16.6.09

Rodoviária/tombamento - Parecer do procurador

APELAÇÃO CÍVEL N.° 524723-0, DA 3ª VARA CÍVEL
COMARCA:      MARINGÁ
APELANTE:    MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
APELADO:     MUNICÍPIO DE MARINGÁ
RELATOR:     DES. JOSÉ MARCOS DE MOURA
REVISOR:        DES. RUY FERNANDO DE OLIVEIRA
           

P   A   R   E   C   E   R       N°     18851


COLENDA QUINTA CÂMARA CÍVEL:


APELAÇÃO CÍVEL– AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DEVER PROTEÇÃO E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO/CULTURAL DO BEM AMBIENTAL –TOMBAMENTO – ANTIGA ESTAÇÃO RODOVIÁRIA AMÉRICO DIAS FERRAZ. INEXISTÊNCIA DE INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NA ESFERA DE ATRIBUIÇÃO DO PODER EXECUTIVO. PARECER PELO PROVIMENTO DO RECURSO.


1.     RELATÓRIO:

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚLICO DO ESTADO DO PARANÁ em face da decisão proferida pelo MM. Juízo da 3ª Vara Cível de Maringá, em Ação Civil Pública, onde é ré o MUNICÍPIO DE MARINGÁ e O CONDOMÍNIO DA ESTAÇÃO RODOVIÁRIA que julgou:

“Ante o exposto, indefiro a inicial e julgo extinto o processo sem resolução do mérito nos termos do art. 267, VI do CPC pela impossibilidade jurídica do pedido e por falta de interesse de agir.
Sem custas e honorários, nos termos do art. 18 da lei 7347/85.
Observadas as formalidades legais, arquivem-se os autos, após as baixas e anotações de estilo.”

Inconformado com a prestação jurisdicional de primeiro grau, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, recorreu suscitando em seu arrazoado: a) das irregularidades constatadas no processo de tombamento; b) da possibilidade jurídica do pedido; c) do interesse processual do Ministério Público na demanda.

Requer ao final, o provimento do recurso e a reforma da decisão apelada, a fim de que seja apreciada a liminar pretendida na inicial, dado o receio demonstrado da possibilidade de demolição imediata do prédio, julgando-se antecipadamente a lide, nos termos do artigo 330, inciso I do Código de Processo Civil.

O apelo foi recebido em ambos os efeitos legais.

Em suas contra-razões, o MUNICÍPIO DE MARINGÁ sustenta a manutenção da sentença singular em sua totalidade.

Vieram os autos à Quarta Procuradoria de Justiça Cível para pronunciamento.

É o relatório.


2. NO MÉRITO:

Presentes os pressupostos de admissibilidade o recurso deve ser conhecido. Quanto ao mérito, assiste razão ao apelante.

No que pertine ao interesse de agir, o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal determina as funções institucionais do Ministério Público, em promover a ação civil pública para proteger o patrimônio público e social e outros interesses difusos e coletivos; bem como o artigo 5º, inciso LXIII, do mesmo diploma, trata dos direitos e garantias fundamentais, legitimando qualquer cidadão para propor ação popular com escopo de anular ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimônio histórico/cultural.

Quanto à possibilidade jurídica do pedido, temos que o meio ambiente cultural é uma das espécies do meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225 da Constituição federal. Considera-se meio ambiente cultural o patrimônio cultural nacional, incluindo as relações culturais, turísticas, arqueológicas, paisagísticas e naturais. Esse patrimônio está revisto expressamente nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal e artigo 207 e 191 da Constituição do Estado do Paraná.

“Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

“Art. 216 - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira nos quais se incluem:
(...)
V - Os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
(...)
§ 1º. O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
(...)
§  4º. Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão unidos na forma da lei.”


Em nossa Constituição Estadual encontramos:

“Art. 207 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Estado, aos Municípios e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras, garantindo-se a proteção dos ecossistemas e o uso racional dos recursos ambientais.

§ 1º - Cabe ao Poder Público, na forma da lei, para assegurar a efetividade deste direito:
(...)
XV – Proteger o patrimônio de reconhecido valor cultural, artístico, histórico, estético, faunístico, paisagístico, arqueológico, turístico, paleontológico, ecológico, espeleológico e científico paranaense prevendo sua utilização em condições que assegurem a sua conservação”.
 “Art. 191 – Os bens materiais e imateriais referentes às características da cultura, no Paraná, constituem patrimônio comum que deverá ser preservado através do Estado com a cooperação da comunidade”.

Sob a denominação de “Patrimônio Cultural”, a atual Constituição abraçou os mais modernos conceitos científicos sobre a matéria. Assim, o patrimônio cultural é brasileiro e não regional ou municipal, incluindo bens tangíveis e intangíveis, considerados individualmente e em conjunto.

Uma das atribuições do Estado moderno, a fim de garantir a vida futura, é a conservação ambiental e cultural; para tanto, equipou-se de um aparato de poderes para o controle ambiental.

Ensina-nos Wolgram Junqueira (NOTA: JUNQUEIRA, Wolgram. Ação Civil Pública. Campinas: Julex Livros Ltda, 1987. p. 641:

“A conservação dos monumentos históricos e objetos artísticos visa um interesse de educação e de cultura; a proibição legal de os mutilar, destruir ou desfigurar está implícita nessa conservação; a obrigação de conservar, que daí resulta ao proprietário, se traduz no dever de colaborar na realização desse interesse público.”

É desnecessário que se argumente a importância da conservação do patrimônio histórico da vida cultural de um povo. Em todo o planeta se reconhece a necessidade de preservar-se a memória.

No dizer de James M. Fitdi  (NOTA: FITDI, James M. Preservação do Patrimônio Arquitetônico, publicações do Curso de Preservação do Patrimônio Ambiental Urbano - USP, São Paulo, 1981, p. 61.2:
“A exibição pública de um artefato, pintura, edifício antigo, sítio arqueológico, é algo ‘fora do normal’. As relações entre o observador e o observado são diferentes das relações originais de usuário e objeto de uso. Esse processo de exibição de acesso aos tesouros de uma cultura, é um fenômeno no mundo contemporâneo e responde à necessidade das pessoas restabelecerem algum contato vivencial com a evidência material de seu próprio passado. A validade desse processo não pode ser questionada.”

Determinantes as palavras do mestre Hely Lopes Meirelles sobre a proteção paisagística, monumental e histórica da cidade:

“(...) impõe-se a atuação da Municipalidade para a preservação dos recantos naturais, especialmente da vegetação nativa que caracteriza a nossa flora, bem como dos ambientes antigos e das realizações históricas que relembram o passado e conservam o primitivo que o tempo, o progresso e o próprio homem vão inexoravelmente destruindo. O Urbanismo não despreza a Natureza, nem relega a tradição.” (NOTA: MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 6. ed. Malheiros, 1993, p. 418/419.3).

Como é sabido, a competência para atuar na preservação do patrimônio cultural, é comum da União, dos Estados e dos Municípios, além do Distrito Federal, na forma do artigo 23, inciso III, da Constituição Federal.

Portanto, no interesse público, que prevalece sobre o particular, há necessidade de determinar a restrição aos proprietários no uso do imóvel, não podendo destruí-lo ou exercer atitudes que venham a mutilar o imóvel, danificando-o, sendo certo que obras para sua recuperação deverão ter autorização do órgão competente ou realizadas pelo poder público, na forma da Lei Estadual 1.211 e artigo 216, da Constituição Federal.

A respeito do necessário ajuizamento da ação, é oportuna a conclusão de Édis Milaré, em Direito do Ambiente, Revista dos Tribunais, edição 2.000, página 193:

“ Como se disse, e não faz mal repetir, o reconhecimento de que determinado bem tem valor cultural não é privativo do Poder Legislativo ou do Executivo, podendo também ser emanado do Poder Judiciário.
Essa a linha preconizada pela Lei 7.347/85, que tornou possível a inclusão de bens no patrimônio cultural brasileiro por meio de decisão judicial, independentemente do critério administrativo. Aliás, ‘pode ocorrer que a falta de proteção de tais bens decorra exatamente da omissão do Poder Público, ou seja, do ato de tombamento, de forma que, se esse fato ocorre, é através da ação civil pública que os legitimados buscarão a necessária tutela jurisdicional’. A propósito, não custa lembar que ‘o tombamento não constitui, mas apenas declara a importância cultural de determinado bem, motivo pelo qual mesmo coisas não tombadas podem ser tuteladas em ação civil pública’.
Realmente, a identificação do valor cultural de um bem não emerge de mera criação da autoridade, posto que ele já tinha existência histórica no quadro da sociedade. O fato de um bem determinado pertencer ao patrimônio cultural ou, como diz a lei, ser bem ou direito ‘de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico’, pode ser provado no curso da ação civil pública e referendado por provimento jurisdicional’.
Declarado o valor cultural pela via judicial, a fiscalização e a aprovação de obras de manutenção que se façam necessárias devem continuar sob o comando de órgãos especializados do Poder Executivo, com condições e infra-estrutura capazes de zelar pela preservação da coisa.”

Ademais, sobre a possibilidade da intervenção do Poder Judiciário no controle das omissões administrativas na proteção do patrimônio cultural, dita Álvaro Luiz Valery Mirra, in Revista de Direito Ambiental nº. 30, Ed. Saraiva, pág. 44:

“O Poder Judiciário, nesse contexto, desempenha papel de grande importância no controle social das omissões da Administração Pública, papel esse, no entanto, que nada mais é do que servir de canal para a participação da sociedade na defesa do meio ambiente. Trata-se de um papel político, sem dúvida, já que em muitas circunstâncias a atuação do Judiciário vai acabar nas diretrizes políticas do Estado, mas essa atuação está legitimada constitucionalmente, por ser inerente ao regime democrático-participativo instituído a partir da Constituição de 1988, sem que daí resulte violação àquela garantia institucional tradicional do estado de Direito, também consagrada constitucionalmente, que é a separação dos poderes”.

Corroborando com este posicionamento transcreve-se a seguinte jurisprudência:

“Apelação Cível. Direito Público não Especificado. Ação Civil Pública. Tombamento. Dever de Proteção do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural. Competência Comum da União, Estados e Municípios. Arts. 23 e 216 da Constituição Federal. Existência da lei Municipal que Reconhece o Interesse Sócio-cultura. Inexistência de Ingerência do Poder Judiciário na esfera de Atribuição do Poder executivo. Pretensão e Deferimento do Pedido de Efetivação do Procedimento de Tombamento. Razoabilidade do Prazo Fixado para Conclusão do Procedimento. Possibilidade e Legalidade da Fixação de Artreintes. Proporcionalidade do Valor Arbitrado. Precedente Jurisprudencial.” (TJRS – Apelação Cível nº. 70019992270 – Relator: Luiz Felipe Silveira Difini – Julgamento: 29/08/2007).

Desta forma, deve ser provido o presente recurso, a fim de dar prosseguimento a ação civil pública ambiental, retornando ao Juízo de origem, e julgada, ao final, pelo seu mérito.

Ex positis, somos pelo conhecimento e provimento do recurso de apelação interposto.

É o parecer.

Curitiba, 26 de novembro de 2008.



SAINT-CLAIR HONORATO SANTOS
PROCURADOR DE JUSTIÇA