em nosso país, como nos paises da América do Sul, ver os homens públicos rompendo a coletividade pelos seus maus tratos à coisa pública, Ora, a corrupção atrasou muitos povos do nosso continente, que obtiveram dos políticos o retrocesso e a conduta desleal, em vez de zelarem pela boa e pura intenção dos seus atos (...)

A ação de improbidade administrativa traz para o réu graves conseqüências de ordem moral e jurídica.1

Acusação em juízo de improbidade administrativa é embaraçosa, traz ao réu repercussões morais negativas, ainda mais se ao final a sentença for de improcedência, ainda que pelo reconhecimento da impossibilidade de punição. Essa submissão ao processo e ao rótulo que o acompanha, quando desde logo evidente a improcedência da demanda, autoriza a pronta extinção do processo ou, ao menos, a exclusão do pedido relacionado à improbidade, não apenas por questão de economia processual como, especialmente, para a preservação da integridade de quem não deve ser (mais) punido. Aí é que se pode encontrar a lesão irreparável. A própria Constituição Federal e a lei ordinária, ao estabelecerem a prescrição da pretensão punitiva por improbidade administrativa, e por considerações diversas, como o esquecimento do ilícito pela comunidade ou a suposta recuperação do agente, procuram preservar esse aspecto da personalidade do demandado. E como todo menoscabo à personalidade corresponde a um dano absoluto, a um dano definitivo e de ordinário não indenizável, exatamente pela impossibilidade de se recompor patrimonialmente um direito fundamental, todo agravo interposto contra decisões como a dos autos não pode assumir a forma retida. O gravame deve ser de imediato apreciado pelo Tribunal, e se for o caso afastado.

Por essa razão, o presente recurso foi corretamente interposto.

2.1.2. A existência ou não do dolo, a forma como os atos ocorreram e outras questões semelhantes podem ser tratadas no recurso, ao menos em linha de princípio, desde que das peças que documentam inicial da ação civil pública revelem, de logo, a ausência dos requisitos do tipo legal.

Essa possibilidade consta mesmo da Lei de Improbidade Administrativa. O seu artigo 17, § 6.º e 7.º, quer que a inicial venha devidamente fundamentada, de modo a apoiar um juízo de probabilidade mínima a respeito da acusação, a fim de se evitar o ajuizamento de demandas desprovidas de fundamento de direito ou de fato, ao ponto de assegurar o dispositivo a prévia manifestação do réu sobre a petição inicial e sobre os documentos que a instruem. O que não parece possível, pelo momento em que tudo acontece, é a produção de provas a respeito do ponto antes do processamento integral da demanda, o aprofundamento do juízo de cognição do magistrado. As questões deverão ser resolvidas à vista das provas existentes nos autos e das que eventualmente trouxer o réu ao processo.

Se esse óbice existe quanto ao dolo, ele não está presente para o exame da exceção de prescrição, motivo pelo qual o recurso deve ser conhecido, com essas ressalvas.

2.2. Pelo que consta dos autos -- e da própria inicial da ação civil pública (fl. 51) -- o recorrente foi exonerado do cargo de Secretário Municipal da Fazenda em 04 de setembro de 1994, sendo a referida ação proposta em dezembro de 2001.

Diz o artigo 23 da Lei de Improbidade Administrativa que a pretensão punitiva correspondente ao ato de improbidade prescreve em cinco (05) anos, contados do término do exercício do mandato eletivo, do cargo em comissão ou da função de confiança, sendo, no entanto, imprescritível, nos termos da Constituição da República, a respectiva pretensão indenizatória.

Isso quer significar, no caso, que o prazo de prescrição passou a fluir de setembro de 1994, para findar em setembro de 1999, meses antes da propositura da demanda pelo Ministério Público.

O argumento de que, havendo mais de um réu, a prescrição somente correria da data da extinção do mandato, do cargo ou da função do último co-demandado, improcede.

A prescrição na improbidade administrativa guarda semelhanças com a prescrição penal2, paridade que recomenda, primeiro, uma interpretação restritiva da regra do artigo 23 da lei 8.429/92, que de modo algum, em uma interpretação literal, permite a distinção pretendida pela Procuradoria-Geral de Justiça. Os prazos são individuais, e têm como termo a quo a saída do agente do cargo ou da função pública, salvo a hipótese de continuidade da sua ação, a despeito da exoneração ou término do mandato, no tempo, como co-autor de eventuais atos ímprobos praticados posteriormente pelos co-réus, com a sua participação agora fora da Administração, como particular (só que mesmo assim a prescrição continuaria ligada a um comportamento do réu).

E se diz isso exatamente pelas razões que autorizam o reconhecimento da prescrição penal e conseqüente extinção da punibilidade, enumeradas pela doutrina especializada, e que podem ser lembradas, ao menos duas como pertinentes à individualidade do réu beneficiado pela prescrição: o esquecimento do fato pelo meio social e, especialmente, pela perda da finalidade da pena pelo decurso do prazo: “com o decurso do tempo e a inércia do Estado, a pena perde seu fundamento, esgotando-se os motivos do Estado para desencadear a punição”.3 É especificamente aquele réu cuja ato supostamente ímprobo perdeu relevância para o meio social que deve ser considerado; é especificamente esse réu que, presumivelmente, recuperou-se e para quem a aplicação da pena, ou penalidade, não mais teria sentido. São as suas condições pessoais que devem ser consideradas aqui, não as dos co-réus que permaneceram no cargo ou na função e cujos atos ímprobos foram praticados sem o concurso do co-réu beneficiado pela prescrição.

Por essas razões, deve ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva no caso, mas sem que isso implique na extinção do processo, porquanto:

a) o recorrido cumula na ação civil pública também o pedido de ressarcimento do dano patrimonial;

b) mesmo para a ação (cumulada) de reparação do dano patrimonial ao Erário tem o Ministério Público legitimidade para a causa4;

c) logo, mesmo impossibilitada a aplicação de alguma penalidade por improbidade administrativa, por ser a pretensão à reparação do dano imprescritível, já que supostamente -- ao menos isso é o que consta da inicial -- o recorrente teria participado de alguma forma na apontada lesão aos cofres públicos, o processo deverá prosseguir, averiguando-se possível responsabilidade civil dele, recorrente, pela indenização de eventuais danos.

2.3. Quanto à ausência de dolo, os documentos produzidos com o recurso não infirmam o que consta da inicial da ação civil pública. Não há como dizer, neste momento, que o recorrente teria assinado os cheques, que lhe eram remetidos aos milhares, sem ter conhecimento da ilicitude do seu ato. A questão, dessa forma, deverá ser tratada no curso do processo.



§ 3. PELO EXPOSTO, a Câmara, por unanimidade, provê em parte o recurso para declarar a prescrição da pretensão punitiva, isto é, para impedir que ao recorrente apliquem-se as penalidades por improbidade administrativa, mas sem exclui-lo do processo, que deverá contra ele prosseguir para exame e julgamento da pretensão ressarcitória.


Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Ruy Fernando de Oliveira (Presidente), e Rosene Arão de Cristo Pereira, que acompanharam o voto do Relator.

Curitiba, 04 de dezembro de 2007.



Albino Jacomel Guérios
Juiz Relator Convocado




1 GOMES DE MATTOS, Mauro Roberto, O limite da improbidade administrativa. O direito dos administrados dentro da Lei 8.429/92. 3.ª ed., Rio de Janeiro: Editora América do Sul, 2006, pp. 1 e 604.
2 DECOMAIN, Pedro Roberto, Improbidade administrativa, Rio de Janeiro: Dialética, 2007, p. 388.
3 BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de direito penal, Parte Geral, 10.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006, v. 1, p. 875.
4 DECOMAIN, Pedro Roberto, ob. c., p. 232.