10.6.09

Um pouco sobre a situação da Santa Casa de Cianorte

 Em primeiro lugar, é importante esclarecer que a Santa Casa de Cianorte é uma fundação: Fundação Hospitalar de Saúde (FHISA). Fundação é uma instituição privada sem fins lucrativos, constituída pela destinação de um patrimônio (doado ou deixado por testamento) para a execução de determinados fins. Ela não tem dono, é dona de si mesma. Deve ser administrada sob a supervisão do Conselho Diretor e fiscalizada internamente pelo Conselho Fiscal. Ela também é velada pelo Ministério Público do Estado do Paraná (MP-PR) a quem incumbe também fiscalizar seu normal funcionamento e aprovar as contas. E o lado bom: tem benefícios fiscais.
Atualmente, a Santa Casa enfrenta vários problemas. Eles já estavam assinalados desde a sua instituição, em 1992. À época, o dr. Jorge Abou Nabhan não procedeu a doação do imóvel onde a Fundação funcionaria, mas sim fez um comodato (contrato gratuito – empréstimo), por 25 anos. Todavia, como forma de obter lucro sobre a Fundação, também realizou um contrato de concessão da administração com a sua empresa Plescht e Nabhan Ltda., que deveria administrar o hospital e receberia como pagamento pela administração 17% do que fosse arrecadado com atendimento particular.
Acontece que a Fundação se autoadministrava, pois possuía toda a estrutura pessoal e material para tanto (tal como hoje). Porém, ainda remunerava a empresa Plescht e Nabhan Ltda. com os 17%. Pior: segundo o apurado pela auditoria do MP-PR, nos cálculos destes 17% foram incluídos recursos públicos provenientes de convênios com os municípios. A auditoria realizada verificou também a inconsistência das contas, devido a ausência de documentos comprobatórios de despesas.
Durante todo este tempo, a Fundação manteve-se graças a recursos públicos, pois os atendimentos e convênios particulares sempre foram parcos. Também nunca houve doações de dinheiro de quem quer que seja, nem mesmo do dr. Jorge. Assim, a Santa Casa teve um crescimento, houveram construções (como da UTI) e reformas (como da enfermaria, após interdição pela vigilância sanitária), sempre com dinheiro público, porém, sobre o patrimônio particular (do dr. Jorge ou de sua empresa).
Preocupado com a ausência de imobilização patrimonial e com o fato da Fundação ser administrada por uma pessoa que tirava indiretamente enormes vantagens indevidas da Santa Casa e também devido às contas irregulares, inoperância dos Conselhos Diretor e Fiscal, falta de licença sanitária e falhas de atendimento (com riscos aos pacientes), esta Promotoria de Justiça/Curadoria de Fundações iniciou, em 2005, uma série de comunicações e reuniões com o Conselho Diretor e com o dr. Jorge para solucionar os problemas.
Todavia, passados vários anos, ao invés de serem solucionados, os problemas se agravaram, pois o dr. Jorge rescindiu os contratos de concessão e de comodato e realizou um contrato de aluguel no valor de R$ 41 mil, com base em avaliação não bem detalhada, realizada a pedido dele, sem fiscalização do MP-PR, contrariando a Resolução n° 2434/02 do Ministério Público do Paraná, que proíbe que os integrantes dos órgãos deliberativo, executivo e de fiscalização das fundações, e as empresas ou entidades das quais sejam aqueles ou seus parentes até 2º grau, diretores, gerentes, sócios ou acionistas, efetuem, com ditas fundações, negócios de qualquer natureza, direta ou indiretamente, salvo em favor da fundação, a título gratuito (art. 61).
Não bastasse isto, o dr. Jorge fez com que fosse reconhecida pela Fundação (conforme ata) uma dívida inexistente de R$ 1 milhão, que esta teria com a sua empresa e, ainda, que o diretor (cargo inexistente, portanto, leia-se, presidente) deveria receber R$ 8 mil para exercer suas funções – em que pese não poder qualquer membro do Conselho Diretor, inclusive o presidente (dr. Jorge), ser remunerado.
Porém, a última gota foi o fato do dr. Jorge autorizar a utilização de água de um poço artesiano sem autorização da vigilância sanitária, inclusive para abastecer a UTI, o que ocasionou reiterados problemas na máquina de hemodiálise, com sérios riscos para a vida dos pacientes. E tudo isto com ele afirmando que o poço não estava sendo utilizado.
Frente a esta situação, não mais se acreditando que o dr. Jorge viesse a resolver os problemas da Fundação e administrá-la para que a mesma cumprisse seus objetivos (o atendimento à saúde da melhor maneira possível), foi ingressado em agosto de 2008 com ação de intervenção.
A ação visa a manutenção e saneamento das irregularidades da Santa Casa. Nesta ação, o dr. Jorge foi afastado da Presidência, o mesmo acontecendo com o coordenador-geral, dr. Evandro Terra Peixoto, sendo, na sequência, nomeado um interventor. O interventor – representante da Justiça – passou a ser o administrador provisório da Santa Casa.
Esta Curadoria de Fundações, continuando sua função de fiscalização, também propôs uma ação civil pública de reparação de danos para que a empresa Plescht e Nabhan Ltda. devolva os valores irregularmente recebidos, devidamente corrigidos.
Durante a intervenção, ainda surgiram suspeitas de outras e graves irregularidades, caracterizadoras de atos de improbidade administrativa, dentre as quais o superfaturamento de DPVAT-Seguro Obrigatório e desvio de finalidade de verbas públicas, o que ocasionavam um descontrole na fiscalização. Em face disso, uma terceira ação foi proposta, agora para afastamento do dr. Jorge do Conselho Diretor (ele já estava afastado da presidência). Também foram requisitadas instaurações de inquéritos policiais junto à Delegacia de Polícia de Cianorte, para apuração de eventuais fatos criminosos agora descobertos.
As ações judiciais encontram-se em andamento, porém, a intervenção, por essência, é provisória. Daí surge a necessidade se encontrar mecanismos para que a Fundação sobreviva de forma independente do dono do imóvel onde se encontra instalada. Para tanto, objetiva-se colocar no Conselho Diretor representantes dos Conselhos Municipais dos onze municípios que compõe a 13ª Regional de Saúde, que escolherão um administrador independente, que seja escolhido e somente possa ser demitido por um quorum qualificado (2/3). Porém, vários conselheiros não têm cumprido com seus deveres e comparecido às reuniões para as reformas estatutárias, o que tem impedido a realização das mesmas e o término da intervenção.
Enquanto isto, não se pode deixar de dizer que com a intervenção já se conseguiu sanear diversas irregularidades e dar transparência aos recursos e despesas da Fundação. Porém, com o saneamento, também ocorreu uma redução de recursos do DPVAT, que antes eram superfaturados, e também parou-se com os desvios de finalidade de recursos. Para agravar a situação houve a paralisação total de pagamento do DPVAT aos hospitais que prestam atendimento ao Sistema Único de Saúde, por força da Medida Provisória 451.
Recentemente, após estudo de toda a situação financeira da Fundação, segundo informado pelo interventor nos autos de ação de intervenção, a Santa Casa possui um déficit mensal de R$ 175.185,49, referente ao custeio dos serviços prestados. De ressaltar, outrossim, que o hospital encontra-se em dificuldade financeira de longa data, tendo realizado no período de 2005 a 2008 – ou seja, período anterior à intervenção – empréstimos no valor de R$ 6.052.994,63, dos quais pagou R$ 4.717.621,87, deixando a pagar R$ 1.335.372,76. Além disto, somente de juros sobre empréstimos entre 01/05/2005 a 31/08/2008 (período anterior a intervenção) foram pagos R$ 766.099,72, conforme relatório apresentado.
Agravando a crise, neste mês (junho/2009), o dr. Jorge propôs ação de despejo, por falta de pagamento dos R$ 41 mil de aluguel (que já estava sendo impugnado numa das ações propostas pelo MP-PR), objetivando a retomada do imóvel (reformado e ampliado) onde está instalada a Fundação, o que poderá ter como consequência a paralisação das atividades da Santa Casa por falta de sede própria.
Na busca de solução dos problemas, principalmente financeiros, o interventor já esteve no Ministério da Saúde, em Brasília (DF), conversou com senadores, deputados federais e estaduais, reuniu-se o Secretário Estadual de Saúde, com o superintendente do SUS no Paraná e com prefeitos da região. No momento, aguarda-se esforços políticos e também prossegue-se na busca de soluções técnicas para equilibrar as contas.
Novamente ressalte-se que a Santa Casa é importantíssima. Ela realiza serviços que seriam de obrigação do poder público. Também é certo que sobrevive praticamente de recursos públicos e presta atendimento à saúde da população – depois da intervenção – sem qualquer fim lucrativo direto ou indireto a quem quer que seja.
O Ministério Público do Estado do Paraná tem realizado sua função de velar e propor ações judiciais necessárias para que a Fundação cumpra a sua função observando os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência administrativa. A Justiça, por meio do interventor que representa a Juíza de Direito, tem realizado sua função. Agora se espera que o poder público – representado pela União, Estado e Municípios – atenda a demanda da saúde da população de Cianorte e região e auxilie na busca de soluções para o seu equilíbrio financeiro. Afinal, conforme o art. 196 da Constituição Federal, “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Joelson Luís Pereira é promotor de Justiça e atua na Primeira Promotoria de Justiça de Cianorte/Curadoria de Fundações