13.6.09

Apelação cível

APELAÇÃO CÍVEL Nº 531.315-9, DA COMARCA DE MARINGÁ - 5ª VARA CÍVEL.
APELANTE: NILSON TADASHI UHEMURA
APELADOS: OFTALMICA PROLENTES LTDA. E OFT VISION INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA.
RELATOR: DES. GUIMARÃES DA COSTA.


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. UTILIZAÇÃO DE PRODUTO CONTAMINADO EM CIRURGIAS DE CATARATAS. DESENVOLVIMENTO DE PROCESSO INFLAMATÓRIO EM VÁRIOS PACIENTES. ILEGITIMIDADE DA “OFTALMICA PROLENTES LTDA.” RECONHECIDA. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS EM RELAÇÃO À ‘OFT VISION INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA’. FORMAL INCONFORMISMO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DE SUA ADVOGADA TER SUBSTABELECIDO PODERES SEM COMUNICÁ-LO OU À SUBSTABELECIDA. IMPERTINÊNCIA. EXISTÊNCIA DE CAUSÍDICO CONTITUÍDO DURANTE TODO O “ITER” PROCESSUAL, O QUAL FOI INTIMADO REGULARMENTE DE TODOS OS ATOS. ARGÜIÇÃO DE SUFICIÊNCIA DO CONJUNTO PROBATÓRIO PARA SUSTENTAR OS FATOS ALEGADOS. NÃO ACOLHIMENTO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA UTILIZAÇÃO DO PRODUTO, DA CONTAMINAÇÃO DOS PACIENTES E DOS DANOS MATERIAIS E MORAIS APONTADOS. INVERSÃO DO ÔNUS “PROBANDI” QUE NÃO TEM O CONDÃO DE TRANSFERIR ESSAS PROVAS ÀS RÉS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA QUE DISPENSA APENAS A PROVA DA CULPA DA EMPRESA. RECURSO NÃO PROVIDO.





VISTOS, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n° 531.315-9, da 5ª Vara Cível da Comarca de Maringá, em que é apelante Nilson Tadashi Uhemura, sendo apelados Oftálmica Prolentes Ltda. e Oft Vision Indústria e Comércio Ltda.
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação cível interposto em face da sentença de fls. 402/420 que, nos autos n.º 357/2003, de ação de indenização por danos materiais e morais, promovida por Nilson Tadashi Uhemura, em desfavor Oftálmica Prolentes Ltda. e Oft Vision Indústria e Comércio Ltda., julgou extinto o feito em relação a primeira ré e improcedente em relação a segunda. Parte dispositiva, in verbis:

“Ante ao exposto, e por tudo mais que consta dos autos, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam suscitada, para o fim de julgar extinta a demanda, sem resolução de mérito, com relação à Requerida Oftálmica Prolentes Ltda., o que faço com base no artigo 267, VI do Código de Processo Civil.
Ainda, julgo totalmente improcedente o pedido feito na presente ação de indenização de responsabilidade civil por danos morais e materiais interposta por Nilson Tadashi Uhemura em face de OFT Vision Ind. Com. Ltda., tudo nos termos da fundamentação supra, o que faço com base no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.
Pelo princípio da sucumbência, condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 3.000,00 (três mil reais) para cada um dos Requeridos, considerando a importância e a natureza e o valor da causa, o tempo despendido para seu acompanhamento e o grau de zelo do profissional demonstrado, o que faço com base no artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil” (fls. 419/420).

Inconformado, invoca o apelante, em suas razões recursais de fls. 422/444, preliminar de cerceamento de defesa, sob o argumento de que a advogada por ele constituída substabeleceu, sem reservas, os poderes outorgados, sem comunicá-lo, tampouco à advogada substabelecida, isso quatro dias antes da audiência de instrução e julgamento.
Salienta que, desconhecendo o andamento do processo e não tendo sido intimado pessoalmente, deixou de comparecer a referida audiência e de apresentar alegações finais, o que lhe causou enorme prejuízo, pelo que requer a nulidade de todos os atos processuais posteriores ao substabelecimento, para que possa arrolar testemunhas, requerer perícia etc.
Pretende, na hipótese de não acolhimento da preliminar, a reforma da sentença, aduzindo a existência de provas nos autos de que adquiriu produtos dos apelados, que estariam contaminados por bactérias, conforme laudo da ANVISA, o que lhe causou forte stress, já que seus pacientes, submetidos a cirurgias de cataratas, correram o risco de perder a visão.
Assevera a existência de documentos que demonstram o abalo emocional suportado, que sequer foram objeto de impugnação pelos apelados, eis que, quando tomou conhecimento da contaminação dos produtos, já havia realizado várias cirurgias de cataratas utilizando-se dos mesmos e muitas outras, com datas marcadas, foram canceladas.
Salienta que se viu impossibilitado de comunicar a todos os pacientes que se utilizou do produto contaminado, pois correria o risco de vários deles ajuizarem ações reparatórias em seu desfavor. E, mais, que diante desse fato só pôde adotar as providências que se fizeram necessárias, como a oferta de tratamento aos pacientes lesados.
Defende que houve a prática de ato ilícito pelos recorridos, consistente na fabricação e no comércio de produtos impróprios para uso e que a simples aquisição destes, para ser utilizado em área tão sensível como os olhos, é suscetível de gerar a necessidade de reparação por danos morais, independentemente da prova do efetivo prejuízo.
Aponta contradição entre o despacho que determinou a inversão do ônus da prova, imputado-o aos réus, e a sentença, que julgou improcedentes os pedidos, por não ter o autor demonstrado os fatos alegados.
Refuta a fundamentação ventilada pelo r. sentenciante a quo, afirmado que comprou os produtos para uso; que os utilizou nos olhos de seus pacientes; que realiza diversas cirurgias por mês; que teve que desmarcar todas as que estavam agendadas; que o dano moral, no caso, é presumível, independente do número de cirurgias realizadas.
Reivindica a condenação dos apelados ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, sendo R$ 4.000,00 (quatro mil reais) pela aquisição dos produtos contaminados; R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil) referentes às cirurgias desmarcadas; R$ 93.000,00 (noventa e três mil) relativos às despesas com as cirurgias refeitas.
Foram apresentadas contra-razões recursais às fls. 453/473 e 475/488.
Após, subiram os autos a este E. Tribunal de Justiça, vindo-me conclusos.
É o relatório.

VOTO
Mostram-se presentes os pressupostos processuais intrínsecos (legitimidade, interesse, cabimento e inexistência de fato impeditivo ou extintivo) e extrínsecos (tempestividade e regularidade formal), como condição irretorquível ao conhecimento do recurso.
Da preliminar de cerceamento de defesa
Sustenta o apelante, em sede preliminar, a ocorrência de cerceamento ao seu direito de defesa, sob o argumento de que a advogada por ele constituída teria substabelecido, sem reservas, os poderes que lhe foram outorgados, quatro dias antes da audiência de instrução e julgamento, sem lhe comunicar ou à substabelecida.
Razão não lhe assiste.
Extrai-se dos autos que a advogada que subscreveu a petição inicial, cujos poderes foram outorgados através da petição de fls. 41, realmente os substabeleceu a outro causídico, através do instrumento de fls. 207, mas com reserva de iguais. Este, por sua vez, através do substabelecimento de fls. 328, os transferiu para outros dois advogados, sem reservas.
Posteriormente, quatro dias antes da audiência de instrução e julgamento, os dois últimos causídicos mencionados, através do instrumento de fls. 369, transferiram, sem reservas, os poderes para a advogada que subscreveu o recurso de apelação. Persistiu na defesa do apelante, durante todo o iter processual, a advogada que subscreveu a petição inicial.
Possuindo, pois, o apelante, procuradora constituída nos autos, a qual foi devidamente intimada acerca da designação de data para a audiência de instrução e julgamento, através de publicação do Diário da Justiça, porque o ato não demandava intimação pessoal, não há que se falar em nulidade pelo simples não comparecimento desta à audiência.
É cediço, ademais, que das decisões tomadas em audiência, tais como na hipótese dos autos, em que o r. magistrado a quo determinou a apresentação de memoriais, já saem as partes intimadas, sendo, inclusive, dispensada a intimação por qualquer outro meio daquela parte que não se fez presente, desde que regularmente intimada para o ato.
Da ausência de responsabilidade civil dos apelados.
Insta, precipuamente, ressaltar que o apelante não apresentou inconformismo recursal frente ao reconhecimento da ilegitimidade passiva da requerida Oftálmica Prolentes Ltda., pelo que há que se restringir a análise do recurso à aferição da existência ou não de responsabilidade civil da requerida Oft Vision Indústria e Comércio Ltda.
Infere-se dos autos que o autor, ora apelante, ajuizou a presente demanda objetivando obter a reparação dos prejuízos materiais e morais experimentados em decorrência da suposta utilização de produtos contaminados, em 10.04.2003, para a realização de trinta e cinco cirurgias de cataratas, que teriam sido produzidos pela apelada.
Extrai-se da petição inicial, ainda, que a causa de pedir seria o desenvolvimento de processo inflamatório por vários pacientes, o que demandou a realização de novas cirurgias para o tratamento desses, bem como o cancelamento de outras que estavam agendadas para a semana seguinte, denegrindo a sua imagem e a de sua clínica.
Pois bem. Denota-se do caderno processual que outra não poderia ser a solução da controvérsia senão a adotada pelo r. magistrado singular, haja vista que o autor não logrou êxito em demonstrar a efetiva ocorrência dos fatos narrados, em especial o desenvolvimento de processo inflamatório em alguns de seus pacientes, pelo uso do produto contaminado.
Como bem pontuou, às fls. 415, o r. magistrado a quo:

“Primeiro: não demonstrou o Autor a efetiva utilização do produto nas cirurgias.
Segundo: não demonstrou o Autor que uma vez utilizado o produto, foi este o causador dos problemas alegados.
Terceiro: sequer demonstrou o Autor que efetivamente teve que refazer 20 cirurgias em decorrência do produto contaminado e que teve que deixar de atender diversos pacientes agendados.
Quarto: não demonstrou o Autor que realmente teve 40 (quarenta) cirurgias desmarcadas em razão do ocorrido.
Quinto: conseqüentemente, não demonstrou o Autor que a efetiva ocorrência de todas essas situações lhe provocou enorme abalo moral a ponto de fazer jus à condenação dos Requeridos em indenizá-lo moralmente, quiçá na vultosa importância de R$ 900.000,00 (novecentos mil reais)”.

Com efeito, a inversão do ônus da prova pelo r. magistrado singular, não tem o condão de eximir o autor de demonstrar a efetiva ocorrência dos fatos alegados na inicial, mas apenas de transferir a prova, cuja produção lhe é mais dificultosa, à parte adversa, in casu, relacionada a ocorrência ou não de contaminação do produto que foi adquirido.
Não seria admissível que, pela simples determinação da inversão, fosse incumbido às requeridas, ora apeladas, a prova negativa dos fatos mencionados na exordial, relacionados à realização das cirurgias, à contaminação dos pacientes, à mácula a honra do autor, à efetiva ocorrência de danos materiais, incluindo os lucros cessantes etc.
Ainda, portanto, que a ANVISA tenha noticiado o caráter insatisfatório do produto, através de análise realizada em amostra proveniente do mesmo lote do produto adquirido pelo apelante, resulta injustificada a condenação da apelada, que é sua fabricante, diante da inexistência de provas dos danos e do nexo de causalidade.
Na esteira da sentença hostilizada:
“O simples fato de o produto estar contaminado não leva à presunção de que tenha sido o responsável pelo que relata o Autor em sua inicial”.
Embora se trate de relação de consumo e, nesta, se mostre pertinente a aplicação da responsabilidade civil objetiva, prescindindo da demonstração da culpa da empresa apelada, necessário que estivesse provado, além do fato do produto, os danos causados pela sua utilização e o nexo de causalidade entre ambos, o que não se verifica nos autos.
Frise-se que o magistrado tem o dever de julgar secundum allegata et probata partium, consoante o sistema da persuação racional ou do livre convencimento motivado, não podendo acolher o direito sem se certificar da verdade do fato alegado nas provas. Para a responsabilização da apelada, imperativa a prova da utilização dos produtos, do nexo de causalidade e dos danos experimentados.
Destarte, voto pelo não provimento à apelação cível, mantendo-se a sentença guerreada em todos os seus termos.
DISPOSITIVO
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença hostilizada, nos termos do voto do relator.
Participaram do julgamento os Excelentíssimos Desembargadores José Joaquim Guimarães da Costa (Presidente com voto), João Domingos Kuster Puppi e o Juiz convocado Marco Antônio Massaneiro.
Curitiba, 07 de maio de 2009.

Guimarães da Costa
Desembargador Relator