1.6.09

Apelação cível - Viapar x Sanepar

APELAÇÃO CÍVEL N.º 426.726-7 DA 5.ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MARINGÁ.

APELANTE : Rodovias Integradas do Paraná S/A - Viapar.
APELADA : Companhia de Saneamento do Paraná - SANEPAR.
RELATOR : Des. Xisto Pereira.


APELAÇÃO CÍVEL. CONCESSIONÁRIAS PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. COBRANÇA DE TARIFA PELA UTILIZAÇÃO DE FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.


VISTOS, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N.º 426.726-7, da 5.ª Vara Cível da Comarca de Maringá, em que é apelante RODOVIAS INTEGRADAS DO PARANÁ S/A-VIAPAR e apelada COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ-SANEPAR.

I - RELATÓRIO

Companhia de Saneamento do Paraná - SANEPAR, adiante identificada como “apelada”, ajuizou ação ordinária, com pedido de antecipação de tutela, em face de Rodovias Integradas do Paraná S/A - VIAPAR, adiante identificada como “apelante”, aduzindo, em síntese, que (i) é concessionária do serviço público de distribuição de água e esgoto; (ii) em cumprimento do contrato de concessão celebrado com o Município de Maringá deveria instalar dutos na faixa de domínio da rodovia PR 317, do Km 104 até o Km 107, para implementação da rede de distribuição de água tratada; (iii) após apresentar seu projeto à apelante, que é também concessionária, foi surpreendida com a cobrança da denominada “Taxa Anual de Ocupação a Título Precário de Faixa de Domínio”, no valor de R$ 12.218,31, que reputa ilegal. Pugnou, ao final, que lhe seja possibilitada a utilização da faixa de domínio da rodovia independentemente do recolhimento de qualquer taxa à apelante (fls. 02/18).
Pela sentença de fls. 392/401, foram julgados procedentes os pedidos deduzidos na exordial e confirmada a liminar antes deferida, sob os fundamentos de que ambas são concessionárias de serviço público, não sendo coerente a cobrança em questão já que a utilização da faixa de domínio pela apelada, concessionária de serviço público essencial de natureza não empresarial, faz-se necessária para cumprimento de suas obrigações contratuais perante o Município de Maringá e que a cobrança da indigitada “taxa” afronta aos arts. 145, inc. II, da CF e 77 do CTN, visto que vedado à apelante a criação de nova espécie tributária.
Em suas razões recursais, a apelante sustenta que a Lei Federal nº 8.987/95 no art. 11 permite às concessionárias outras fontes alternativas de receita, como corolário do princípio da modicidade das tarifas. Por essa razão, na qualidade de concessionária de obra pública, pode exigir contraprestação de outra concessionária pela utilização e ocupação do subsolo da faixa de domínio da rodovia sob sua concessão. Esclarece que a despeito da denominação atribuída à aludida tarifa sua natureza é de preço público e não de tributo. Além disso, aponta que na cláusula XXI do contrato de concessão firmado com o Estado do Paraná é previsto como fonte de receita alternativa as atividades vinculadas à exploração das suas faixas marginais. Conclui, com isso, que “os valores pretendidos... consistem em contraprestação, isto é, justa remuneração pela utilidade que um bem sob sua concessão proporciona para a Apelada” (fls. 403/433).
A apelada, em contra-razões, defende o acerto da sentença recorrida com reiteração dos argumentos tecidos na inicial e a ressalva de que não visa o lucro, ao contrário da apelante (fls. 442/446).
A Douta Procuradoria-Geral de Justiça sugere o desprovimento da apelação porque “indevida a cobrança pelo uso de área pública para serviço de utilidade pública” (fls. 461/466).
É o relatório.

II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO

Versam os autos acerca de ação ordinária para declarar a inexigibilidade de “taxa” cobrada em virtude da utilização de faixa de domínio de rodovia objeto de concessão pelo poder público.
Em que pesem as razões de recurso deduzidas pela apelante, não merece acolhida sua irresignação contra a sentença por meio da qual se declarou a inexigibilidade da mencionada “taxa anual de ocupação a título precário da faixa de domínio”.
De início, cumpre ressaltar que ambas as partes são concessionárias nos termos da Lei Federal n.º 8.987/95, sendo a apelante concessionária de obra pública (contrato n.º 072/97, cláusula VII, fl. 244) e a apelada empresa estatal concessionária de serviço público.
Na sempre arguta lição de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, in Direito Administrativo, Atlas, 2005, São Paulo, 18.ª ed., p. 395, “a empresa estatal que desempenha serviço público é concessionária de serviço público submetendo-se à norma do artigo 175 e ao regime jurídico dos contratos administrativos, com todas as cláusulas exorbitantes, deveres perante os usuários e direito ao equilíbrio econômico-financeiro”.
Não é demasiado relembrar que por meio da concessão o Estado delega a execução de um serviço público ou de uma obra pública ao concessionário, que será remunerado por tarifa a ser paga pelo respectivo usuário. O concessionário executa o serviço ou a obra por sua conta e risco, mas com a fiscalização do poder concedente, sobretudo no que toca ao valor da tarifa que deve ser módica. Em contrapartida, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão será buscado por meio de outras fontes que o concessionário poderá obter por meio de receitas alternativas, complementares ou acessórias, as quais deverão estar previstas no respectivo edital de licitação (arts. 11, parágrafo único e 18, inc. VI, da Lei Federal n.º 8.987/95).
É com fundamento nessa previsão legal que a apelante justifica a cobrança impugnada pela apelada.
Antes de adentrar na análise acerca da legalidade da indigitada cobrança, percuciente sublinhar que não tem natureza tributária a tarifa exigida, em que pese a infeliz denominação atribuída pela apelante.
É cediço que a margem das rodovias é bem público de uso comum, natureza que não se esvai com a concessão de sua exploração ao particular. Muito embora o uso dos bens públicos possa ser remunerado (art. 103 do CC), quando sua utilização tem por fim a prestação de outro serviço público não há que se falar em retribuição, nem tão pouco contraprestação, como defendido pela apelante, pois a exigência de qualquer valor a esse título não se mostra razoável com o fim buscado pela lei, mesmo porque, ao ceder o uso do subsolo dos terrenos que margeiam as rodovias sob sua concessão, a apelante não está a executar qualquer das atribuições que lhe foram delegadas no contrato de concessão.
Com efeito, na exegese do art. 11, da Lei Federal n.º 8.987/95, deve-se levar em conta sua interpretação teleológica, buscando na norma qual o bem jurídico por ela tutelado. In casu, por certo não foi o lucro das concessionárias que o art. 11 quis proteger ao prever receitas alternativas, mas sim a modicidade das tarifas, princípio que vem esculpido na referida lei federal.
Na mesma esteira, é possível deduzir que o legislador não vislumbrou como “receita alternativa” a cobrança de tarifa pela utilização dos terrenos que margeiam as rodovias para a prestação de serviço público, mas para fins outros de natureza preponderantemente empresarial; o que não é o caso da apelada, que não visa o lucro e presta serviço público de distribuição de água e esgoto em prol da coletividade.
Não obstante, embora possível a obtenção de receita alternativa pela concessionária ela deve estar expressamente prevista no edital de licitação, nos termos do art. 18, inc. VI, da Lei Federal n.º 8.987/95. No entanto, da atenta leitura do contrato de concessão firmado pela apelante, mormente da cláusula XXI (fls. 258/259), não se vislumbra tal previsão, de onde se deduz, por força do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, que a correlata previsão também não constou do edital de licitação.
Por conseqüência, impositivo concluir que a tarifa exigida pela apelante não pode se enquadrar como fonte alternativa de receita, na dicção da Lei Federal n.º 8.987/95. Entendimento diverso levaria à absurda possibilidade de a concessionária exigir mencionada “taxa” da polícia rodoviária que se utiliza das margens das rodovias para também prestar serviço público (art.144, §2.º, CF).
Além disso, há que se levar em conta que o recolhimento do valor exigido certamente acarretará aumento das tarifas cobradas pela apelada que repassará tal custo aos seus usuários, em afronta ao princípio da modicidade das tarifas.
Não se olvide, ainda, que a própria apelante vai usufruir da rede de abastecimento de água implantada pela apelada, seja em suas instalações existentes ao longo do trecho sob sua concessão, seja por meio da remuneração que ela obtém das pessoas que exploram o comércio na rodovia. Isso porque, é incontestável que a existência de rede de abastecimento de água e esgoto fomentará a exploração econômica do trecho objeto da concessão, revertendo em lucro à apelante.
Os benefícios, de conseqüência, são para ambas as partes, daí porque cai por terra o argumento da apelante no sentido de que “os valores pretendidos ... consistem em contraprestação, isto é, justa remuneração pela utilidade que um bem sob sua concessão proporciona para a Apelada”.
Por conseguinte, impositivo concluir que a tarifa cobrada pela apelante, denominada de “Taxa Anual de Ocupação a Título Precário de Faixa de Domínio”, é ilegal. Aliás, diferente não é o entendimento reiterado pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de ser indevida a cobrança de tributo, ou mesmo de tarifa, pela utilização de bem público para prestação de serviço público de natureza não comercial (REsp. n.º 694.684/RS, RMS n.º 12.081/SE, RMS n.º 12.258).
Nessas condições, impõe-se o desprovimento do recurso.
É como voto.

III - DISPOSITIVO

ACORDAM os magistrados integrantes da 4.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso.
Acompanharam o voto do Relator os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Abraham Lincoln Calixto (Presidente, em exercício) e Maria Aparecida Blanco de Lima.
Curitiba, 28.04.09.

Des. Xisto Pereira,
Relator.