6.6.09

Apelação cível

APELAÇÃO CÍVEL Nº 527400-4 - 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MARINGÁ

Apelantes: FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ E MUNICÍPIO DE MARINGÁ

Apelados: ROSALINA GERMANO DE SOUZA, DORIVAL FIDELIS E WILMA FIDELIS SCHIAVÃO

Relator: Juiz Conv. FERNANDO ANTONIO PRAZERES (Subst. Des. Celso Rotoli de Macedo)


APELAÇÃO CÍVEL - DEMANDA CONDENATÓRIA PROPOSTA EM FACE DO ESTADO DO PARANÁ E DO MUNICÍPIO DE MARINGÁ - MORTE SÚBITA EM LOCAL PÚBLICO - CORPO LEVADO AO SERVIÇO DE VERIFICAÇÃO DE ÓBITO QUE FUNCIONA ANEXO AO INSTITUTO MÉDICO LEGAL - FALTA DE AVISO AOS FAMILIARES - CORPO SUPOSTAMENTE DEIXADO EM LOCAL INAPROPRIADO PARA CONSERVAÇÃO - QUESTÕES QUE RESTARAM CONTROVERSAS NOS AUTOS - FALTA DE PROVA A RESPEITO DA FALHA DO SERVIÇO PRESTADO PELOS ENTES PÚBLICOS ENVOLVIDOS NA LIDE - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - PROVAS REQUERIDAS, MAS DESPREZADAS - CERCEAMENTO DE DEFESA CARACTERIZADO - SENTENÇA ANULADA - RECURSOS PROVIDOS.




Vistos, etc.

I - RELATÓRIO

Os apelados intentaram, inicialmente, demanda de reparação de danos em face do Município de Maringá e do Estado do Paraná, buscando a indenização por danos morais pela morte de Maria Germano de Souza.

Maria, mãe de Rosalina, Dorival e Wilma, faleceu no Terminal de transporte urbano de Maringá, por volta de 11h30, após ser atendida pelo Siate, sendo encaminhada então ao IML, onde seu corpo passou 24 horas sem os devidos cuidados de preservação.

Alegam que não houve comunicação do falecimento da vítima à família por parte dos réus, houve negligência quanto à conservação do corpo enquanto não eram localizados os familiares.

O pedido inicial foi julgado procedente.

Entendeu o Dr. Juiz a quo que houve falha no dever da administração, pois agiu negligentemente ao deixar de providenciar imediatamente a comunicação do falecimento à sua família, bem como quanto à conservação do corpo enquanto aguardavam os familiares.

Condenou solidariamente os réus ao pagamento de R$300,00 referentes aos danos materiais comprovados, bem como a indenização de 30 salários mínimos a título de danos morais, devidamente corrigidos. Bem como à condenação de custas e honorários, arbitrados em 15% sobre o valor da causa.

Apelam os réus.

Em suas razões, o Estado afirma que:

- houve cerceamento de defesa, pois houve julgamento antecipado da lide, impedindo a oitiva dos agentes do IML e do Serviço de Verificação de Óbitos;

- não é parte legítima, que o IML não é responsável pela comunicação de familiares, e que o SVO é de responsabilidade do Município;

- não houve omissão quanto à conservação do corpo e da comunicação do óbito aos familiares;

- os autores negligenciaram no dever de verificar a chegada da vítima ao destino de viagem;

- não é possível, em 24 horas, o corpo encontrar-se em estado de decomposição como alegado pelos autores;

Requer seja conhecido o presente recurso e provido para reformar a sentença a quo, reconhecendo a ilegitimidade passiva do Estado e a ausência do dever de indenizar.

O Município, em suas razões, afirma:
- houve cerceamento da defesa, pois houve julgamento antecipado da lide, impedindo a produção de novas provas;

- não é parte legítima, que as atividades de identificação e conservação de cadáveres é de responsabilidade do IML, órgão estadual;

- não houve negligência no serviço do SVO, visto que aguardaram a presença dos responsáveis pela falecida, não estando os funcionários autorizados a vistoriar os pertences das pessoas falecidas;

- os autores negligenciaram no dever de verificar a chegada da vítima ao destino de viagem;

- o valor da indenização e da condenação de honorários são excessivos;

Requer o conhecimento do presente recurso, a anulação da sentença, reconhecendo o cerceamento de defesa, determinando prosseguimento do feito; ou a reforma para reconhecer a ilegitimidade do Município e a inversão do ônus da sucumbência; ou a redução do valor da indenização e dos honorários.

O presente recurso foi recebido (fls. 156).

Os apelados apresentaram contra-razões (fls. 160/166).

O procurador do Ministério Público opinou pela não intervenção no processo (fls. 167/171).

Subiram os autos ao E. Tribunal de Justiça.

A d. Procuradoria Geral de Justiça apresentou parecer pela não intervenção no processo (fls. 181/184).

É, em suma, o relatório.

II - VOTO

Tempestivos, próprios e adequados à impugnação da decisão judicial em apreço, conheço de ambos os recursos.

E lhes dou provimento porque evidenciado o cerceamento de defesa.

Dou os fundamentos.

A causa de pedir posta nesta demanda repousa numa sequência de fatos alegados pelos autores que, a despeito do que restou decidido pelo Dr. Juiz a quo, dependem mesmo da produção de provas em audiência.

Com efeito, os apelados sustentaram, na petição inicial, que Maria Germano de Souza, mãe deles, morreu quando se preparava para embarcar em ônibus que a levaria para a cidade de Umuarama.

O fato se deu na rodoviária de Maringá.

Acionado o SIATE e feito os primeiros atendimentos, constatou-se a morte da mãe dos apelados.

Em seguida o corpo foi levado para o IML de Maringá e ali, ao que tudo indica, deixado aos cuidados de Serviço de Verificação de óbitos - órgão da administração indireta do Município.

Não obstante a mãe dos apelados portasse alguns documentos de identificação consigo, o responsável pelo Serviço de Verificação de óbitos não entrou em contato com a família.

Na verdade, como não apareceram parentes nas primeiras horas após a chegada do corpo ao local, aguardou-se o prazo de 24 horas para, então, anunciar a morte pelos serviços de rádio existentes na cidade.

Dizem os apelados que sua mãe foi tratada como indigente e que o fato repercutiu entre parentes e amigos que, inclusive, os taxaram de irresponsáveis.

Não bastasse isso, o corpo não foi corretamente acondicionado, estando, quando da ocasião do velório, em avançado estado de decomposição.

Pedem, então, a condenação para o ressarcimento pelos danos morais daí advindos e também pelos danos materiais, decorrente do serviço de tanatopraxia que foram obrigados a suportar em razão do estado do corpo de sua mãe.

Os fatos são estes.

É certo que, provados os fatos, a responsabilidade dos apelantes seria mesmo objetiva e não haveria que se provar a culpa de quem quer que seja.

A falha do serviço estatal, neste caso, estaria bem demonstrada.
Ocorre, contudo, que tanto o Município de Maringá, como o Estado do Paraná, contestam a versão apresentada pelos autores.

Na contestação apresentada às fls. 25/43, o Município de Maringá afirma, expressamente, que todas as diligências possíveis para encontrar a família foram efetivadas e só após providenciou a comunicação via rádio.

Confira-se:

Entretando, mesmo que assim não fosse, pode-se asseverar que o Município de Maringá não agiu com culpa, uma vez que seus funcioários, de forma regular, nada data/horário do óbito da falecida, aguardaram por algum tempo a presença dos responsáveis pela falecida para sua identificação, já que não é procedimento da central funerária abrir e vistoriar os pertences das pessoas falecidas logo que o corpo chega à sala do SVO (Serviço de Verificação de Óbitos) anexa ao IML; e, assim procedendo, Tais servidores, ainda, diligenciaram para que fosse feita a conservação do corpo da mesma.
Ademais, diante da não reclamação do corpo pelos familiares, após algumas horas da morte da Srª. Maria Germano, os funcionários decidiram procurar por documentos da falecida, achando apenas sua carteirinha do passe livre de transporte coletivo, e após esgotadas todas as chances de localização da família, decidiram noticiar o ocorrido, via imprensa. (fls. 34/35)

Como se vê, o Município de Maringá contesta, de forma expressa, os fatos alegados pelos autores, seja no que diz respeito à negligência na procura de familiares, seja no que diz respeito aos procedimentos necessários à conservação do corpo.

E para provar o que alegava, o Município de Maringá pediu, expressamente, a produção de prova oral (fls. 101).

Não foi atendido, porém, porque antecipadamente, o Dr. Juiz julgou a causa.

O mesmo pode ser dito em face do Estado do Paraná.

Na contestação apresentada (fls. 79/88), sustenta o Estado que é inteiramente fantasiosa a versão detalhada pelos autores, de que o corpo de sua genitora não foi devidamente conservado pelo SVO, considerando-se que, no decorrer do velório, foi constatado por todos o seu avançado estado de decomposição. Esta versão, absolutamente inverossímil, conflita com os ensinamentos dos mais renomados legistas, quanto ao processo de putrefação. (fls. 85)

Como se vê, os fatos que sustentam a demanda, ou que fundamentam a causa de pedir, são todos controversos e dependiam mesmo da produção de provas para a correta solução da lide.

Não fosse isso, o Estado do Paraná sequer foi intimado do despacho de fls. 96, já que a certidão de fls. 98 dá conta da intimação apenas do Advogado dos autores e do Procurador do Município de Maringá.

E ambos os réus também não foram intimados da juntada dos documentos de fls. 112/115, cujo teor levou os autores, ora apelados, a considerar como sendo “reconhecimento dos fatos relatados na inicial” (fls. 118).

Mas a despeito disso tudo, o Dr. Juiz julgou a causa antecipadamente, admitindo como incontroversos fatos que, a teor das contestações apresentadas, eram, na verdade, absolutamente controvertidos.

A defesa dos réus restou mesmo cerceada.

E até mesmo as preliminares suscitadas pelos apelantes, no que diz respeito à legitimidade passiva teria condições de ser apreciada.

É certo que o fato de o SAOP ser uma autarquia restou superado pelo documento trazido aos autos com o recurso de apelação fls. (fls. 150/155), mas a questão atinente à responsabilidade pela recepção e conservação do corpo (se do IML ou do SVO) ainda pende de solução.

Pouco importa que o Juiz se valha da produção de provas para alcançar a conclusão de que uma das partes é ilegítima.

Cândido Rangel Dinamarco, ao repudiar a chamada teoria da asserção, sustenta que não basta que o demandante descreva formalmente uma situação em que estejam presentes as condições da ação. É preciso que elas existam realmente. Uma condição da ação é sempre uma condição da ação e por falta dela o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito, quer o autor já descreva uma situação em que ela falte, quer dissimule a situação e só mais tarde os fatos revelem ao juiz a realidade. Seja ao despachar a petição inicial, ou no julgamento conforme o estado do processo (arts. 329-331) ou em qualquer outro momento intermediário do procedimento - ou mesmo afinal, no momento de proferir sentença - o juiz é proibido de julgar o mérito quando se convence de que a condição falta. (in Instituições de Processo Civil. Malheiros. Vol. II, 3ª Ed., 2002, p. 316).

Desse modo, resta prejudicada a análise da alegada ilegitimidade passiva reiterada pelo Estado do Paraná e pelo Município de Maringá no âmbito deste recurso, devendo o tema ser retomado pelo magistrado a quo após a devida instrução.

Em conclusão, dou provimento a ambos os recursos para, reconhecendo o cerceamento de defesa, anular a sentença de primeiro grau e determinar que outra seja proferida após a devida instrução do feito com produção da prova oral requerida pelas partes.

III - DECISÃO

ACORDAM os Magistrados integrantes da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento a ambos os recursos.

Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Celso Rotoli de Macedo, Presidente sem voto, e Dimas Ortêncio de Melo e o Exmo. Sr. Juiz convocado Espedito Reis do Amaral.

Curitiba, 12 de maio de 2009.


FERNANDO ANTONIO PRAZERES
Juiz Conv. Relator