Apelação cível
APELAÇÃO CÍVEL Nº 572.431-4 - DA COMARCA DE MARINGÁ - 1ª VARA CÍVEL
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
APELADOS: JAIRO MORAIS GIANOTO, ANTONIO MARIANI, ANTONIO PASCOAL LORENCETI, VIVIEN DEANTONIO JORGE, GEORGES ANIL EL KHOURY, SILVIO SAITO IWATA, NELSON BARBOSA, ENGEDELP CONTRUÇÕES CIVIS E INCORPORAÇÕES LTDA., ADEMIR DEL PINTOR e ODAIR DEL PINTOR.
REC. ADESIVO: ENGEDELP CONTRUÇÕES CIVIS E INCORPORAÇÕES LTDA., ADEMIR DEL PINTOR e ODAIR DEL PINTOR.
RELATOR: Juiz ROGÉRIO RIBAS, Subst. de 2º Grau.(1)
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE, DECORRENTE ESTE DE ONERAÇÃO INDEVIDA DE IMÓVEIS MUNICIPAIS EM PREJUÍZO AO ERÁRIO PÚBLICO. DAÇÃO EM PAGAMENTO DE TERRENOS À SOCIEDADE EMPRESÁRIA PRIVADA, COM SUBAVALIAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS. DEMANDA BASEADA EM TRABALHO TÉCNICO PRODUZIDO EM INQUÉRITO CIVIL. LAUDO PERICIAL DA INSTRUÇÃO QUE NÃO APUROU O ALEGADO PREJUÍZO. DÚVIDA OBJETIVA QUANTO AO ACERTO DO TRABALHO TÉCNICO DO EXPERT. CONFIANÇA AFETADA POR ELEMENTOS OUTROS DOS AUTOS. AUSÊNCIA, PORTANTO, DE FUNDAMENTAÇÃO OBJETIVA SUFICIENTE A AFASTAR A IMPROBIDADE. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE NOVA PERÍCIA EM PRIMEIRO GRAU. POSSIBILIDADE E IMPOSIÇÃO EM FACE DOS ELEMENTOS CONCRETOS DOS AUTOS. CASSAÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. CONTINUIDADE DA INSTRUÇÃO NECESSÁRIA, COM A PRODUÇÃO DE NOVA PERÍCIA OFICIAL. SENTENÇA DECLARADA NULA. PREJUDICADOS O APELO E O RECURSO ADESIVO.
Diante de Sentença fundada em perícia que não pareça esclarecer suficientemente a matéria técnica envolvida na demanda (inconfiançabilidade), incumbe ao Tribunal, consoante o Poder Geral de Prova e o Efeito Devolutivo Recursal, determinar a produção de Nova Perícia, se não o fez o juízo “a quo”, decretando para tanto a nulidade de Sentença e continuidade da instrução.
I - O RELATÓRIO:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos.
Trata-se AÇÃO CIVIL PÚBLICA por ato de Improbidade - sob nº 697/2001 - ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Paraná em face dos mencionados apelados, por meio da qual o Parquet Estadual imputou aos réus a participação em ato improbo consistente em causar prejuízo ao Erário (art. 10 da Lei 8.429/92).
Afirma o Órgão Ministerial, com base em dados colhidos no Inquérito Civil n. 24/2000, que houve subfaturamento de imóveis objeto de dação em pagamento feita pelo Município de Maringá, na gestão do Ex-alcaide JAIRO MORAIS GIANOTO, em benefício da Sociedade Empresária ENGEDELP CONTRUÇÕES CIVIS E INCORPORAÇÕES LTDA..
Aduz que os terrenos objeto da dação (Matrículas 59.692 e 59.693, do 1º Ofício de Maringá, respectivamente com 2.855,78 e 3.196,53 m2) foram incorporados ao patrimônio do Município, por meio também de dação em pagamento, quando da redução do capital social da Sociedade de Economia Mista URBAMAR (Urbanização de Maringá S/A); posto que o Município figura como sócio majoritário da Companhia, possuindo a maioria das ações ordinárias.
Informa, nesse sentido, que a operação de redução de capital, transferindo os referidos bens imóveis ao Município, se deu pelo valor global de R$ 2.863.105,76, valor este apurado na data de 16.08.1999.
No bojo do Inquérito Civil, requisitou então o Ministério Público avaliações dos mesmos referidos imóveis, no escopo de aferir se à época da transferência à ENGEDELP foi respeitado o valor efetivo dos terrenos; ao que, sobretudo com base na avaliação do Sr. MARCELINO MARTINS FERNANDES, Servidor Público Avaliador Oficial, constatou-se que o valor dos imóveis à época era na verdade de R$ 1.452.554,40 (conforme dados técnicos e demando do mercado de imóveis).
Nesse sentido, tendo a transferência à ENGEDELP se dado em 17.12.1999, pelo valor global de apenas R$ 939.881,80, entendeu o Ministério Público ter havido um subfaturamento, consistente em prejuízo do Erário Público de pelo menos R$ 512.742,60.
O órgão ministerial ajuizou, então, a demanda, trazendo os fatos apurados no Inquérito Civil e requerendo a condenação dos réus: JAIRO MORAIS GIANOTO, Prefeito à época e ordenador das operações; ANTONIO MARIANI, ANTONIO PASCOAL LORENCETI, VIVIEN DEANTONIO JORGE, GEORGES ANIL EL KHOURY, SILVIO SAITO IWATA, NELSON BARBOSA; membros designados pela Administração Municipal para compor a Comissão Avaliadora dos Imóveis (cuja avaliação fundamentou o Processo Administrativo que culminou na aprovação da Lei Municipal de transferência dos imóveis à ENGEDELP); e, for fim, dos réus ENGEDELP CONTRUÇÕES CIVIS E INCORPORAÇÕES LTDA., ADEMIR DEL PINTOR e ODAIR DEL PINTOR, particulares beneficiados com a transferência dos terrenos em questão.
Na instrução, seguindo o rito da Lei de Ação Civil Pública, produziu-se prova pericial a fim de avaliar os imóveis à época de sua transferência è empresa ré. Para tanto, a Perita Judicial nomeada foi a Srª ELIZABETE TAKEUTE, a qual, por meio de trabalho técnico, chegou a uma avaliação de R$ 936.527,00, menor, portanto, que o valor pelo qual os terrenos foram onerados pelo Município em benefício da sociedade ré.
Em sentença, face aos elementos deste último laudo, o eminente Juiz MÁRIO SETO TAKEGUMA julgou improcedente a Ação Civil Pública, tendo em vista dois fundamentos em suma:
a) A operação de aquisição a maior (quando da diminuição do Capital Social da Sociedade de Economia Mista URBAMAR) se deu por valores não condizentes com os de Mercado; pois se efetivou apenas como meio de ajuste contábil, não havendo, portanto, qualquer desembolso do ente público para a aquisição dos tais imóveis, por isso não haveria prejuízo na venda posterior, mesmo que por valor menor;
b) A perícia oficial deu conta de que o valor da transferência dos terrenos à sociedade empresária ré se deu em acordo com o valor de mercado dos imóveis, não havendo, portanto, prejuízo ao erário.
Deixou, por fim, de condenar o Ministério Público na sucumbência, pois não teria havido má-fé na interposição da ação (fls. 1.572-1.576).
Inconformado, o Ministério Público apela a esta Corte Estadual, pugnando pela revisão e reforma da sentença, aduzindo em suma:
a) O primeiro fundamento dado pelo juízo “a quo” é incabível, pois admite que o Município tenha contabilizado como entrada valores irreais quanto aos imóveis em questão; isto equivale a admitir que o Município agiu com fraude apenas para acomodar cálculos contábeis, o que é grave;
b) O ato de transferência inicial da URBAMAR para o Município goza de presunção de veracidade, logo deve ser considerado como escorreito e não irreal como afirmou sua excelência;
c) Sua excelência, sem qualquer fundamento, repudiou o trabalho técnico lançado no Inquérito Civil, afirmando que o profissional MARCELINO MARTINS FERNANDES, que é Servidor Público Avaliador Oficial, não teria competência técnica para tanto; algo que não se pode admitir, posto que o profissional ostenta as qualidades necessárias de avaliador, inclusive tendo sido aprovado em concurso público;
d) Por outro lado, o juízo levou em conta os estudos técnicos da perita ELIZABETE TAKEUTE, os quais ostentam efetiva imprestabilidade, já que em desacordo com normas técnicas de avaliação necessárias à espécie;
e) Não havia interesse público na dação em pagamento, mesmo que a dispensa da concorrência pública tenha respeitado os tramites legais (inclusive com aprovação de Lei Municipal autorizadora).
Requer ao final a reforma da sentença e a condenação dos réus por ato de improbidade (fls. 1.583-1.611).
Recorrem adesivamente a ré ENGEDELP, juntamente com seus sócios ODAIR DEL PINTOR e ADEMIR DEL PINTOR, querendo a condenação do Ministério Público nas verbas sucumbenciais, ante a existência de má-fé no ajuizamento de ação (fls. 1.627-1.632).
A Apelação foi contra-arrazoada (ENGEDELP, ODAIR DEL PINTOR e ADEMIR DEL PINTOR; 1.614-1.626); (SILVIO SAITO IWATA, NELSON BARBOSA, GEORGES ANIL EL KHOURY, VIVIEN DEANTONIO JORGE e ANTONIO PASCOAL LORENCETI; fls. 1.635-1.642); (ANTONIO MARIANI; fls. 1.643-1.647); (JAIRO MORAIS GIANOTO; fls. 1.648-1.680).
O Ministério Público contra-arrazoou o Adesivo, às fls. 1.682-1.688.
Subiram os autos e nesta instância a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do apelo do Ministério Público e desprovimento do Adesivo; trazendo à lume relevante informação (fl. 1.713) sobre possível confissão por parte da ENGEDELP, sociedade ré, em Cautelar, visando obtenção de Certidão Positiva com efeito de Negativa de Débitos de IPTU, no bojo da qual teria declarado, em 24/10/2002, que os terrenos em questão teriam valor de R$250,00 por metro quadrado (o que corrobora com a avaliação dada nestes autos em sede de Inquérito Civil).
Vieram os autos à conclusão.
É, em essência, o relatório.
II - FUNDAMENTAÇÃO E VOTO:
Conheço dos recursos de apelação cível e adesivo, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.
No mérito, os fundamentos da apelação do Ministério Público são relevantes a ponto de serem levados em conta, contudo, não vinga o propósito de se julgar desde logo procedente a demanda de improbidade, pois se vislumbra complexidade tamanha impossível de ser sanada em 2º Grau, na sede deste apelo.
É dizer: dos autos exsurgem dúvidas concretas quanto à avaliação técnica pericial, operada na instrução processual, relativamente aos imóveis em apreço; mas tal constatação não leva ao cabal entendimento de que se deva preferir, de pronto, a avaliação dada no Inquérito Civil, posto que sem o crivo do contraditório.
Daí porque o caso é de anular, de ofício, a sentença prolatada, determinando-se o complemento da instrução, mediante a realização de uma 2ª perícia técnica, necessariamente com outro perito nomeado (capacitado e habilitado para o mister), a fim de acomodar as discrepâncias verificadas entre os fatos aqui visitados e as provas existentes.
Isso porque não é possível aferir com certeza tenha a perícia judicial avaliado corretamente os terrenos, considerada a época da transferência entre o Município e a ENGEDELP (por dação em pagamento).
Sobreleva que tal informação, como visto, é a chave central do deslinde da demanda, pois o tema probandum é a ocorrência ou não de prejuízo ao Erário com a tal transferência, algo que fica totalmente prejudicado à míngua de um trabalho pericial confiável e que se mostre consentâneo com os elementos a mais existentes nestes autos.
Em outras palavras: Em um caso complexo como este, não parece plausível que a fundamentação do julgado, sucinta que foi (apenas duas laudas, no ponto), se baseie em apenas uma única perícia; mormente quando esta se mostra discrepante em larga medida com elementos outros colhidos em substancioso Inquérito Civil (que apesar de ser procedimento inquisitivo, desprovido de contraditório, é público, e oficial).
Nesses casos, é imperativa a determinação de uma 2ª perícia, pois a primeira mostra-se insuficiente ao tranqüilo convencimento do Magistrado (convencimento este que é livre, mas deve ser motivado por dados objetivos, os quais não parecem estar presentes nestes autos, tanto que não convencem esta relatoria).
Outro dado que chama a atenção, é a informação lançada pelo eminente Procurador de Justiça MATEUS EDUARDO SIQUEIRA NUNES BERTONCINI, no sentido de haver afirmação expressa da empresa que adquiriu os imóveis em dação (em uma Medida Cautelar tendente à liberação de Certidão Positiva com efeito de Negativa de Débitos do IPTU - fls. 1254), não muito depois dos fatos objeto da demanda, de que tais imóveis valeriam R$ 250,00 por metro quadrado, valor este que os leva à proximidade não do que apurado na instrução destes autos, mas sim do que apurado pelo Ministério Público no Inquérito Civil.
Há de se destacar ainda outros elementos que caracterizam a objetiva dúvida que remanesce quanto à avaliação judicial, muito bem destacados pelo Parquet:
Por vezes foi alegado em defesa dos réus que os valores dos imóveis ficaram baixos porque haveria dificuldade de acesso a tais, por conta das obras que se operavam na região (fator com que corroborou a pericia judicial).
Ora! Quanto a isso, frisou bem o Ministério Público que a dificuldade de acesso era meramente temporária, e acrescento, se as obras eram de melhoramento (consta que houve a construção do chamado Novo Centro e que os terrenos restaram, após a venda, muito bem avaliados), evidente que o vislumbre das melhorias estruturais da região se sobrepõem à mera dificuldade momentânea de acesso, valorizando o imóvel e não o subtraindo (Exemplo: se a minha rua não é asfaltada e estão construindo nela o asfalto, por pouco tempo terei dificuldades de acesso, mas se resolver vendê-la neste momento, em virtude do futuro melhoramento, logicamente estará desde já valorizada e não desvalorizada).
Este aspecto não foi levado em conta na perícia judicial, quando deveria sê-lo.
E isto se prova da própria conclusão da expert ao afirmar que não levou em conta os parâmetros de oferta de venda (publicidade em jornais), por considerá-los inconsistentes, dando preferência assim aos valores de escrituras públicas.
Ora! O dado de valorização futura da região, que já eleva o preço do imóvel desde o só vislumbre de crescimento do bairro, não há dúvida, jamais poderia ser previsto em dados de escritura pública, sendo estritamente necessário levar em conta os aspectos de demanda (compra e venda) atual (da época). Ao contrário, este elemento foi considerado fundamental no laudo constante do Inquérito Civil (daí, por certo, a discrepância entre os dois trabalhos técnicos).
Nesse sentido, é possível ainda verificar uma clara contradição no próprio laudo pericial da instrução, em que se afirma na mesma folha (1.327), no tópico “metodologia”, se utilizar método comparativo de mercado; já no tópico “pesquisa”, se afirma desconsiderar os dados de publicidade de compra e venda da região.
Outro aspecto, bastante contraditório e que também suscita dúvida, é o que se refere à má avaliação dos imóveis por terem formato de “tripa” (argumento amplamente utilizado em defesa dos réus).
Pois bem, consta que, apesar deste aspecto, já na época da transferência à sociedade ré, as obras de melhoramento no local previam a construção de uma grande avenida, a qual, por fim, acabou sendo construída de frente aos tais terrenos (em quatro quadras da atual Av. Horácio Racanello; hoje, uma das regiões mais valorizadas da cidade de Maringá).
Não que se afirme seja o caso dos autos (longe de fazer tal afirmação antes do deslinde da demanda), mas é comum acontecer enriquecimento de pessoas (por vezes próximas às autoridades), quando estas dispõem de informação privilegiada sobre obras futuras de melhoramento em determinadas regiões (Exemplo: O sujeito sabe que em determinado lugar será construído um parque arborizado e que lá os imóveis vão valorizar estrondosamente, ao que passa a comprar lá terrenos por preços baixos, tendo um posterior ganho de capital que decorreu apenas daquela informação privilegiada dada antes a ele com exclusividade).
Em suma, todos esses aspectos, e mais aquele levantado pelo eminente Procurador de Justiça MATEUS BERTONCINI --- no sentido de haver verdadeira confissão da ENGEDELP de que os terrenos valiam bem mais do que a dívida que foi com eles saldada (fl. 1.254) ---, levam à objetiva dúvida sobre os elementos técnicos levantados na instrução, daí porque, por serem imprescindíveis, não há como prevalecer a sentença tal como lançada, devendo ser anulada de ofício, para se determinar o complemento da instrução com uma 2ª perícia, a apontar com segurança os dados técnicos necessários a dizer se houve ou não o prejuízo ao erário público.
Nesse passo, não é demais relembrar que a liberdade conferida ao juiz para apreciar o laudo pericial vai a ponto de se lhe permitir, de ofício ou a requerimento da parte, determinar a realização de “nova perícia”, isto é, de uma “segunda perícia”; sempre que a primeira não tenha esclarecido suficientemente a matéria que constituíra seu objeto; ou ainda, quando nula ou eivada de vícios incorrigíveis ou insuperáveis.
Tal está disposto no art. 437 do CPC:
“O juiz poderá determinar de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida”.
Veja-se que a determinação da 2ª perícia poderá dar-se antes ou no curso da audiência de instrução e julgamento, mesmo depois dos esclarecimentos do perito e dos assistentes técnicos; e evidentemente que a sua não imposição pelo Juiz de Primeiro Grau, sendo claros os elementos para tanto, gera vício insanável na sentença, pois resulta esta carente de fundamentação objetiva; ao que surge ao Tribunal o poder de determinar aquela prova omitida e indispensável à solução da lide, pois a matéria de fato é devolvida à Corte por efeito do recurso.
Ainda de se acrescer que a 2ª perícia deve reger-se “pelas disposições estabelecidas para a primeira” (CPC, art. 439), ostentando o mesmo objeto, conforme determina o artigo 438 do CPC: “A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre que recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu”.
No entanto, nada impede que se determine na 2ª perícia a aferição de aspectos deixados de lado pela primeira, ao livre talante do magistrado ou do Tribunal, pois isto decorre do Poder Geral de Prova conferido ao Juiz Cível, consoante se retira do artigo 130 do CPC, verdadeiro aval legal ao ativismo judicial e à máxima efetividade do Processo: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”.
Trata-se de conclusão amplamente aceita pela Jurisprudência, cabendo apenas citar o seguinte precedente, por esclarecedor, no sentido externado:
(...) Neste sentido, cite-se lição de Nelson Nery: “Não adstrição do juiz ao laudo pericial. O juiz não fica vinculado aos fundamentos e à conclusão a que chegou o perito no laudo, tampouco às opiniões dos assistentes técnicos das partes. Pode até utilizar-se de seu convencimento privado, mas em qualquer caso deve fundamentar o porquê do acolhimento ou não do laudo, das críticas dos assistentes técnicos ou do parecer técnico-científico de jurista ou de outro especialista”. (Código de Processo Civil Comentado - 10ª edição - RT - art. 436 - página 655) A título de argumento obiter dictum, a pretensão de argüição da violação do artigo 437 do CPC visa revolver o conjunto fático-probatório devidamente analisado pela instância a quo, como se extrai das razões postas nos Embargos de Declaração: “Art. 437. O juiz poderá determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida. A norma institui um poder ao juiz para que ele determine a realização de nova perícia quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida. Ocorre que, no caso, o juiz sentiu-se suficientemente esclarecido. Tanto isso é verdade que a sentença deu pela procedência do pedido com fundamento na prova pericial: a reversão desse provimento não afeta a higidez da prova técnica mencionada.
Seja como for, cumpre também ser referido o art. 438 do Código de Processo Civil: Art. 438. A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre que recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu. (...) (STJ,EDcl no REsp 930.970/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, j. 24/03/2009, DJe 23/04/2009)
Por fim, o recente REsp, pertinente que é a este caso, em que o STJ, por acórdão de lavra da Ex-Desembargadora desta Corte, Min. DENISE ARRUDA, impôs nulidade ao acórdão regional que não determinou a descida dos autos à nova perícia, adotando trabalho técnico não produzido em juízo, verbis:
ADMINISTRATIVO. RECURSOS ESPECIAIS. DESAPROPRIAÇÃO DIRETA POR UTILIDADE PÚBLICA. ADOÇÃO DE LAUDO BASEADO NA MERA POSSIBILIDADE DE IMPLANTAÇÃO DE LOTEAMENTO NO IMÓVEL EXPROPRIADO. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. (...) Recursos especiais providos, com a conseqüente anulação do acórdão recorrido, em razão da adoção de laudo pericial - apresentado por assistente técnico - dissonante da realidade do imóvel expropriado. Por ocasião do novo julgamento, a Corte de origem, acaso considere que o valor descrito no laudo oficial também não representa a justa indenização devida em decorrência da presente desapropriação, deverá determinar a realização de nova perícia. (REsp 986.470/RN, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/05/2008, DJe 30/06/2008).
É o suficiente, portanto, para dizer que é nula a sentença recorrida, pois sua fundamentação se baseia em laudo pericial não confiável, contraditório com outros elementos constantes dos autos, sendo o caso de dar continuidade à instrução, determinando-se a produção de Nova Perícia Judicial, nomeando-se novo perito, frise-se.
ISTO POSTO, voto no sentido de: DE OFÍCIO, DECLARAR NULA A SENTENÇA, determinando-se a continuidade da instrução com a produção de “nova perícia”, a fim de apurar os elementos técnicos imprescindíveis à conclusão de existência ou não de prejuízo ao erário, consoante fundamentação supra, RESTANDO PREJUDICADOS O APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E O RECURSO ADESIVO.
É COMO VOTO.
III - O DISPOSITIVO:
ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em DE OFÍCIO, DECLARAR NULA A SENTENÇA, PREJUDICADOS O APELO E O RECURSO ADESIVO, nos termos da fundamentação.
Presidiu o julgamento o Senhor Desembargador ROSENE ARÃO DE CRISTO PEREIRA (com voto). Votaram com o relator o Senhor Desembargador Presidente e o Senhor Desembargador LEONEL CUNHA.
Curitiba, 04 de agosto de 2009.
ROGÉRIO RIBAS - Relator
Juiz de Direito Substituto de 2º Grau
1 Em substituição ao CARGO VAGO que pertencia ao Desembargador LOPES DE NORONHA
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
APELADOS: JAIRO MORAIS GIANOTO, ANTONIO MARIANI, ANTONIO PASCOAL LORENCETI, VIVIEN DEANTONIO JORGE, GEORGES ANIL EL KHOURY, SILVIO SAITO IWATA, NELSON BARBOSA, ENGEDELP CONTRUÇÕES CIVIS E INCORPORAÇÕES LTDA., ADEMIR DEL PINTOR e ODAIR DEL PINTOR.
REC. ADESIVO: ENGEDELP CONTRUÇÕES CIVIS E INCORPORAÇÕES LTDA., ADEMIR DEL PINTOR e ODAIR DEL PINTOR.
RELATOR: Juiz ROGÉRIO RIBAS, Subst. de 2º Grau.(1)
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE, DECORRENTE ESTE DE ONERAÇÃO INDEVIDA DE IMÓVEIS MUNICIPAIS EM PREJUÍZO AO ERÁRIO PÚBLICO. DAÇÃO EM PAGAMENTO DE TERRENOS À SOCIEDADE EMPRESÁRIA PRIVADA, COM SUBAVALIAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS. DEMANDA BASEADA EM TRABALHO TÉCNICO PRODUZIDO EM INQUÉRITO CIVIL. LAUDO PERICIAL DA INSTRUÇÃO QUE NÃO APUROU O ALEGADO PREJUÍZO. DÚVIDA OBJETIVA QUANTO AO ACERTO DO TRABALHO TÉCNICO DO EXPERT. CONFIANÇA AFETADA POR ELEMENTOS OUTROS DOS AUTOS. AUSÊNCIA, PORTANTO, DE FUNDAMENTAÇÃO OBJETIVA SUFICIENTE A AFASTAR A IMPROBIDADE. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE NOVA PERÍCIA EM PRIMEIRO GRAU. POSSIBILIDADE E IMPOSIÇÃO EM FACE DOS ELEMENTOS CONCRETOS DOS AUTOS. CASSAÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. CONTINUIDADE DA INSTRUÇÃO NECESSÁRIA, COM A PRODUÇÃO DE NOVA PERÍCIA OFICIAL. SENTENÇA DECLARADA NULA. PREJUDICADOS O APELO E O RECURSO ADESIVO.
Diante de Sentença fundada em perícia que não pareça esclarecer suficientemente a matéria técnica envolvida na demanda (inconfiançabilidade), incumbe ao Tribunal, consoante o Poder Geral de Prova e o Efeito Devolutivo Recursal, determinar a produção de Nova Perícia, se não o fez o juízo “a quo”, decretando para tanto a nulidade de Sentença e continuidade da instrução.
I - O RELATÓRIO:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos.
Trata-se AÇÃO CIVIL PÚBLICA por ato de Improbidade - sob nº 697/2001 - ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Paraná em face dos mencionados apelados, por meio da qual o Parquet Estadual imputou aos réus a participação em ato improbo consistente em causar prejuízo ao Erário (art. 10 da Lei 8.429/92).
Afirma o Órgão Ministerial, com base em dados colhidos no Inquérito Civil n. 24/2000, que houve subfaturamento de imóveis objeto de dação em pagamento feita pelo Município de Maringá, na gestão do Ex-alcaide JAIRO MORAIS GIANOTO, em benefício da Sociedade Empresária ENGEDELP CONTRUÇÕES CIVIS E INCORPORAÇÕES LTDA..
Aduz que os terrenos objeto da dação (Matrículas 59.692 e 59.693, do 1º Ofício de Maringá, respectivamente com 2.855,78 e 3.196,53 m2) foram incorporados ao patrimônio do Município, por meio também de dação em pagamento, quando da redução do capital social da Sociedade de Economia Mista URBAMAR (Urbanização de Maringá S/A); posto que o Município figura como sócio majoritário da Companhia, possuindo a maioria das ações ordinárias.
Informa, nesse sentido, que a operação de redução de capital, transferindo os referidos bens imóveis ao Município, se deu pelo valor global de R$ 2.863.105,76, valor este apurado na data de 16.08.1999.
No bojo do Inquérito Civil, requisitou então o Ministério Público avaliações dos mesmos referidos imóveis, no escopo de aferir se à época da transferência à ENGEDELP foi respeitado o valor efetivo dos terrenos; ao que, sobretudo com base na avaliação do Sr. MARCELINO MARTINS FERNANDES, Servidor Público Avaliador Oficial, constatou-se que o valor dos imóveis à época era na verdade de R$ 1.452.554,40 (conforme dados técnicos e demando do mercado de imóveis).
Nesse sentido, tendo a transferência à ENGEDELP se dado em 17.12.1999, pelo valor global de apenas R$ 939.881,80, entendeu o Ministério Público ter havido um subfaturamento, consistente em prejuízo do Erário Público de pelo menos R$ 512.742,60.
O órgão ministerial ajuizou, então, a demanda, trazendo os fatos apurados no Inquérito Civil e requerendo a condenação dos réus: JAIRO MORAIS GIANOTO, Prefeito à época e ordenador das operações; ANTONIO MARIANI, ANTONIO PASCOAL LORENCETI, VIVIEN DEANTONIO JORGE, GEORGES ANIL EL KHOURY, SILVIO SAITO IWATA, NELSON BARBOSA; membros designados pela Administração Municipal para compor a Comissão Avaliadora dos Imóveis (cuja avaliação fundamentou o Processo Administrativo que culminou na aprovação da Lei Municipal de transferência dos imóveis à ENGEDELP); e, for fim, dos réus ENGEDELP CONTRUÇÕES CIVIS E INCORPORAÇÕES LTDA., ADEMIR DEL PINTOR e ODAIR DEL PINTOR, particulares beneficiados com a transferência dos terrenos em questão.
Na instrução, seguindo o rito da Lei de Ação Civil Pública, produziu-se prova pericial a fim de avaliar os imóveis à época de sua transferência è empresa ré. Para tanto, a Perita Judicial nomeada foi a Srª ELIZABETE TAKEUTE, a qual, por meio de trabalho técnico, chegou a uma avaliação de R$ 936.527,00, menor, portanto, que o valor pelo qual os terrenos foram onerados pelo Município em benefício da sociedade ré.
Em sentença, face aos elementos deste último laudo, o eminente Juiz MÁRIO SETO TAKEGUMA julgou improcedente a Ação Civil Pública, tendo em vista dois fundamentos em suma:
a) A operação de aquisição a maior (quando da diminuição do Capital Social da Sociedade de Economia Mista URBAMAR) se deu por valores não condizentes com os de Mercado; pois se efetivou apenas como meio de ajuste contábil, não havendo, portanto, qualquer desembolso do ente público para a aquisição dos tais imóveis, por isso não haveria prejuízo na venda posterior, mesmo que por valor menor;
b) A perícia oficial deu conta de que o valor da transferência dos terrenos à sociedade empresária ré se deu em acordo com o valor de mercado dos imóveis, não havendo, portanto, prejuízo ao erário.
Deixou, por fim, de condenar o Ministério Público na sucumbência, pois não teria havido má-fé na interposição da ação (fls. 1.572-1.576).
Inconformado, o Ministério Público apela a esta Corte Estadual, pugnando pela revisão e reforma da sentença, aduzindo em suma:
a) O primeiro fundamento dado pelo juízo “a quo” é incabível, pois admite que o Município tenha contabilizado como entrada valores irreais quanto aos imóveis em questão; isto equivale a admitir que o Município agiu com fraude apenas para acomodar cálculos contábeis, o que é grave;
b) O ato de transferência inicial da URBAMAR para o Município goza de presunção de veracidade, logo deve ser considerado como escorreito e não irreal como afirmou sua excelência;
c) Sua excelência, sem qualquer fundamento, repudiou o trabalho técnico lançado no Inquérito Civil, afirmando que o profissional MARCELINO MARTINS FERNANDES, que é Servidor Público Avaliador Oficial, não teria competência técnica para tanto; algo que não se pode admitir, posto que o profissional ostenta as qualidades necessárias de avaliador, inclusive tendo sido aprovado em concurso público;
d) Por outro lado, o juízo levou em conta os estudos técnicos da perita ELIZABETE TAKEUTE, os quais ostentam efetiva imprestabilidade, já que em desacordo com normas técnicas de avaliação necessárias à espécie;
e) Não havia interesse público na dação em pagamento, mesmo que a dispensa da concorrência pública tenha respeitado os tramites legais (inclusive com aprovação de Lei Municipal autorizadora).
Requer ao final a reforma da sentença e a condenação dos réus por ato de improbidade (fls. 1.583-1.611).
Recorrem adesivamente a ré ENGEDELP, juntamente com seus sócios ODAIR DEL PINTOR e ADEMIR DEL PINTOR, querendo a condenação do Ministério Público nas verbas sucumbenciais, ante a existência de má-fé no ajuizamento de ação (fls. 1.627-1.632).
A Apelação foi contra-arrazoada (ENGEDELP, ODAIR DEL PINTOR e ADEMIR DEL PINTOR; 1.614-1.626); (SILVIO SAITO IWATA, NELSON BARBOSA, GEORGES ANIL EL KHOURY, VIVIEN DEANTONIO JORGE e ANTONIO PASCOAL LORENCETI; fls. 1.635-1.642); (ANTONIO MARIANI; fls. 1.643-1.647); (JAIRO MORAIS GIANOTO; fls. 1.648-1.680).
O Ministério Público contra-arrazoou o Adesivo, às fls. 1.682-1.688.
Subiram os autos e nesta instância a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do apelo do Ministério Público e desprovimento do Adesivo; trazendo à lume relevante informação (fl. 1.713) sobre possível confissão por parte da ENGEDELP, sociedade ré, em Cautelar, visando obtenção de Certidão Positiva com efeito de Negativa de Débitos de IPTU, no bojo da qual teria declarado, em 24/10/2002, que os terrenos em questão teriam valor de R$250,00 por metro quadrado (o que corrobora com a avaliação dada nestes autos em sede de Inquérito Civil).
Vieram os autos à conclusão.
É, em essência, o relatório.
II - FUNDAMENTAÇÃO E VOTO:
Conheço dos recursos de apelação cível e adesivo, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.
No mérito, os fundamentos da apelação do Ministério Público são relevantes a ponto de serem levados em conta, contudo, não vinga o propósito de se julgar desde logo procedente a demanda de improbidade, pois se vislumbra complexidade tamanha impossível de ser sanada em 2º Grau, na sede deste apelo.
É dizer: dos autos exsurgem dúvidas concretas quanto à avaliação técnica pericial, operada na instrução processual, relativamente aos imóveis em apreço; mas tal constatação não leva ao cabal entendimento de que se deva preferir, de pronto, a avaliação dada no Inquérito Civil, posto que sem o crivo do contraditório.
Daí porque o caso é de anular, de ofício, a sentença prolatada, determinando-se o complemento da instrução, mediante a realização de uma 2ª perícia técnica, necessariamente com outro perito nomeado (capacitado e habilitado para o mister), a fim de acomodar as discrepâncias verificadas entre os fatos aqui visitados e as provas existentes.
Isso porque não é possível aferir com certeza tenha a perícia judicial avaliado corretamente os terrenos, considerada a época da transferência entre o Município e a ENGEDELP (por dação em pagamento).
Sobreleva que tal informação, como visto, é a chave central do deslinde da demanda, pois o tema probandum é a ocorrência ou não de prejuízo ao Erário com a tal transferência, algo que fica totalmente prejudicado à míngua de um trabalho pericial confiável e que se mostre consentâneo com os elementos a mais existentes nestes autos.
Em outras palavras: Em um caso complexo como este, não parece plausível que a fundamentação do julgado, sucinta que foi (apenas duas laudas, no ponto), se baseie em apenas uma única perícia; mormente quando esta se mostra discrepante em larga medida com elementos outros colhidos em substancioso Inquérito Civil (que apesar de ser procedimento inquisitivo, desprovido de contraditório, é público, e oficial).
Nesses casos, é imperativa a determinação de uma 2ª perícia, pois a primeira mostra-se insuficiente ao tranqüilo convencimento do Magistrado (convencimento este que é livre, mas deve ser motivado por dados objetivos, os quais não parecem estar presentes nestes autos, tanto que não convencem esta relatoria).
Outro dado que chama a atenção, é a informação lançada pelo eminente Procurador de Justiça MATEUS EDUARDO SIQUEIRA NUNES BERTONCINI, no sentido de haver afirmação expressa da empresa que adquiriu os imóveis em dação (em uma Medida Cautelar tendente à liberação de Certidão Positiva com efeito de Negativa de Débitos do IPTU - fls. 1254), não muito depois dos fatos objeto da demanda, de que tais imóveis valeriam R$ 250,00 por metro quadrado, valor este que os leva à proximidade não do que apurado na instrução destes autos, mas sim do que apurado pelo Ministério Público no Inquérito Civil.
Há de se destacar ainda outros elementos que caracterizam a objetiva dúvida que remanesce quanto à avaliação judicial, muito bem destacados pelo Parquet:
Por vezes foi alegado em defesa dos réus que os valores dos imóveis ficaram baixos porque haveria dificuldade de acesso a tais, por conta das obras que se operavam na região (fator com que corroborou a pericia judicial).
Ora! Quanto a isso, frisou bem o Ministério Público que a dificuldade de acesso era meramente temporária, e acrescento, se as obras eram de melhoramento (consta que houve a construção do chamado Novo Centro e que os terrenos restaram, após a venda, muito bem avaliados), evidente que o vislumbre das melhorias estruturais da região se sobrepõem à mera dificuldade momentânea de acesso, valorizando o imóvel e não o subtraindo (Exemplo: se a minha rua não é asfaltada e estão construindo nela o asfalto, por pouco tempo terei dificuldades de acesso, mas se resolver vendê-la neste momento, em virtude do futuro melhoramento, logicamente estará desde já valorizada e não desvalorizada).
Este aspecto não foi levado em conta na perícia judicial, quando deveria sê-lo.
E isto se prova da própria conclusão da expert ao afirmar que não levou em conta os parâmetros de oferta de venda (publicidade em jornais), por considerá-los inconsistentes, dando preferência assim aos valores de escrituras públicas.
Ora! O dado de valorização futura da região, que já eleva o preço do imóvel desde o só vislumbre de crescimento do bairro, não há dúvida, jamais poderia ser previsto em dados de escritura pública, sendo estritamente necessário levar em conta os aspectos de demanda (compra e venda) atual (da época). Ao contrário, este elemento foi considerado fundamental no laudo constante do Inquérito Civil (daí, por certo, a discrepância entre os dois trabalhos técnicos).
Nesse sentido, é possível ainda verificar uma clara contradição no próprio laudo pericial da instrução, em que se afirma na mesma folha (1.327), no tópico “metodologia”, se utilizar método comparativo de mercado; já no tópico “pesquisa”, se afirma desconsiderar os dados de publicidade de compra e venda da região.
Outro aspecto, bastante contraditório e que também suscita dúvida, é o que se refere à má avaliação dos imóveis por terem formato de “tripa” (argumento amplamente utilizado em defesa dos réus).
Pois bem, consta que, apesar deste aspecto, já na época da transferência à sociedade ré, as obras de melhoramento no local previam a construção de uma grande avenida, a qual, por fim, acabou sendo construída de frente aos tais terrenos (em quatro quadras da atual Av. Horácio Racanello; hoje, uma das regiões mais valorizadas da cidade de Maringá).
Não que se afirme seja o caso dos autos (longe de fazer tal afirmação antes do deslinde da demanda), mas é comum acontecer enriquecimento de pessoas (por vezes próximas às autoridades), quando estas dispõem de informação privilegiada sobre obras futuras de melhoramento em determinadas regiões (Exemplo: O sujeito sabe que em determinado lugar será construído um parque arborizado e que lá os imóveis vão valorizar estrondosamente, ao que passa a comprar lá terrenos por preços baixos, tendo um posterior ganho de capital que decorreu apenas daquela informação privilegiada dada antes a ele com exclusividade).
Em suma, todos esses aspectos, e mais aquele levantado pelo eminente Procurador de Justiça MATEUS BERTONCINI --- no sentido de haver verdadeira confissão da ENGEDELP de que os terrenos valiam bem mais do que a dívida que foi com eles saldada (fl. 1.254) ---, levam à objetiva dúvida sobre os elementos técnicos levantados na instrução, daí porque, por serem imprescindíveis, não há como prevalecer a sentença tal como lançada, devendo ser anulada de ofício, para se determinar o complemento da instrução com uma 2ª perícia, a apontar com segurança os dados técnicos necessários a dizer se houve ou não o prejuízo ao erário público.
Nesse passo, não é demais relembrar que a liberdade conferida ao juiz para apreciar o laudo pericial vai a ponto de se lhe permitir, de ofício ou a requerimento da parte, determinar a realização de “nova perícia”, isto é, de uma “segunda perícia”; sempre que a primeira não tenha esclarecido suficientemente a matéria que constituíra seu objeto; ou ainda, quando nula ou eivada de vícios incorrigíveis ou insuperáveis.
Tal está disposto no art. 437 do CPC:
“O juiz poderá determinar de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida”.
Veja-se que a determinação da 2ª perícia poderá dar-se antes ou no curso da audiência de instrução e julgamento, mesmo depois dos esclarecimentos do perito e dos assistentes técnicos; e evidentemente que a sua não imposição pelo Juiz de Primeiro Grau, sendo claros os elementos para tanto, gera vício insanável na sentença, pois resulta esta carente de fundamentação objetiva; ao que surge ao Tribunal o poder de determinar aquela prova omitida e indispensável à solução da lide, pois a matéria de fato é devolvida à Corte por efeito do recurso.
Ainda de se acrescer que a 2ª perícia deve reger-se “pelas disposições estabelecidas para a primeira” (CPC, art. 439), ostentando o mesmo objeto, conforme determina o artigo 438 do CPC: “A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre que recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu”.
No entanto, nada impede que se determine na 2ª perícia a aferição de aspectos deixados de lado pela primeira, ao livre talante do magistrado ou do Tribunal, pois isto decorre do Poder Geral de Prova conferido ao Juiz Cível, consoante se retira do artigo 130 do CPC, verdadeiro aval legal ao ativismo judicial e à máxima efetividade do Processo: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”.
Trata-se de conclusão amplamente aceita pela Jurisprudência, cabendo apenas citar o seguinte precedente, por esclarecedor, no sentido externado:
(...) Neste sentido, cite-se lição de Nelson Nery: “Não adstrição do juiz ao laudo pericial. O juiz não fica vinculado aos fundamentos e à conclusão a que chegou o perito no laudo, tampouco às opiniões dos assistentes técnicos das partes. Pode até utilizar-se de seu convencimento privado, mas em qualquer caso deve fundamentar o porquê do acolhimento ou não do laudo, das críticas dos assistentes técnicos ou do parecer técnico-científico de jurista ou de outro especialista”. (Código de Processo Civil Comentado - 10ª edição - RT - art. 436 - página 655) A título de argumento obiter dictum, a pretensão de argüição da violação do artigo 437 do CPC visa revolver o conjunto fático-probatório devidamente analisado pela instância a quo, como se extrai das razões postas nos Embargos de Declaração: “Art. 437. O juiz poderá determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida. A norma institui um poder ao juiz para que ele determine a realização de nova perícia quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida. Ocorre que, no caso, o juiz sentiu-se suficientemente esclarecido. Tanto isso é verdade que a sentença deu pela procedência do pedido com fundamento na prova pericial: a reversão desse provimento não afeta a higidez da prova técnica mencionada.
Seja como for, cumpre também ser referido o art. 438 do Código de Processo Civil: Art. 438. A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre que recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu. (...) (STJ,EDcl no REsp 930.970/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, j. 24/03/2009, DJe 23/04/2009)
Por fim, o recente REsp, pertinente que é a este caso, em que o STJ, por acórdão de lavra da Ex-Desembargadora desta Corte, Min. DENISE ARRUDA, impôs nulidade ao acórdão regional que não determinou a descida dos autos à nova perícia, adotando trabalho técnico não produzido em juízo, verbis:
ADMINISTRATIVO. RECURSOS ESPECIAIS. DESAPROPRIAÇÃO DIRETA POR UTILIDADE PÚBLICA. ADOÇÃO DE LAUDO BASEADO NA MERA POSSIBILIDADE DE IMPLANTAÇÃO DE LOTEAMENTO NO IMÓVEL EXPROPRIADO. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. (...) Recursos especiais providos, com a conseqüente anulação do acórdão recorrido, em razão da adoção de laudo pericial - apresentado por assistente técnico - dissonante da realidade do imóvel expropriado. Por ocasião do novo julgamento, a Corte de origem, acaso considere que o valor descrito no laudo oficial também não representa a justa indenização devida em decorrência da presente desapropriação, deverá determinar a realização de nova perícia. (REsp 986.470/RN, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/05/2008, DJe 30/06/2008).
É o suficiente, portanto, para dizer que é nula a sentença recorrida, pois sua fundamentação se baseia em laudo pericial não confiável, contraditório com outros elementos constantes dos autos, sendo o caso de dar continuidade à instrução, determinando-se a produção de Nova Perícia Judicial, nomeando-se novo perito, frise-se.
ISTO POSTO, voto no sentido de: DE OFÍCIO, DECLARAR NULA A SENTENÇA, determinando-se a continuidade da instrução com a produção de “nova perícia”, a fim de apurar os elementos técnicos imprescindíveis à conclusão de existência ou não de prejuízo ao erário, consoante fundamentação supra, RESTANDO PREJUDICADOS O APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E O RECURSO ADESIVO.
É COMO VOTO.
III - O DISPOSITIVO:
ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em DE OFÍCIO, DECLARAR NULA A SENTENÇA, PREJUDICADOS O APELO E O RECURSO ADESIVO, nos termos da fundamentação.
Presidiu o julgamento o Senhor Desembargador ROSENE ARÃO DE CRISTO PEREIRA (com voto). Votaram com o relator o Senhor Desembargador Presidente e o Senhor Desembargador LEONEL CUNHA.
Curitiba, 04 de agosto de 2009.
ROGÉRIO RIBAS - Relator
Juiz de Direito Substituto de 2º Grau
1 Em substituição ao CARGO VAGO que pertencia ao Desembargador LOPES DE NORONHA
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