Apelação cível - Hospital e Maternidade Maringá
APELAÇÃO CIVEL Nº 566044-4, DA COMARCA DE MARINGÁ - 4ª VARA CÍVEL
APELANTE : ROSA MARIA PIGA NEVES
APELADO : HOSPITAL E MATERNIDADE MARINGÁ S.A.
RELATOR: DESEMBARGADOR JOÃO DOMINGOS KÜSTER PUPPI.
APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO - QUEDA NAS DEPENDÊNCIAS DO HOSPITAL - DANO MATERIAL CONFIGURADO - PROVAS SUFICIENTES - DANO MORAL AFASTADO - PROVA INSUFICIENTE - REFORMA DA SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO - PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.
I. É dever do Estado assegurar indistintamente a todos os cidadãos o direito à saúde, que é uma garantia fundamental e está consagrada na Constituição Federal.
II. Qualquer hospital, ainda que com destinação específica e não conveniado ao SUS, mesmo não existindo vagas nos hospitais pertencentes a este sistema, têm o dever de prestar pronto socorro e atendimento necessário às pessoas que se encontrem em situação emergencial, tanto mais como no caso dos autos, quando a apelante sofreu queda dentro do próprio hospital, sob pena de ferir a incolumidade física daqueles que circulam pelas dependências da instituição.
III. Os elementos de prova trazidos ao processo são suficientes para caracterizar a responsabilidade do hospital no custeio das despesas com tratamento ambulatorial, diante de omissão de socorro, em caso de acidente que envolveu comprometimento das funções do braço da apelante.
Vistos, relatados e discutidos estes Autos de Apelação Cível nº 566044-4, do Foro da Comarca de Maringá - 4ª Vara Cível, onde é Apelante Rosa Maria Piga Neves e Apelado Hospital e Maternidade Maringá S.A.
Trata-se de recurso interposto em face da r. sentença de fls. 197/198, onde o MM. Juiz a quo julgou improcedente o pedido inicial, extinguindo o processo, com resolução de mérito, na forma do art. 269, I, do CPC, condenando a autora no pagamento dos honorários advocatícios, que arbitrou em setecentos reais, cuja exigibilidade ficou suspensa em face da concessão dos benefícios da assistência judiciária.
Em síntese, a apelante sustenta às fls. 204/211, que em decorrência de ter sofrido queda, seguida de grave lesão e ferimentos diversos, dentro do Hospital e Maternidade Maringá, pleiteou pelo pagamento de indenização por danos materiais e morais, diante de omissão no atendimento médico-hospitalar, uma vez que o hospital negou-se atendê-la, por não ter condições financeiras para pagar a importância de R$ 740,00, exigida para o pronto socorro. Aponta ser incontroverso o fato de que sofreu a queda nas dependências do hospital, devendo ser desconsiderada, contudo, a tese de que não conseguiu produzir provas acerca de que o piso estava molhado no momento do acidente, já que a entidade não poderia permitir que pacientes debilitados transitassem por quartos e corredores escorregadios. Ressalta que em nenhum momento tentou imputar a culpa pela queda ao hospital, ressalvando que uma instituição que zela pela saúde da comunidade, não poderia negar socorro a uma pessoa machucada e necessitada, pelo simples fato de não reunir, no momento, condições para arcar com as despesas do atendimento, infringido com tal atitude garantia fundamental prevista na Constituição. Argumenta que a postura do hospital pode se enquadrar como procedimento criminoso, previsto no art. 135, do Código Penal, além da conduta omissiva na esfera civil, prevista no artigo 186, do Código Civil. Assevera que os prejuízos sofridos independem de prova material, para emergir o direito à reparação pretendida, bastando comprovação da prática antijurídica perpetrada pelo ofensor, cujo posicionamento jurisprudencial corrobora esta colocação.
Às fls. 212, a apelação foi recebida em seus duplos efeitos.
Contra-razões do apelado constantes de fls. 214/216, reiterando alegações iniciais e pedindo pela manutenção do r. decisum.
Nestes termos vieram-me os presentes autos conclusos.
É o relatório.
Manejos regulares em tempo, na presença dos requisitos de admissibilidade recursais, tais como adequação e tempestividade.
A apelante insurge-se contra decisão que julgou improcedente o pedido inicial, referente à pretensão indenizatória decorrente de danos morais e materiais, condenando-a nas verbas sucumbenciais, cuja exigibilidade foi suspensa em face da concessão da gratuidade judiciária
O ponto nodal da questão cinge-se ao fato de a recorrente ter sofrido uma queda dentro das dependências do Hospital e Maternidade Maringá, seguida de grave lesão e ferimentos diversos, vindo invocar omissão no pronto atendimento hospitalar, uma vez que a entidade negou-se atendê-la, por não ter condições financeiras para pagar a importância exigida na secretaria do estabelecimento.
A demandante aponta ser incontroverso o fato de que sofreu o acidente no próprio hospital, devendo ser desconsiderada a tese de não ter produzido provas sobre o piso molhado no momento do acidente, já que a entidade não poderia permitir que pacientes debilitados transitassem por quartos e corredores escorregadios.
Ressalta, ainda, que não tentou atribuir a culpa da queda ao hospital, ressalvando que a instituição não poderia negar socorro a uma pessoa gravemente ferida, pelo fato de não ter condições de arcar com as despesas exigidas, sendo que os prejuízos sofridos independem de prova material para emergir o direito à reparação de danos, bastando apenas a comprovação da prática antijurídica perpetrada pelo ofensor.
O fato que ressalta nestes autos, é que a apelante, diante da recusa do hospital de lhe prestar pronto socorro e atendimento adequados, apenas recebeu um tratamento paliativo - não para amenizar sua dor - mas para forçá-la a procurar o tratamento de emergência em outra instituição, a fim de não prejudicar a receita Hospitalar com despesas de pacientes de baixa renda.
Dos Danos Materiais
A carência econômica da apelante ficou evidenciada nos autos, considerando que o gasto com o tratamento dos ferimentos representou um custo bastante elevado diante de suas reais possibilidades financeiras, tanto que o tratamento particular foi feito na última hora, após muita dor, muita espera e depois de esgotadas todas as possibilidades de atendimento em um sistema público de saúde que se mostrou deficitário.
Ora, é dever do Estado assegurar indistintamente a todos os cidadãos o direito à saúde, que é fundamental e está consagrado na Carta Magna da Nação.
Com efeito, todos têm direito à vida e à saúde, constituindo obrigação inarredável do Estado assegurar estes bens, independentemente de qualquer vinculação do necessitado a sistema de seguridade social, na forma do disposto nos artigos 5º, caput, 6º, 196 e 203, da Constituição Federal, porquanto a vida e a saúde constituem a fonte fundamental e primeira na ordem de todos os outros bens jurídicos.
Confira-se posicionamento jurisprudencial neste sentido:
“APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. RESSARCIMENTO DE TRATAMENTO MÉDICO. HOSPITAL NÃO CONVENIADO AO SUS.
O custeio de tratamentos médicos ou cirúrgicos são excepcionais a pacientes sem meios econômicos para a realização com recursos próprios. Trata-se de direito à vida e à saúde, garantia constitucional e dever do estado. O direito à saúde é assegurado a todos, devendo os necessitados receberem do ente público os benefícios necessários. Ente público deve ser entendido no sentido lato do conceito, sendo as esferas do Poder Executivo solidariamente responsáveis...omissis...Apelo desprovido.”
(TJRS - 2ª Câm. Cív. - Ap.Cív. 70018607465 -
Rel. DES. JOÃO ARMANDO BEZERRA CAMPOS - J. 02.05.2007 - Unânime)
Assim sendo, o cidadão, sem condições financeiras, tem direito à internação hospitalar, por corolário lógico do direito à saúde.
Neste contexto, é imprescindível interpretar a lei de uma forma mais humana, onde os princípios ético-jurídicos conduzam a uma solução justa, no intuito de preservar a vida, a saúde e a incolumidade física do cidadão.
Não há como apegar-se, de forma rígida, à letra fira da lei, mas há que se buscar, a medida do possível, a intenção do legislador, levando-se em conta os preceitos fundamentais insculpidos na Constituição, garantidores da dignidade humana.
De outro vértice, qualquer hospital, ainda que com destinação específica e não conveniado ao SUS, mesmo do caso de não existirem vagas nos hospitais pertencentes a este sistema - têm o dever de prestar o pronto socorro e atendimentos que se fizerem necessários, às pessoas que se encontrem em situação emergencial, tanto mais como no caso dos autos, onde a demandante sofreu a queda dentro do próprio hospital, sob pena de ferir a incolumidade física daqueles que circulam pelas dependências da instituição.
Em julgamento análogo ao presente, assim decidiu o Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
“Ação indenizatória - Queda de senhora idosa, quando em visita à pessoa hospitalizada - Chão que estava sendo lavado no horário de visita e, portanto, escorregadio - Responsabilidade do hospital indiscutível - Danos materiais e morais comprovados e devidos - Fixação adequada - Procedência bem decretada - Recursos não providos.”
(TJSP - 1ª Câm. de Direito Privado - Ap. Cív. nº 086.808-4/01 - Rel. LAERTE NORDI - maioria - J. 20.09.99)
Diante de grave situação emergencial, a exemplo da perda de um membro ou de um órgão vital, é direito do cidadão de ser atendido em qualquer hospital, vinculado ou não ao Sistema Único de Saúde-SUS, ainda que esta instituição seja mantida por contribuições particulares.
Destarte, em não tendo cumprido um dever constitucionalmente previsto, deve o hospital apelado responder por sua conduta omissiva, ressarcindo a apelante pelos gastos com o tratamento ambulatorial e cirurgia de pulso esfacelado, os quais perfazem a quantia de R$ 2.300,00, responsabilizando-se, assim, pelos débitos contraídos pela paciente que deixou de atender.
Por todos estes aspectos, considerando os critérios usados no julgamento, tenho que a sentença está equivocada ao julgar improcedente o pedido autoral e extinguir o processo com resolução de mérito (269, I, CPC), condenando, ainda, a autora no pagamento dos honorários advocatícios, que foram dispensados diante da concessão da gratuidade judiciária.
Em que pese a liberdade de apreciação de provas e o livre convencimento do Juízo, que louvou, unicamente, os termos da declaração prestada às fls. 173, não consta dos autos o prontuário de atendimento da apelada junto ao hospital apelado (local do acidente), de forma a narrar o que realmente teria acontecido na data do evento danoso.
A única prova produzida pelo apelado, firmada através de instrumento público, não tem valor probante significativo, posto que as declarações da enfermeira somente poderiam ser consideradas na qualidade de informante, haja vista seu comprometimento pessoal na condição de funcionária do estabelecimento e, conseqüentemente, parte interessada na solução do litígio (405, 3º, IV, CPC).
Conquanto o hospital questione as alegações e colocações feitas pela recorrente, dizendo que não havia piso molhado na hora e no local do acidente, tenho como irrelevantes estes fatos - apesar de não comprovados - eis que o que prepondera neste caso é a conduta da instituição, ao não prestar todos os socorros necessários à pessoa acidentada dentro de suas dependências.
Aliás, a obtenção de prova, embora com função complementar, é prescindível quando em face dessa presunção estiver formada a convicção a respeito do fato, pelo que o juiz não fica adstrito a colher às declarações firmadas por funcionários do próprio estabelecimento, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos demonstrados nos autos.
Razões pelas quais, convenço-me de que os demais elementos debatidos no processo são suficientes para caracterizar a responsabilidade do hospital no custeio das despesas com o tratamento ambulatorial, diante de omissão de socorro a uma situação de emergência que envolvia comprometimento das funções do braço esquerdo da apelante.
Ademais, como a acidentada não foi atendida prontamente no próprio hospital onde estava, teve seu estado de saúde consideravelmente agravado (fls. 09/10), cujo quadro dá ensejo ao ressarcimento das despesas médicas, mas não à indenização danos morais nos termos postulados pela autora da demanda.
Dos Danos Morais
Atento às circunstâncias de fato e de direito aqui elencadas, tenho por descabida indenização por danos de natureza moral no caso em análise, eis que o reexame da matéria fica - pelos únicos elementos de prova colacionados aos autos - mais concentrado aos danos materiais suportados pela apelante, como se verá a seguir.
Registre-se que mesmo dando-se provimento ao pedido de ressarcimento por danos materiais, tal acolhimento não dá, necessariamente, direito à reparação por danos morais, máxime quando estes danos morais não ficaram suficientemente comprovados nos autos.
Com efeito, a ora apelante, na fase de especificação de provas, deixou o prazo transcorrer in albis (cf. fls. 183/188), tão-somente requerendo, no ato da audiência, produção de prova testemunhal (cf. Ata de fls. 189), restando assim precluído o direito da litigante neste aspecto.
O Código de Processo Civil, em seu artigo 333, é claro ao dispor acerca do ônus da prova, o qual recai sobre o autor acerca dos fatos constitutivos do seu direito e, sobre o réu, quanto à inexistência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.
Com tal procedimento, a demandante, como parte diretamente interessada na rápida solução do litígio, não logrou êxito ao comprovar os fatos narrados ao longo da lide, não se verificado, via de conseqüência, o animus ou vontade deliberada da parte adversa em ofender ou atacar sua integridade psicoemocional.
Portanto, neste prisma, tenho que não existem danos morais a serem discutidos e fixados no processo, uma vez que a apelante também não comprovou parte dos fatos narrados na demanda, ao quedar-se silente na fase de instrução processual.
Repita-se, novamente, que o que sobreleva neste caso, é justamente a conduta omissiva, indiferente e até irresponsável perpetrada pelo Hospital e Maternidade Maringá, ao deixar de prestar socorro necessário e atendimento adequado à pessoa que sofreu grave queda dentro de suas dependências.
Isto é o que se discute neste recurso e não eventual descuido da avó do paciente, ao desligar a TV do sofá - fato este também não comprovado nos autos - cujo detalhamento de tais questões reputo como irrelevantes para a justa solução de causa desta natureza.
Em conseqüência, impõe-se a inversão dos ônus sucumbenciais, condenando-se a instituição apelada no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do patrono do demandante, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor desta condenação.
Em face de tais colocações, voto no sentido de dar provimento parcial ao presente recurso, julgando procedente o pedido de indenização por danos materiais, para o efeito de condenar a instituição apelada no pagamento dos valores referentes aos gastos desembolsados pela apelante, no valor de R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais), corrigidos monetariamente a partir do efetivo prejuízo (Súm. 43 STJ) e com juros de mora a partir do evento danoso (Súm. 54 STJ).
Do exposto:
Acordam os Senhores Juízes integrantes da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do julgado.
O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador Relator, e dele participaram conjuntamente a Senhora Juízo Convocada Denise Kruger Pereira Vargas e o Senhor Juiz Convocado Antônio Massaneiro.
Curitiba, 04 de junho de 2009
João Domingos Küster Puppi
Desembargador Relator
APELANTE : ROSA MARIA PIGA NEVES
APELADO : HOSPITAL E MATERNIDADE MARINGÁ S.A.
RELATOR: DESEMBARGADOR JOÃO DOMINGOS KÜSTER PUPPI.
APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO - QUEDA NAS DEPENDÊNCIAS DO HOSPITAL - DANO MATERIAL CONFIGURADO - PROVAS SUFICIENTES - DANO MORAL AFASTADO - PROVA INSUFICIENTE - REFORMA DA SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO - PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.
I. É dever do Estado assegurar indistintamente a todos os cidadãos o direito à saúde, que é uma garantia fundamental e está consagrada na Constituição Federal.
II. Qualquer hospital, ainda que com destinação específica e não conveniado ao SUS, mesmo não existindo vagas nos hospitais pertencentes a este sistema, têm o dever de prestar pronto socorro e atendimento necessário às pessoas que se encontrem em situação emergencial, tanto mais como no caso dos autos, quando a apelante sofreu queda dentro do próprio hospital, sob pena de ferir a incolumidade física daqueles que circulam pelas dependências da instituição.
III. Os elementos de prova trazidos ao processo são suficientes para caracterizar a responsabilidade do hospital no custeio das despesas com tratamento ambulatorial, diante de omissão de socorro, em caso de acidente que envolveu comprometimento das funções do braço da apelante.
Vistos, relatados e discutidos estes Autos de Apelação Cível nº 566044-4, do Foro da Comarca de Maringá - 4ª Vara Cível, onde é Apelante Rosa Maria Piga Neves e Apelado Hospital e Maternidade Maringá S.A.
Trata-se de recurso interposto em face da r. sentença de fls. 197/198, onde o MM. Juiz a quo julgou improcedente o pedido inicial, extinguindo o processo, com resolução de mérito, na forma do art. 269, I, do CPC, condenando a autora no pagamento dos honorários advocatícios, que arbitrou em setecentos reais, cuja exigibilidade ficou suspensa em face da concessão dos benefícios da assistência judiciária.
Em síntese, a apelante sustenta às fls. 204/211, que em decorrência de ter sofrido queda, seguida de grave lesão e ferimentos diversos, dentro do Hospital e Maternidade Maringá, pleiteou pelo pagamento de indenização por danos materiais e morais, diante de omissão no atendimento médico-hospitalar, uma vez que o hospital negou-se atendê-la, por não ter condições financeiras para pagar a importância de R$ 740,00, exigida para o pronto socorro. Aponta ser incontroverso o fato de que sofreu a queda nas dependências do hospital, devendo ser desconsiderada, contudo, a tese de que não conseguiu produzir provas acerca de que o piso estava molhado no momento do acidente, já que a entidade não poderia permitir que pacientes debilitados transitassem por quartos e corredores escorregadios. Ressalta que em nenhum momento tentou imputar a culpa pela queda ao hospital, ressalvando que uma instituição que zela pela saúde da comunidade, não poderia negar socorro a uma pessoa machucada e necessitada, pelo simples fato de não reunir, no momento, condições para arcar com as despesas do atendimento, infringido com tal atitude garantia fundamental prevista na Constituição. Argumenta que a postura do hospital pode se enquadrar como procedimento criminoso, previsto no art. 135, do Código Penal, além da conduta omissiva na esfera civil, prevista no artigo 186, do Código Civil. Assevera que os prejuízos sofridos independem de prova material, para emergir o direito à reparação pretendida, bastando comprovação da prática antijurídica perpetrada pelo ofensor, cujo posicionamento jurisprudencial corrobora esta colocação.
Às fls. 212, a apelação foi recebida em seus duplos efeitos.
Contra-razões do apelado constantes de fls. 214/216, reiterando alegações iniciais e pedindo pela manutenção do r. decisum.
Nestes termos vieram-me os presentes autos conclusos.
É o relatório.
Manejos regulares em tempo, na presença dos requisitos de admissibilidade recursais, tais como adequação e tempestividade.
A apelante insurge-se contra decisão que julgou improcedente o pedido inicial, referente à pretensão indenizatória decorrente de danos morais e materiais, condenando-a nas verbas sucumbenciais, cuja exigibilidade foi suspensa em face da concessão da gratuidade judiciária
O ponto nodal da questão cinge-se ao fato de a recorrente ter sofrido uma queda dentro das dependências do Hospital e Maternidade Maringá, seguida de grave lesão e ferimentos diversos, vindo invocar omissão no pronto atendimento hospitalar, uma vez que a entidade negou-se atendê-la, por não ter condições financeiras para pagar a importância exigida na secretaria do estabelecimento.
A demandante aponta ser incontroverso o fato de que sofreu o acidente no próprio hospital, devendo ser desconsiderada a tese de não ter produzido provas sobre o piso molhado no momento do acidente, já que a entidade não poderia permitir que pacientes debilitados transitassem por quartos e corredores escorregadios.
Ressalta, ainda, que não tentou atribuir a culpa da queda ao hospital, ressalvando que a instituição não poderia negar socorro a uma pessoa gravemente ferida, pelo fato de não ter condições de arcar com as despesas exigidas, sendo que os prejuízos sofridos independem de prova material para emergir o direito à reparação de danos, bastando apenas a comprovação da prática antijurídica perpetrada pelo ofensor.
O fato que ressalta nestes autos, é que a apelante, diante da recusa do hospital de lhe prestar pronto socorro e atendimento adequados, apenas recebeu um tratamento paliativo - não para amenizar sua dor - mas para forçá-la a procurar o tratamento de emergência em outra instituição, a fim de não prejudicar a receita Hospitalar com despesas de pacientes de baixa renda.
Dos Danos Materiais
A carência econômica da apelante ficou evidenciada nos autos, considerando que o gasto com o tratamento dos ferimentos representou um custo bastante elevado diante de suas reais possibilidades financeiras, tanto que o tratamento particular foi feito na última hora, após muita dor, muita espera e depois de esgotadas todas as possibilidades de atendimento em um sistema público de saúde que se mostrou deficitário.
Ora, é dever do Estado assegurar indistintamente a todos os cidadãos o direito à saúde, que é fundamental e está consagrado na Carta Magna da Nação.
Com efeito, todos têm direito à vida e à saúde, constituindo obrigação inarredável do Estado assegurar estes bens, independentemente de qualquer vinculação do necessitado a sistema de seguridade social, na forma do disposto nos artigos 5º, caput, 6º, 196 e 203, da Constituição Federal, porquanto a vida e a saúde constituem a fonte fundamental e primeira na ordem de todos os outros bens jurídicos.
Confira-se posicionamento jurisprudencial neste sentido:
“APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. RESSARCIMENTO DE TRATAMENTO MÉDICO. HOSPITAL NÃO CONVENIADO AO SUS.
O custeio de tratamentos médicos ou cirúrgicos são excepcionais a pacientes sem meios econômicos para a realização com recursos próprios. Trata-se de direito à vida e à saúde, garantia constitucional e dever do estado. O direito à saúde é assegurado a todos, devendo os necessitados receberem do ente público os benefícios necessários. Ente público deve ser entendido no sentido lato do conceito, sendo as esferas do Poder Executivo solidariamente responsáveis...omissis...Apelo desprovido.”
(TJRS - 2ª Câm. Cív. - Ap.Cív. 70018607465 -
Rel. DES. JOÃO ARMANDO BEZERRA CAMPOS - J. 02.05.2007 - Unânime)
Assim sendo, o cidadão, sem condições financeiras, tem direito à internação hospitalar, por corolário lógico do direito à saúde.
Neste contexto, é imprescindível interpretar a lei de uma forma mais humana, onde os princípios ético-jurídicos conduzam a uma solução justa, no intuito de preservar a vida, a saúde e a incolumidade física do cidadão.
Não há como apegar-se, de forma rígida, à letra fira da lei, mas há que se buscar, a medida do possível, a intenção do legislador, levando-se em conta os preceitos fundamentais insculpidos na Constituição, garantidores da dignidade humana.
De outro vértice, qualquer hospital, ainda que com destinação específica e não conveniado ao SUS, mesmo do caso de não existirem vagas nos hospitais pertencentes a este sistema - têm o dever de prestar o pronto socorro e atendimentos que se fizerem necessários, às pessoas que se encontrem em situação emergencial, tanto mais como no caso dos autos, onde a demandante sofreu a queda dentro do próprio hospital, sob pena de ferir a incolumidade física daqueles que circulam pelas dependências da instituição.
Em julgamento análogo ao presente, assim decidiu o Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
“Ação indenizatória - Queda de senhora idosa, quando em visita à pessoa hospitalizada - Chão que estava sendo lavado no horário de visita e, portanto, escorregadio - Responsabilidade do hospital indiscutível - Danos materiais e morais comprovados e devidos - Fixação adequada - Procedência bem decretada - Recursos não providos.”
(TJSP - 1ª Câm. de Direito Privado - Ap. Cív. nº 086.808-4/01 - Rel. LAERTE NORDI - maioria - J. 20.09.99)
Diante de grave situação emergencial, a exemplo da perda de um membro ou de um órgão vital, é direito do cidadão de ser atendido em qualquer hospital, vinculado ou não ao Sistema Único de Saúde-SUS, ainda que esta instituição seja mantida por contribuições particulares.
Destarte, em não tendo cumprido um dever constitucionalmente previsto, deve o hospital apelado responder por sua conduta omissiva, ressarcindo a apelante pelos gastos com o tratamento ambulatorial e cirurgia de pulso esfacelado, os quais perfazem a quantia de R$ 2.300,00, responsabilizando-se, assim, pelos débitos contraídos pela paciente que deixou de atender.
Por todos estes aspectos, considerando os critérios usados no julgamento, tenho que a sentença está equivocada ao julgar improcedente o pedido autoral e extinguir o processo com resolução de mérito (269, I, CPC), condenando, ainda, a autora no pagamento dos honorários advocatícios, que foram dispensados diante da concessão da gratuidade judiciária.
Em que pese a liberdade de apreciação de provas e o livre convencimento do Juízo, que louvou, unicamente, os termos da declaração prestada às fls. 173, não consta dos autos o prontuário de atendimento da apelada junto ao hospital apelado (local do acidente), de forma a narrar o que realmente teria acontecido na data do evento danoso.
A única prova produzida pelo apelado, firmada através de instrumento público, não tem valor probante significativo, posto que as declarações da enfermeira somente poderiam ser consideradas na qualidade de informante, haja vista seu comprometimento pessoal na condição de funcionária do estabelecimento e, conseqüentemente, parte interessada na solução do litígio (405, 3º, IV, CPC).
Conquanto o hospital questione as alegações e colocações feitas pela recorrente, dizendo que não havia piso molhado na hora e no local do acidente, tenho como irrelevantes estes fatos - apesar de não comprovados - eis que o que prepondera neste caso é a conduta da instituição, ao não prestar todos os socorros necessários à pessoa acidentada dentro de suas dependências.
Aliás, a obtenção de prova, embora com função complementar, é prescindível quando em face dessa presunção estiver formada a convicção a respeito do fato, pelo que o juiz não fica adstrito a colher às declarações firmadas por funcionários do próprio estabelecimento, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos demonstrados nos autos.
Razões pelas quais, convenço-me de que os demais elementos debatidos no processo são suficientes para caracterizar a responsabilidade do hospital no custeio das despesas com o tratamento ambulatorial, diante de omissão de socorro a uma situação de emergência que envolvia comprometimento das funções do braço esquerdo da apelante.
Ademais, como a acidentada não foi atendida prontamente no próprio hospital onde estava, teve seu estado de saúde consideravelmente agravado (fls. 09/10), cujo quadro dá ensejo ao ressarcimento das despesas médicas, mas não à indenização danos morais nos termos postulados pela autora da demanda.
Dos Danos Morais
Atento às circunstâncias de fato e de direito aqui elencadas, tenho por descabida indenização por danos de natureza moral no caso em análise, eis que o reexame da matéria fica - pelos únicos elementos de prova colacionados aos autos - mais concentrado aos danos materiais suportados pela apelante, como se verá a seguir.
Registre-se que mesmo dando-se provimento ao pedido de ressarcimento por danos materiais, tal acolhimento não dá, necessariamente, direito à reparação por danos morais, máxime quando estes danos morais não ficaram suficientemente comprovados nos autos.
Com efeito, a ora apelante, na fase de especificação de provas, deixou o prazo transcorrer in albis (cf. fls. 183/188), tão-somente requerendo, no ato da audiência, produção de prova testemunhal (cf. Ata de fls. 189), restando assim precluído o direito da litigante neste aspecto.
O Código de Processo Civil, em seu artigo 333, é claro ao dispor acerca do ônus da prova, o qual recai sobre o autor acerca dos fatos constitutivos do seu direito e, sobre o réu, quanto à inexistência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.
Com tal procedimento, a demandante, como parte diretamente interessada na rápida solução do litígio, não logrou êxito ao comprovar os fatos narrados ao longo da lide, não se verificado, via de conseqüência, o animus ou vontade deliberada da parte adversa em ofender ou atacar sua integridade psicoemocional.
Portanto, neste prisma, tenho que não existem danos morais a serem discutidos e fixados no processo, uma vez que a apelante também não comprovou parte dos fatos narrados na demanda, ao quedar-se silente na fase de instrução processual.
Repita-se, novamente, que o que sobreleva neste caso, é justamente a conduta omissiva, indiferente e até irresponsável perpetrada pelo Hospital e Maternidade Maringá, ao deixar de prestar socorro necessário e atendimento adequado à pessoa que sofreu grave queda dentro de suas dependências.
Isto é o que se discute neste recurso e não eventual descuido da avó do paciente, ao desligar a TV do sofá - fato este também não comprovado nos autos - cujo detalhamento de tais questões reputo como irrelevantes para a justa solução de causa desta natureza.
Em conseqüência, impõe-se a inversão dos ônus sucumbenciais, condenando-se a instituição apelada no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do patrono do demandante, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor desta condenação.
Em face de tais colocações, voto no sentido de dar provimento parcial ao presente recurso, julgando procedente o pedido de indenização por danos materiais, para o efeito de condenar a instituição apelada no pagamento dos valores referentes aos gastos desembolsados pela apelante, no valor de R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais), corrigidos monetariamente a partir do efetivo prejuízo (Súm. 43 STJ) e com juros de mora a partir do evento danoso (Súm. 54 STJ).
Do exposto:
Acordam os Senhores Juízes integrantes da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do julgado.
O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador Relator, e dele participaram conjuntamente a Senhora Juízo Convocada Denise Kruger Pereira Vargas e o Senhor Juiz Convocado Antônio Massaneiro.
Curitiba, 04 de junho de 2009
João Domingos Küster Puppi
Desembargador Relator
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