29.9.09

Acórdão - TCE

ACÓRDÃO nº 876/09 – Pleno
PROCESSO N.°: 56169/05
ENTIDADE: JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MARINGÁ
INTERESSADO: JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MARINGÁ
JOÃO IVO CALEFFI
VALDÉCIO DE SOUZA BARBOSA
CAIXA DE ASSISTÊNCIA, APOSENTADORIA E PENSÃO DOS SERVIDORES
MUNICIPAIS DE MARINGÁ
ASSUNTO: REPRESENTAÇÃO
RELATOR: CONS. CAIO MÁRCIO NOGUEIRA SOARES
ADVOGADO(S): ALAÉRCIO CARDOSO – OAB/PR N° 12.181
LUÍS PLÍNIO TELES – OAB/PR N° 9.212
PAULO EDSON FRANCO – OAB/PR N° 29.676
VICENTE DE PAULO RUSSO – OAB/PR N° 12.746
EMENTA: REPRESENTAÇÃO. FALTA DE REPASSE PELO SERVIÇO AUTÁRQUICO
DE OBRAS PÚBLICAS DE MARINGÁ E PELA PREFEITURA, DAS VERBAS
ATINENTES AO FUNDO DE SAÚDE E AO FUNDO DE PREVIDÊNCIA MUNICIPAL À
CAPSEMA – CAIXA DE ASSISTÊNCIA, APOSENTADORIA E PENSÃO DOS
SERVIDORES MUNICIPAIS DE MARINGÁ, RELATIVAS AOS MESES DE SETEMBRO
E OUTUBRO DE 2004. EXISTÊNCIA DE LEI MUNICIPAL QUE PREVÊ O REPASSE
VINCULADO E A INCIDÊNCIA DE MULTAS SOBRE OS VALORES REPASSADOS
INTEMPESTIVAMENTE. O ATRASO NO REPASSE DAS VERBAS OCORREU, TENDO
ENSEJADO A CELEBRAÇÃO DE TERMOS DE PARCELAMENTO DE DÉBITOS
PREVIDENCIÁRIOS ENTRE AS PARTES, NOS QUAIS INCIDIRAM VALORES
ATINENTES A MULTAS DECORRENTES DO ATRASO NO PAGAMENTO.
INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE IMPUTAR-SE AOS
REPRESENTADOS A RESPONSABILIZAÇÃO POR REPASSES QUE SÃO DE
RESPONSABILIDADE INSTITUCIONAL DOS DOIS ÓRGÃOS. AUSÊNCIA DE MÁ-
FÉ: 1. OS REPASSES NÃO FORAM EFETIVADOS DIANTE DE DIFICULDADES
FINANCEIRAS NO EXERCÍCIO DE 2004, DESEQUILÍBRIOS FINANCEIROS QUE NÃO
PODEM SER IMPUTADOS A ELES. 2. A MUNICIPALIDADE TENTOU, EM NOVEMBRO
DE 2004, SANAR AS DÍVIDAS, O QUE FOI REJEITADO PELA CAPSEMA. 3. NÃO HÁ
PROVA DE QUE TENHA OCORRIDO DESVIO DE FINALIDADE PÚBLICA NO CASO
EM COMENTO. 4. O REPASSE DAS VERBAS À CAPSEMA VINHA SIDO FEITO
REGULARMENTE ATÉ O MÊS DE SETEMBRO DE 2004. IMPROCEDÊNCIA.
Vistos, relatados e discutidos estes autos
RELATÓRIO
Trata-se de representação oriunda do Juízo de Direito da Segunda Vara Cível da Comarca de
Maringá, neste ato representado pelo Sr. Luiz Affonso Franzoni Filho, escrivão titular, e
pelas Sras. Claudia Helena S. Franzoni e Silvia Soares da Fonseca, “emp. Juramentadas”,
que encaminham cópia da exordial da Ação Civil Pública n° 001029/2004, proposta pelo
Ministério Público do Estado do Paraná em face dos Srs. João Ivo Caleffi, ex-prefeito
municipal de Maringá (gestão 23/09/2003 à 31/12/2004), e Valdécio de Souza Barbosa, expresidente
do Serviço Autárquico de Obras Públicas de Maringá (exercício de 2004).
Na supracitada peça inicial, o parquet relatou que em 24 de novembro de 2004, o Corregedor
da Câmara Municipal de Maringá encaminhou à Promotoria de Justiça e Defesa do Patrimônio
Público da municipalidade a notícia de que o Município de Maringá e o Serviço Autárquico
de Obras Públicas (SAOP) mantinham pendências em favor da Capsema – Caixa de
Assistência, Aposentadoria e Pensão dos Servidores Municipais de Maringá, cujos valores
foram descontados dos servidores em folha de pagamento referente ao Fundo de Saúde e ao
Fundo de Previdência Municipal. Constatou-se que tal pendência se referiria aos meses de
setembro e outubro de 2004.
Os valores relativos às dívidas correspondentes aos dois meses citados seriam: a) R$
1.286.746,35 devidos pelo município, relativos ao fundo previdenciário; b) R$ 317.114,91
devidos pelo SAOP, atinentes ao fundo previdenciário; c) R$ 1.014.826,28 devidos pelo
município, concernentes ao fundo de saúde; d) R$ 257.748,06 devidos pelo SAOP, relativos
ao fundo de saúde.
Relata o parquet, ainda, que o então Secretário Municipal de Planejamento – José Augusto
Zaniratti reconheceu os valores devidos pelo município. Noticiou que a Capsema logrou
êxito no pagamento parcial das dívidas, restando um montante de R$ 1.246.488,72 devidos
pelo Município de Maringá e R$ 324.460,86 devidos pelo SAOP.
Tais valores seriam devidos por força do Artigo 14, II, da Lei Complementar n° 386/2001 e
do Art. 56, II, da Lei Complementar n° 359/2000. Tais dispositivos determinam que os órgãos
da municipalidade devem recolher mensalmente ao Fundo de Previdência o percentual de
14 %, calculado sobre os vencimentos e o adicional de tempo de serviço, e 8% para o Fundo
de Saúde, com base em todas as verbas remuneratórias. Ainda, o Art. 57 da Lei Complementar
n° 359/2000, dispõe que os percentuais acima devem ser calculados sobre a folha de
pagamento e repassados pela municipalidade e pelo SAOP na mesma data da efetivação do
pagamento dos servidores.
Por sua vez, o Art. 59 da Lei Complementar 359/2000 e Art. 16 da Lei Complementar 386/
2001 disporiam sobre a incidência de correção monetária e multa de 10% (dez por cento)
sobre os valores em atraso devidos pelos órgãos da Administração Pública.
Diante dos valores devidos, a Capsema ingressou com duas ações de cobrança, uma contra o
Município de Maringá (no valor de R$ 1.248.404,69), em trâmite na 6ª Vara Cível da Comarca
de Maringá, e outra contra o SAOP (no montante de R$ 324.252,00), em trâmite na 5ª Vara
Cível da mesma comarca.
Relata o órgão ministerial, também, que os réus agiram dolosamente não perpetrando os
descontos, e que as importâncias relativas aos 8% dos vencimentos dos servidores municipais
foram recolhidas mensalmente, sem o repasse dos valores ao Fundo de Previdência Municipal
na época devida, utilizando-se desse percentual de maneira indevida.
Assim, concluiu o parquet na exordial, às fls. 37 do presente feito, que:
“Assim os réus João Ivo Caleffi e Valdécio de Souza Barbosa, por si e nas qualidades de
primeiro mandatário de Maringá e de Presidente do Serviço Autárquico de Obras Públicas
(SAOP), cometeram ato de improbidade administrativa, na medida em que atentaram contra
os princípios da Administração Pública, eis que por omissão violaram os deveres de
honestidade (ou seja, recolhendo a importância de 8% dos vencimentos dos funcionários
municipais não destinando ao Fundo de Previdência Municipal), imparcialidade (dando
destino outros aos valores recolhidos já que outra rubrica orçamentária não seria possível),
legalidade (ou seja, violando as disposições das Leis Complementares n°s 359/2001, 386/
2001 e 513/2003 e que determinam o recolhimento mensal das importâncias de contribuições
ao referido Fundo) e lealdade a instituição Município de Maringá (ou seja, induzindo o
Município e o Saop, respectivamente, a serem responsabilizados judicialmente, como ora
ocorre, inclusive ao pagamento de uma multa de 10% sobre os valores devidos pelo suas
omissões).
Vale dizer, os réus fizeram com que os respectivos órgãos municipais fossem compelidos
a desembolsarem uma importância de aproximadamente R$ 157.265,66 (cento e cinqüenta
sete mil, duzentos e sessenta e cinco reais e sessenta e seis centavos) a título de multa em
face das condutas omissas de não repassarem os valores no tempo e na forma devida ao
órgão previdenciário municipal (Capsema)”. (sem grifos no original)
Por fim, expõe o parquet que as condutas praticadas pelos integrantes do pólo passivo da
demanda configuram ato de improbidade administrativa e crime de responsabilidade,
submetendo-os às sanções previstas na Lei 8.429 de 1992. Além disso, a conduta do Sr. João
Ivo Caleffi configuraria crime de responsabilidade, sujeitando-o às sanções previstas no
Decreto n° 201/67.
Recebida a presente denúncia, através do Despacho n° 163/05 -GCG (fls. 63), oficiou-se aos
Srs. João Ivo Caleffi e Valdécio de Souza Barbosa, partes representadas neste expediente,
para que exercessem as prerrogativas constitucionais do contraditório e da ampla defesa
nestes autos.
Em sede de defesa, aduziram os representados que atuaram de modo probo na gestão do
dinheiro público de Maringá, e que as receitas municipais são inconstantes, tendo o gestor
que, muitas vezes, eleger prioridades para efetuar pagamentos, sobretudo no final do ano,
ainda mais em ano eleitoral, como é o caso dos meses de setembro e outubro de 2004.
Nestes meses, segundo informações prestadas pelo Secretário da Fazenda, teria sido necessário
atrasar o pagamento à Capsema para que fosse possível efetuar pagamentos aos servidores
municipais. Alegou, ainda, que tal prática de atraso é recorrente na municipalidade, tendo
sido verificada em gestões anteriores.
Narraram, ainda, que teriam sido pagos à Capsema cerca de R$ 1.784.712,19, relativos ao
Fundo Municipal de Previdência e R$ 1.035.509,52 relativos ao Fundo de Assistência à
Saúde nos supracitados meses de 2004, motivo pelo qual aduzem os representados que a
importância paga fora da época própria fora mínima. Além disso, segundo relatam os
representados, a totalidade da parte descontadas dos vencimentos dos servidores foi repassada
ao Fundo Municipal de Previdência, sendo que somente a menor parcela fora repassada com
atraso, tendo este ocorrido em relação ao mês de outubro. Aduziram, ainda, que os valores
repassados à Capsema são maiores do que os alegados na fls. 30 da inicial pelo Ministério
Público. Concluir-se-ia destes fatos que os representados não agiram de má-fé, vez que o
atraso decorreu da falta de recursos para o pagamento.
Relataram, ainda, que não teria ocorrido desvio de dinheiro público, já que os valores não
foram utilizados para outras finalidades. Inclusive, o atraso no pagamento teria ocorrido em
apenas dois meses, tendo se honrado os repasses à autarquia Capsema durante todo o mandato
dos representados. Aduziram, também, que no dia 20 de dezembro de 2004, conseguiu-se
pagar o restante da parte descontada dos salários dos servidores à Capsema, no montante de
R$ 1.246.488,72 relativo à dívida do Município de Maringá, e de R$ 324.460,86, relativo à
dívida do SAOP, ato este que teria sido ignorado pela douta promotoria.
Ainda, alegaram que no caso em comento, não haveria como imputar-se aos representados a
prática de ato de improbidade administrativa, ante a ausência de enriquecimento ilícito, de
dano ao erário, e perante o fato de que a conduta destes não teria atentado contra nenhum
princípio da administração pública.
Aduziram também que, como consta da inicial do e:parquet, o ex-prefeito ora denunciado
teria encaminhado correspondência ao presidente da Capsema, sugerindo o pagamento da
dívida de forma parcelada, em 20 vezes, proposta esta que foi rejeitada pela autarquia. Além
disso, alegaram que a importância relativa aos 8% descontados dos vencimentos dos
servidores municipais para compor o Fundo de Previdência municipal foi descontado na
época própria, e igualmente, repassado, isto é, dentro do mesmo exercício.
Noticiaram, de igual modo, que o município entrou com uma “ação declaratória de ilegalidade
a retenção do imposto de renda retido na fonte cumulada com devolução de valores
indevidamente retidos cumulada com declaratória de inconstitucionalidade de dispositivos
legais municipais e tutela antecipada”, pleiteando no Poder Judiciário o pagamento do
montante de R$ 63.748.049,40 (sessenta e três milhões, setecentos e quarenta e oito mil,
quarenta e nove reais e quarenta centavos) por parte da Capsema. Portanto, a dívida municipal
para com a autarquia poderia ser alvo de compensação parcial, ainda mais tendo se em conta
que a Capsema também ajuizou ação referente à dívida municipal.
Salientaram, de igual forma, que não há prova na exordial do Ministério Público de que
tenha ocorrido prejuízo ao erário no caso em comento, posto não haver evidências de que a
Capsema tenha tido que pagar juros ou multas em razão do atraso nos recebimentos pendentes
junto à prefeitura municipal.
Enviados os presentes autos à Diretoria de Contas Municipais – DCM, esta, através da
Instrução n° 689/07 (fls. 267-271), solicitou que fossem feitas diligências, a fim de apurar
se dentre os valores recebidos da prefeitura e do SAOP encontra-se o pagamento de multa de
10% sobre o valor principal, e para que fossem demonstradas, contabilmente, as dificuldades
financeiras pelas quais a municipalidade teria passado, de acordo com o alegado.
Remetidos os autos ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas – MPjTC, no Parecer
n° 6865/07 (fls. 273 – 275), o representante ministerial se manifestou no mesmo sentido que
a unidade técnica, apenas propugnando pela realização de outras diligências: a) que fosse
oficiada a Capsema para que esta esclareça a atual situação das ações judiciais de cobrança,
indicando se o município e a SAOP efetivamente quitaram a totalidade dos débitos; b) que
fosse expedido ofício ao egrégio Tribunal de Justiça do Paraná, solicitando cópia da sentença
prolatada na Ação Civil Pública n° 1029/2004, e cópia dos atos posteriormente emitidos nos
autos de Apelação Cível n° 41.1308-6.
Oficiada por esta Corte, a Capsema – Caixa de Assistência, Aposentadoria e Pensão dos
Servidores Municipais de Maringá, através do documento acostado às fls. 279-281 destes
autos, informou que o pagamento da multa de 10% (dez por cento) estaria incluso nos
montantes objeto dos Termos de Parcelamento de Débitos firmados entre a credora e os
devedores, como provam as cópias dos recibos. Tal multa diria respeito, apenas, aos repasses
patronais, não estando inclusa nos valores concernentes a contribuição do servidor. Relatou,
ainda, que não houve adimplemento total dos débitos, vez que o parcelamento pactuado foi
em 60 vezes. Por derradeiro, noticiou que os Autos n° 952/2004, referentes à ação de cobrança
proposta em face do município, em trâmite na 6ª Vara Cível de Maringá, encontrava-se
aguardando o pagamento de custas processuais, muito embora tenha sido noticiado o juízo
acerca da transação entre as partes litigantes. Quanto aos Autos n° 965/2004, atinentes à
ação de cobrança ajuizada em face do SAOP, proposto na 5ª Vara Cível de Maringá, relatou
que o expediente está extinto, em razão de homologação de transação entre as partes.
O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por sua vez, atendendo a ofício desta Corte,
remeteu a este expediente cópia da sentença prolatada na Ação Civil Pública n° 1029/04 e
cópia do extrato de movimentação processual da Apelação Cível n° 411308-6.
Seguindo trâmite regular, este expediente foi remetido à Diretoria de Contas Municipais –
DCM para análise conclusiva. Entendeu a unidade técnica, através da Instrução n° 4695/07,
que a presente representação deveria ser arquivada, ante a decisão prolatada pelo Poder
Judiciário na Apelação Cível n° 411308-6, em que foram acolhidas as razões trazidas pelos
apelantes, e declarou-se inexistir ato de improbidade administrativa, e tampouco prejuízo ao
erário no caso em comento.
O Ministério Público de Contas, por seu turno, através do Parecer n° 17631/07 (fls. 466 –
467), atentou para o fato de que a decisão judicial que deu fulcro a conclusão da unidade
técnica não transitara em julgado até aquele momento, solicitando a retificação da Instrução
n° 4695/07 –DCM. Por fim, pugna pelo cumprimento das diligências exaradas no Parecer n°
6865/07 (fls. 273-275).
Remetidos os autos, novamente, à Diretoria de Contas Municipais – DCM, esta, através da
Instrução n° 3228/08 (fls. 473 – 481), retificou sua manifestação anterior, pugnando pela
procedência da presente representação, posicionando-se pela aplicação de multa
administrativa aos representados, prevista no Art. 4° do Provimento n° 36/98 (vigente à
época dos fatos), ante a constatação de que não teria havido enriquecimento ilícito por parte
destes. A unidade técnica entendeu que no presente expediente resta comprovado nos autos
o atraso no repasse das verbas destinadas ao Capsema, e que o representados alegaram
dificuldades financeiras no período, contudo sem comprovar o déficit de receitas em
comparação com outros meses. Além disso, a simples previsão nas Leis Complementares
Municipais n° 359/2000 e 386/2001 da possibilidade de que o pagamento aos fundos seja
feita em atraso, com a incidência de juros legais e multa de 10%, não teria o condão de
conduzir à conclusão de que a legislação legitima o atraso.
Por fim, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas – MPjTC opinou, através do
Parecer n° 13122/08 (fls. 482 -487), igualmente, pela procedência da presente representação,
contudo, pugnando pela condenação dos representados à restituição ao erário de Maringá
dos valores referentes à multa de 10% cobrada pelo atraso na realização de pagamentos à
Capsema, valor este a ser devidamente atualizado e acrescido de juros, e ressaltando a
impossibilidade de aplicar multa administrativa aos representados com base no Provimento
n° 36/98, já revogado.
É o relatório.
VOTO E FUNDAMENTAÇÃO
Da análise dos autos, me posiciono pela improcedência da representação.
Preliminarmente, convém fixar o objeto da presente representação. A exordial deste feito
constitui-se na peça inicial da Ação Civil Pública n° 1029/2004, proposta pelo Ministério
Público do Estado do Paraná, tendo como requeridos os Sr. João Ivo Caleffi e Valdécio de
Souza Barbosa, ora representados.
Alegou o parquet, em síntese, que os representados teriam cometido crime de improbidade
administrativa, pois na posição de gestores do Serviço Autárquico de Obras Públicas – SAOP
de Maringá e de Prefeito Municipal de Maringá à época (gestão 23/09/2003 à 31/12/2004),
teriam atrasado o repasse de verbas atinentes ao Fundo de Saúde e ao Fundo de Previdência
Municipal à Capsema – Caixa de Assistência, Aposentadoria e Pensão dos Servidores
Municipais de Maringá, nos meses de setembro e outubro de 2004, dolosamente, inclusive
tendo se utilizado do percentual de 8% do salário dos servidores municipais, atinentes ao
Fundo de Saúde dos dois meses citados, de maneira indevida, fazendo com que o Município
arcasse com multa de 10% sobre o total da dívida, sanção pecuniária prevista no Art. 59 da
Lei Complementar Municipal n° 359/2000 e Art. 16 da Lei Complementar 386/2001.
Primeiramente, constato ter realmente ocorrido atraso no repasse à Capsema dos percentuais
descontados do salário dos servidores para composição do Fundo Municipal de Previdência
e do Fundo de Saúde do Servidor Público Municipal. Tal desconto era vinculado, por força
do disposto no Art. 56, II, da Lei Complementar Municipal n° 359/2000 (a qual cria o Fundo
Municipal de Previdência) e do Art. 14, II, da Lei Complementar Municipal n° 386/2001 (a
qual cria o Fundo de Saúde), os quais transcrevo:
LC Municipal n°359/2000
Art. 56. Constituem fonte de receita do Fundo Municipal de Previdência:
II – a contribuição dos órgãos da Administração Direta, Indireta, Autárquica e Fundacional
dos Poderes Executivo e Legislativo do Município, no percentual de 14% (quatorze por
cento) para o Fundo Municipal de Previdência;
LC Municipal n° 386/2001
Art. 14 Os segurados e os órgãos da Administração Direta, Indireta, Autárquica e Fundacional
dos Poderes Executivo e Legislativo do Município contribuirão obrigatoriamente com o
Fundo de que trata esta Lei, mediante consignação em folha de pagamento, devendo os
valores ser recolhidos ao órgão gerenciador do Fundo na mesma data da efetivação do
pagamento dos servidores municipais ativos, inativos e pensionistas, sendo:
II – a contribuição obrigatória dos órgãos da Administração Direta, Indireta, Autárquica e
Fundacional dos Poderes Executivo e Legislativo do Município, no percentual de 8% (oito
por cento).
Não resta dúvida de que o recolhimento deveria ter sido feito tempestivamente pelo exgestor
municipal e pelo ex-presidente da SAOP, com destino à Capsema, posto esta ser a
entidade que administra os recursos dos dois fundos. Os mesmos dispositivos municipais
trazem a incidência de multas caso o pagamento seja feito em atraso, da ordem de 10% (dez
por cento) sobre o valor devido:
LC Municipal n° 386/2001:
Art. 16. As contribuições em atraso, devidas pelos órgãos da Administração Direta, Indireta,
Autárquica e Fundacional dos Poderes Executivo e Legislativo do Município e pelos
segurados, serão atualizadas monetariamente, de acordo com índices autorizados pelo
Governo Federal, acrescidas de juros legais e multa de 10% (dez por cento).
LC Municipal n° 359/2000:
Art. 59. As contribuições em atraso, devidas pelos órgãos da Administração Direta, Indireta,
Autárquica e Fundacional dos Poderes Executivo e Legislativo do Município e pelos
segurados, serão atualizadas monetariamente, de acordo com índices autorizados pelo
Governo Federal, acrescidas de juros legais e multa de 10% (dez por cento).
Compulsando os presentes autos, entendo ser indubitável que a municipalidade realmente
atrasou o repasse dos valores à Capsema relativos aos meses de setembro de outubro de
2004. Aliás, tal questão resta incontroversa neste expediente, tendo os representados Sr.
João Ivo Caleffi e Valdécio de Souza Barbosa, admitido tal fato.
Por causa deste atraso, a Capsema interpôs as seguintes ações de cobrança: a) Ação de
Cobrança n° 952/2004, relativa ao crédito da autarquia junto ao Município de Maringá, no
montante de R$ 1.246.488,72 (um milhão, duzentos e quarenta e seis mil, quatrocentos e
oitenta e oito reais e setenta e dois centavos, a qual tramitou na 6ª Vara Cível da Comarca de
Maringá; b) Ação de Cobrança n° 965/2004, concernente ao crédito da autarquia junto ao
SAOP, no montante de R$ 324.460, 86 (trezentos e vinte e quatro mil, quatrocentos e sessenta
reais e oitenta e seis centavos), a qual tramitou na 5ª Vara Cível da Comarca de Maringá;
Os dois expedientes propostos perante o Poder Judiciário, destarte, foram extintos, após
homologação de transação entre as partes, a qual deu origem a diversos termos de
parcelamentos das dívidas.
Primeiramente, foi firmado o Termo de Acordo de Parcelamento e Confissão de Débitos
Previdenciários (fls. 394 – 398), entre o Município de Maringá e a Capsema. Analisando tal
documento, percebe-se que a dívida da municipalidade totalizava R$ 3.525.841,15, referente
aos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2004, sendo que cerca de R$
178.006, 91 (cento e setenta e oito mil, seis reais e noventa e um centavos) eram referentes
aos juros devidos pelo atraso nos pagamentos.
Outro termo celebrado foi o Termo de Parcelamento de Débitos (fls. 399 – 400), entre o
Município de Maringá e a Capsema, relativo ao parcelamento de R$ 1.446.110,10 devidos
pela municipalidade em decorrência da falta de repasse destes valores ao Fundo de Saúde do
Servidor Público Municipal, nos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de
2004.
Ainda, o SAOP celebrou o Termo de Parcelamento de Débitos (fls. 304 – 307) com a Capsema,
em virtude do débito junto a esta de R$ 294.240,40 (duzentos e noventa e quatro mil, duzentos
e quarenta reais e quarenta centavos), atinente à falta de repasse destes valores ao Fundo de
Assistência à Saúde do Servidor, nos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de
2004, sendo que cerca de R$ 17.482,51 deste valor são relativos a juros pelo atraso do
pagamento.
Destes dados trazidos a estes autos, entendo que não há dúvida de que a municipalidade e o
SAOP sanaram as dívidas que são objeto da presente representação, relativas ao exercício
de 2004.
É, de igual modo, incontroverso que houve atraso no repasse do percentual descontado dos
salários dos servidores municipais atinente ao fundo de previdência e ao fundo de saúde e
que o Município de Maringá e o Serviço Autárquico de Obras Públicas – SAOP da
municipalidade arcaram com multas decorrentes deste atraso.
Em tese, tal constatação possibilitaria a aplicação de sanção pecuniária (multa) aos
representados. Contudo, por serem os fatos anteriores à vigência da Lei Complementar
Estadual n° 113/2005 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Paraná), vez que
datados do ano de 2004, descabe a aplicação de multas no caso em comento.
Neste ponto, ressalto que esta Corte não pode aplicar multas com base em provimento
revogado, como sugeriu a Diretoria de Contas Municipais- DCM deste Tribunal na Instrução
n° 3228/08 (fls. 473-481), ao postular pela aplicação de multa prevista no Art. 4° do
Provimento n° 36/98 aos representados. Além disso, como bem salientou o Ministério Público
de Contas do Estado do Paraná, no Parecer n° 13122/08 (fls. 482-487):
“f) a sugestão de cominação de multa administrativa fundada no Provimento n° 36/98, no
entanto, não pode ser acolhida, eis que viola o princípio da legalidade (art. 5°, II, CF/88),
pois não se estriba em lei, mas em ato interno desta Corte.
Portanto, a controvérsia a ser analisada por este colendo Tribunal de Contas restringe-se à
apuração sobre a existência de eventuais prejuízos ao erário de Maringá decorrentes de uma
atuação dolosa dos representados, Sr. João Ivo Caleffi, prefeito municipal de Maringá, no
período de 23/09/2003 à 31/12/2004, e Sr. Valdécio de Souza Barbosa, ex-presidente do
Serviço Autárquico de Obras Públicas- SAOP de Maringá (mandato 2004).
Ressalte-se que os representados justificaram que o retardamento no pagamento, o qual deu
origem ao pagamento das multas, teria se dado em face das dificuldades financeiras
enfrentadas ao final do exercício de 2004, sobretudo pela diminuição no montante das verbas
recebidas do Governo Federal, relativas ao Fundo de Participação dos Municípios.
A fim de comprovar tais argumentos, os representantes apresentaram reportagens jornalísticas
noticiadas na imprensa nacional e estadual que relatam as dificuldades sofridas pelos
municípios brasileiros no exercício de 2004, ante a redução drástica dos valores repassados
pelo Governo Federal a título do Fundo de Participação dos Municípios – FPM. Há notícia
de que o valor repassado pela União deveria ser de R$ 670 milhões de reais, e fora repassado
apenas cerca de R$ 365 milhões.
Convém notar que o modelo federalista brasileiro, expresso na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, embora reconheça a autonomia municipal como ente federativo,
torna os municípios muito dependentes das verbas repassadas pelo Governo Federal. Assim,
entendo que a diminuição brusca no montante repassado pela União, relativo ao Fundo de
Participação dos Municípios, pode sim ter afetado drasticamente o orçamento público de
Maringá. Desequilíbrios financeiros desta monta não são imputáveis aos representados, vez
que a programação orçamentária vigente durante determinado exercício financeiro é feita
com base em estimativas. Assim, não vislumbro terem agidos os representados dolosamente.
Claramente, atrasaram o pagamento à Capsema por problemas orçamentários.
Outro ponto que parece denotar a ausência de má-fé é a comprovação de que os representantes
tentaram parcelar as dívidas do SAOP e da prefeitura junto à Capsema, no mês de novembro
de 2004, anteriormente à celebração dos termos de parcelamento supracitados.
Como depreende-se da Ata de Reunião, realizada em 22 de novembro de 2004, do Conselho
de Administração da Capsema (fls.255 -257), o Município desprendeu esforços para
regularizar o atraso o quanto antes, mediante a sugestão de pagamento dos montantes de R$
1.306.955,97 e R$ 1.802.653,50, relativos à contribuição de servidores e à contribuição da
prefeitura, respectivamente. Tal proposta, contudo, não foi acolhida pela autarquia credora.
Em 06 de dezembro de 2004, nova proposta do parcelamento da dívida municipal foi rejeitada
pela Capsema, como se aduz da Ata de Reunião do Conselho de Administração da Capsema
(fls. 262 – 263).
Ainda, outro ponto que reforça a ausência de ma-fé na conduta dos representados, Srs. João
Ivo Caleffi e do Sr. Valdécio de Souza Barbosa, é a conclusão de que os pagamentos vinham
sendo feitos regularmente, conclusão a que cheguei principalmente após a análise da
documentação carreada por estes aos presentes autos, consistente em cheques e ordens de
pagamento do Poder Executivo Municipal à Capsema (fls. 98 – 218).
Da análise desta documentação, vislumbro que a municipalidade vinha repassando os valores
corretamente durante o exercício de 2004, tendo repassado total de R$ 1.784.712,19 ao
Fundo Municipal de Previdência e de R$ 1.035.509,52 ao Fundo de Saúde, de modo
tempestivo.
Acolho, portanto, o argumento de que o montante atrasado foi mínimo, algo que reforça a
inexistência de má-fé na conduta dos representados.
Neste diapasão, aponto, ainda, a existência de outra situação relevante no que tange ao
Poder Executivo Municipal de Maringá.
Saliento que o Sr. João Ivo Caleffi governou durante um curto período de tempo a
municipalidade, vez que assumiu o cargo de prefeito após a morte do Sr. José Cláudio Pereira
Neto, do qual foi vice. Por óbvio, eventuais dificuldades financeiras existente à época em
Maringá não poderiam ser imputadas totalmente ao ex-prefeito que está na condição de
representado nesta representação, vez que este governou pelo exíguo período de cerca de 1
ano de 3 meses.
A não existência de dolo no caso em comento, aliás, foi reconhecida, também, no acórdão
proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná na Apelação Cível n° 411308-6, referente à
Ação Civil Pública n° 1029/2004, a qual constitui a inicial deste expediente. Ressalvo que
tal decisão ainda não transitou em julgado naquele tribunal, ante a interposição do Recurso
Especial n° 76634/08 pelo Ministério Público do Estado do Paraná, o qual ainda carece de
julgamento definitivo por aquele Tribunal.
Destarte, na fundamentação do acórdão, o tribunal, reformando a decisão de 1ª instância,
pugnou pela inexistência, no caso em comento, de prejuízo ao erário decorrente ato de
improbidade administrativa por parte dos representados, e comportamento doloso por parte
destes. Com a finalidade de trazer esclarecimentos ao presente feito, cito trecho da decisão
do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, litteris:
“(...)
Inexiste ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, da Lei nº 8.429/92, no tocante
à parcela devida pelo Município de Maringá e pelo Serviço Autárquico de Obras, vez que os
arts. 59, da Lei Complementar Municipal nº 359/2000 e 16, da Lei Complementar Municipal
nº 386/2001 prevêem a possibilidade de atraso nos pagamentos, ao estipularem a cobrança
de multa, ainda mais que tais pagamentos foram efetuados (embora em atraso). A conduta
consistiu em inadimplemento de obrigação que, não caracterizou a prática de ato ímprobo,
vez que não possui traços de desonestidade, má-fé ou de falta de probidade no trato da coisa
pública.
Não há falar em improbidade administrativa (art. 11, inciso II, da Lei nº 8.429/92) quanto ao
repasse das parcelas decorrentes das contribuições descontadas em folha dos servidores em
favor do Fundo de Saúde e do Fundo Municipal de Previdência, pois na hipótese dos autos,
não restou demonstrada a ocorrência de efetiva violação aos princípios norteadores da
Administração Pública, haja vista a ausência de efetivo dano ao erário, bem como não restou
comprovado comportamento doloso dos apelantes.
(...)
A hipótese em que foram incursos os apelantes, João Ivo Caleffi e Valdécio de Souza Barbosa,
por sua abrangência, alcança uma infinidade de atos de improbidade (art. 11, da Lei nº
8.429/92). Assim, qualquer violação aos princípios da Administração Pública pode constituir
ato de improbidade administrativa. No entanto, há que se perquirir, desde o início da
elaboração de juízo de valor, a respeito da intenção do agente, para verificar se houve dolo
ou culpa, pois, de outro modo, não ocorrerá o ilícito previsto na lei, como o observa Maria
Sylvia
Zanella di Pietro.
No caso dos autos, o atraso no pagamento de tal verba, por si só, não configura ato de
improbidade administrativa, até mesmo porque, o pagamento, embora em atraso, acabou
sendo efetuado, sendo que a própria legislação prevê a hipótese de incidência de multa no
caso de atraso (art. 59, da Lei Complementar Municipal nº 359/2000 e art. 16, da Lei
Complementar Municipal nº 386/2001).
Logo, na hipótese em tela, a conduta consistiu em inadimplemento de obrigação que não
caracterizou a prática de ato ímprobo, vez que não guarda traços de desonestidade, má-fé ou
de falta de probidade no trato da coisa pública.
Desse modo, embora o inadimplemento obrigacional possa configurar ato de improbidade
administrativa, para tanto, deve estar acrescido de outros elementos (prejuízo ao erário,
enriquecimento ilícito, má-fé, dolo, desonestidade), o que não se vislumbra na situação em
exame.
Por sua vez, quanto à parcela decorrente das contribuições descontadas em folha dos
servidores, devendo haver o imediato recolhimento dos valores arrecadados em favor do
Fundo de Saúde e do Fundo Municipal de Previdência, entendo que a conduta de atraso no
repasse de tais importâncias também não configura ato de improbidade administrativa,
previsto no art. 11, inciso II, da Lei nº 8.429/92.
O dispositivo em que foi enquadrada a conduta dos apelantes João Ivo Caleffi e Valdécio de
Souza Barbosa, dispõe que:
Art. 11 - “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública qualquer ação ou omissão, que viole os deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
(...)
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”.”
Levando em consideração tal ensinamento, constata-se que na hipótese dos autos, não restou
comprovada a ocorrência de efetiva violação aos princípios norteadores da Administração
Pública, haja vista que não houve efetivo dano ao erário, bem como não restou comprovado
dolo na conduta dos apelantes.
Isto porque, conforme se observa do conjunto probatório constante dos autos, embora os
apelantes não tenham efetuado o repasse imediatamente das contribuições descontadas em
folha dos servidores em favor do Fundo de Saúde e do Fundo Municipal de Previdência, tal
situação não configura, por si só, a ocorrência de ato de improbidade administrativa, pois
houve o repasse, embora em atraso (ausência de prejuízo), bem como o comportamento dos
apelantes não está eivado de má-fé ou dolo.
Como já dito, para a configuração de violação ao art. 11, da Lei nº 8.429/92, faz-se necessária
a comprovação de comportamento doloso por parte do agente público, ou seja, que este haja
de forma ilícita, ciente da antijuridicidade de seu comportamento funcional (consciente de
que está transgredindo ao princípio constitucional).
No caso em apreço, não restou configurada a conduta dolosa, no entanto, que os repasses
foram efetuados, embora em atraso, tendo, inclusive, os apelantes, tentado o parcelamento
da dívida, o que demonstra a ausência de má-fé, sendo desnecessária a comprovação da
queda de arrecadação do ente municipal no ano de 2004.”.
Vale anotar, inclusive, que a conclusão preliminar do egrégio Tribunal de Justiça do Paraná
decorre de um processo que já passou por uma fase de instrução regular, na qual pôde concluir
sobre as irregularidades noticiadas e tomar eventuais providências cabíveis em decorrência
desta conclusão. Deve-se ter em conta, ainda, que a instrução do feito no Judiciário é mais
ampla do que a promovida por esta Corte de Contas, ante a possibilidade de produção em
juízo de provas que não são produzidas ordinariamente por este Tribunal, o que garante a
busca por uma maior certeza no que diz respeito à verdade dos fatos.
Note-se, também, que esta colenda Corte de Contas já manifestou o entendimento, em julgados
anteriores, de que a sanção de restituição de valores ao erário só pode ser aplicada ante a
existência clara da intenção, de dolo, dos administradores públicos em lesar o erário,
geralmente expresso em desvio de finalidade pública. Assim, por exemplo, no Acórdão n°
1508/2006 do Tribunal Pleno desta Corte. Com a finalidade de proporcionar melhores
esclarecimentos, transcrevo trecho primeiro acórdão supracitado, litteris:
“O recorrente foi condenado à devolução de valores, oriundos de uma licitação, supostamente
fraudulenta, em que os seus subordinados executaram e que os mesmos estariam envolvidos
no dolo.
(...)
Não há nos autos prova contundente de efetiva participação do recorrente em qualquer ato
de dolo ou má-fé, tampouco participação no procedimento licitatório objeto da denúncia.
(...)
Portanto, bem asseverou o recorrente, às fls. 06, ao citar Hely Lopes Meirelles, que diz:
“Desde que o Chefe do Executivo erre com boa fé, sem abuso de poder, sem intuito de
perseguição ou favoritismo, não fica sujeito à responsabilidade civil, ainda que seus atos
lesem a Administração ou causem danos patrimoniais a terceiros.
(...)
Desta forma, considerando as argumentações trazidas aos autos, diante dos fatos expostos,
com a devida vênia dos pareceres da Diretoria Jurídica e do Ministério Público junto ao
Tribunal de Contas, e considerando ainda que, no meu entender, o recorrente, neste caso,
não teve nenhuma participação nas anomalias descritas na denúncia, bem como, não há
prova de dolo, má-fé, ou prejuízo ao erário a ser-lhe atribuído, recebo o presente recurso,
por tempestivo, para no mérito dar-lhe provimento parcial, reformando-se a decisão
consubstanciada na Resolução nº 412/2001, afastando a condenação do senhor João Batista
de Arruda, ora recorrente, sem prejuízo do direito de regresso à municipalidade, quanto aos
membros da Comissão de Licitação e ao ex-Secretário de Saúde Municipal, e mantendo-se
os itens III e IV da resolução ora atacada.”
O colendo Tribunal de Contas da União (TCU) se posicionou da mesma forma em uma série
de julgados, dentre os quais destaco os Acórdãos n° 42/1997, 58/1995, 124/1997. Destaco a
ementa do 1° acórdão supracitado:
Ementa
Tomada de Contas Especial. Convênio. MAGR. Prefeitura Municipal de Indiara GO. Recurso
de revisão contra acórdão que julgou as contas irregulares e em débito o responsável por
omissão na prestação de contas. Recolhimento do débito. Ausência de locupletamento dolo
ou má fé. Provimento. Contas regulares com ressalva.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem, reiteradamente, se posicionado da mesma forma,
ressaltando que não cabe imputar ato de improbidade administrativa na ausência de dolo,
conforme se exaure de diversos julgados daquela colenda Corte, a exemplo dos acórdãos
proferidos nos Recursos Especiais n° 480387 da, n° 534575/PR, ° 654721/MT , todos da 1ª
Câmara do egrégio Tribunal:
RECURSO ESPECIAL Nº 654.721 - MT (2004D 0078515-0)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSOS ESPECIAIS.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429D 92. CONTRATAÇÃO E
MANUTENÇÃO DE PESSOAL SEM A REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO.
AUSÊNCIA DE DOLO E DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA NÃO CONFIGURADO. RECURSOS PROVIDOS.
1. “A improbidade administrativa consiste na ação ou omissão intencionalmente violadora
do dever constitucional de moralidade no exercício da função pública, tal como definido
por lei” (Marçal Justen Filho in Curso de Direito Administrativo, 3ª ed. rev. e atual., São
Paulo: Saraiva, 2008, p. 828).
2. Para que se configure a improbidade, devem estar presentes os seguintes elementos: o
enriquecimento ilícito, o prejuízo ao erário e o atentado contra os princípios fundamentais
(legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência).
3. O ato de improbidade, na sua caracterização, como de regra, exige elemento subjetivo
doloso, à luz da natureza sancionatória da Lei 8.429D 92.
4. No caso dos autos, as instâncias ordinárias afastaram a existência de dolo, bem como de
prejuízo ao erário, razão por que não há falar em ocorrência de ato de improbidade
administrativa.
5. Recursos especiais providos.
RECURSO ESPECIAL Nº 534.575 - PR (2003D 0083502-0)
EMENTA
ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO DE IMPROBIDADE: TIPIFICAÇÃO
(ART. 11 DA LEI 8.429D 92).
1. O tipo do artigo 11 da Lei 8.429D 92, para configurar-se como ato de improbidade, exige
conduta comissiva ou omissiva dolosa.
2. Atipicidade de conduta por ausência de dolo.
3. Recurso especial provido.
RECURSO ESPECIAL Nº 480.387 - SP (2002D 0149825-2)
EMENTA
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO
ADMINISTRADOR PÚBLICO.
1. A Lei 8.429D 92 da Ação de Improbidade Administrativa, que explicitou o cânone do art.
37, § 4º da Constituição Federal, teve como escopo impor sanções aos agentes públicos
incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito
(art.9º); b) que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os
princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à
moralidade administrativa.
2. Destarte, para que ocorra o ato de improbidade disciplinado pela referida norma, é
mister o alcance de um dos bens jurídicos acima referidos e tutelados pela norma especial.
3.No caso específico do art. 11, é necessária cautela na exegese das regras nele insertas,
porquanto sua amplitude constitui risco para o intérprete induzindo-o a acoimar de ímprobas
condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a
má-fé do administrador público e preservada a moralidade administrativa.
4. In casu, evidencia-se que os atos praticados pelos agentes públicos, consubstanciados
na alienação de remédios ao Município vizinho em estado de calamidade, sem prévia
autorização legal, descaracterizam a improbidade strictu senso, uma vez que ausentes o
enriquecimento ilícito dos agentes municipais e a lesividade ao erário. A conduta fática
não configura a improbidade.
5. É que comprovou-se nos autos que os recorrentes, agentes políticos da Prefeitura de
Diadema, agiram de boa-fé na tentativa de ajudar o município vizinho de Avanhandava a
solucionar um problema iminente de saúde pública gerado por contaminação na merenda
escolar, que culminou no surto epidêmico de diarréia na população carente e que o estado
de calamidade pública dispensa a prática de formalidades licitatórias que venha a colocar
em risco a vida, a integridade das pessoas, bens e serviços, ante o retardamento da prestação
necessária.
6. É cediço que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. Consectariamente, a ilegalidade
só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios
constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador. A
improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta
de boa-fé, a desonestidade, o que não restou comprovado nos autos pelas informações
disponíveis no acórdão recorrido, calcadas, inclusive, nas conclusões da Comissão de
Inquérito.
7. É de sabença que a alienação da res publica reclama, em regra, licitação, à luz do
sistema de imposições legais que condicionam e delimitam a atuação daqueles que lidam
com o patrimônio e com o interesse públicos. Todavia, o art. 17, I, “b”, da lei 8.666D 93
dispensa a licitação para a alienação de bens da Administração Pública, quando exsurge o
interesse público e desde que haja valoração da oportunidade e conveniência, conceitos
estes inerentes ao mérito administrativo, insindicável, portanto, pelo Judiciário.
8. In casu, raciocínio diverso esbarraria no art. 196 da Constituição Federal, que assim
dispõe: “A saúde é considerada dever do Estado, o qual deverá garanti-la através do
desenvolvimento de políticas sociais e econômicas ou pelo acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”, dispositivo que recebeu
como influxo os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da
promoção do bem comum e erradicação de desigualdades e do direito à vida (art. 5º, caput),
cânones que remontam às mais antigas Declarações Universais dos Direitos do Homem.
9. A atuação do Ministério Público, pro populo, nas ações difusas, justificam, ao ângulo da
lógica jurídica, sua dispensa em suportar os ônus sucumbenciais, acaso inacolhida a ação
civil pública.
10. Consectariamente, o Ministério Público não deve ser condenado ao pagamento de
honorários advocatícios e despesas processuais, salvo se comprovada má-fé.
11. Recursos especiais providos.
Convém mencionar, neste ponto, outra alegação trazida pelo parquet na inicial.
No caso em comento, o parquet alega que os representados agiram dolosamente não
perpetrando os descontos, e que as importâncias relativas aos 8% descontados da remuneração
dos servidores para composição do Fundo Municipal de Previdência teriam sido descontadas
e não repassadas. Isso evidenciaria, em tese, um desvio de finalidade pública.
Contudo, não há prova de tal desvio nestes autos, de modo que este ponto da presente
representação resta inconclusivo.
Diante da ausência de má-fé ou dolo na conduta analisada nestes autos, ressalto que os
repasses da Prefeitura Municipal de Maringá e do SAOP de Maringá são de responsabilidade
institucional dos dois órgãos, não cabendo responsabilização dos ex-gestores representados.
De todo o exposto, concluo não ser possível determinar aos representados, como sugerido
pelo Ministério Público de Contas do Estado do Paraná no Parecer n° 13122/08 (fls. 482 e
ss.), que devolvam ao erário os valores atinentes ao pagamento de multa de 10%, prevista
em lei municipal, aplicada sobre as verbas que deveriam ter sido repassadas pelo município
e pelo SAOP, relativas ao Fundo Municipal de Previdência e ao Fundo de Saúde, atinentes
aos meses de setembro e outubro de 2004, ante a inexistência, no caso em comento, de
conduta de má-fé por parte dos representados.
Ante o exposto, VOTO pela improcedência da denúncia.
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, na conformidade
com o voto do Relator e das notas taquigráficas, por maioria, em julgar improcedente a
denúncia.
Votaram, nos termos acima, os Conselheiros NESTOR BAPTISTA, ARTAGÃO DE MATTOS
LEÃO, HEINZ GEORG HERWIG e CAIO MARCIO NOGUEIRA SOARES.
Voto divergente dos auditores CLÁUDIO AUGUSTO CANHA e THIAGO BARBOSA
CORDEIRO, pela procedência da denúncia, com conversão em tomada de contas para a
apuração dos valores a serem ressarcidos ao Município.
Presente o Procurador Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, ELIZEU
DE MORAES CORREA.
Curitiba, 3 de setembro de 2009
CAIO MARCIO NOGUEIRA SOARES
Conselheiro Relator
FERNANDO AUGUSTO MELLO GUIMARÃES
Vice-Presidente no exercício da Presidência