Apelação cíel - Paulo Nocchi
APELAÇÃO CÍVEL N° 418002-7
COMARCA DE MARINGÁ - 5ª. VARA CÍVEL
APELANTES: PAULO ROBERTO JARDIM NOCCHI E OUTRO
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
RELATORA: DESEMBARGADORA MARIA APARECIDA
BLANCO DE LIMA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA MANEJADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. DECISÃO QUE CONDENOU SOLIDARIAMENTE OS APELANTES COM BASE NO ARTIGO 11 DA LEI N.º 8.429/1992.
ARGUIÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA POR JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE SUPERADA. NÃO HÁ CERCEAMENTO DE DEFESA QUANDO EXISTE FARTA PROVA DOCUMENTAL NOS AUTOS E A MATÉRIA É EXCLUSIVA DE DIREITO. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. PRECEDENTES.
OS PAGAMENTOS FORMULADOS PELO PREFEITO DA COMUNA AO CHEFE DE GABINETE EM DECORRÊNCIA DE ACORDO PACTUADO NOS AUTOS DE AÇÃO MONITÓRIA MANEJADA PELO SEGUNDO OFENDE A INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO, A LEGALIDADE E A MORALIDADE. EVIDENTE DESRESPEITO AO PROCEDIMENTO DE PRECATÓRIO REQUISITÓRIO IMPOSTO À FAZENDA PÚBLICA. LESÃO AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS CONTIDOS NO ARTIGO 11 DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANO AO ERÁRIO DEMONSTRADO. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 418002-7, da 5ª Vara Cível da Comarca de Maringá, em que é Apelante Paulo Roberto Jardim Nocchi e Outro, sendo Apelado o Ministério Público do Estado do Paraná.
Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por Paulo Roberto Jardim Nocchi e Luiz Alberto Jardim Nocchi, voltado contra a r. sentença de fls.250/266, proferida nos autos nº 640/2003 de Ação Civil Pública de Responsabilidade por Ato de Improbidade Administrativa movida pelo Ministério Público do Estado do Paraná, que julgou procedente o pedido para o fim de condenar os apelantes solidariamente pela prática de ato de improbidade administrativa previsto no artigo11, Inciso I, da Lei nº 8.420/92, consistentes na perda da função pública que exercem; na suspensão dos direitos políticos por 5 anos; ao pagamento, cada um, de multa civil de 03 vezes o valor bruto da remuneração mensal recebida pelos requeridos, na data do ilegal pagamento da última parcela (setembro de 2002) corrigido monetariamente a partir de então e acrescida de juros moratórios legais a contar da citação, valor este a ser apurado em liquidação de sentença por mero cálculo; a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio da pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 anos; ao ressarcimento integral do dano no valor de R$ 11.579.56, devidamente corrigido monetariamente e acrescido de juros legais, a partir de seu recebimento, com base no artigo 269, Inciso I, do Código de Processo Civil.
Pelo princípio da sucumbência, condenou os requeridos solidariamente ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados estes em 15% sobre o valor da condenação previstas nos itens “c” e “e”, atento ao artigo 20, parágrafo 3º e suas alíneas do CPC.
Quanto aos honorários advocatícios, anotou que o valor deve ser recolhido ao Fundo Especial do Ministério Público, com base no artigo 118, Inciso II, alínea “a” e Lei Estadual nº 12241/98.
Inconformados, recorreram os Apelantes Paulo Roberto Jardim Nocchi e Luiz Alberto Jardim Nocchi, alegando preliminarmente, em suas razões de fls.269/282, a nulidade da sentença, pois consideram que ao julgar antecipadamente a lide, o magistrado de primeiro grau ofendeu os princípios do devido processo legal e negou prestação jurisdicional, cerceando a defesa dos réus, impedindo a defesa de demonstrar que os precatórios que se encontravam supostamente pendentes de pagamento perante o Tribunal de Justiça, tinham sido pagos e que o Apelante Paulo Roberto não era irmão do Apelante Luiz Alberto, fato que poderia ser esclarecido com a realização da audiência de instrução e julgamento.
Em seguida trazem cópias de declarações colhidas em sede de ação criminal sobre os mesmos fatos, tudo com a finalidade de buscar o convencimento para a nulidade da sentença, pretendendo a reabertura da audiência de instrução e julgamento para a oitiva das testemunhas que apontou em suas razões recursais.
No mérito, afirmam que “não praticaram qualquer irregularidade, pois os pagamentos eram realizados indiscriminadamente, sem privilégios, a todos que tinham (sic) direito e aceitavam o pagamento parcelado”. Portanto, alegam que não violaram os princípios da Administração Pública, em especial ao princípio da impessoalidade.
Ressaltam que o valor devido ao réu Luiz Alberto Jardim Nocchi, por se tratar de crédito de natureza alimentícia, não se submete à regra do artigo 100 da Constituição Federal, que determina a obediência à ordem cronológica de pagamento de precatórios requistórios. Ainda, sustentam que não ocorreu qualquer dano ao município, porquanto o pagamento baseou-se em uma decisão judicial. Dizem ainda, que não houve a configuração do dolo ou culpa em suas condutas, o que demonstra que os apelantes não praticaram qualquer ato de improbidade administrativa.
Por fim, requer o provimento do recurso para declarar a nulidade da sentença por violação do devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa em razão do julgamento antecipado da lide, determinando-se a reabertura da instrução processual para a produção da prova testemunhal requerida.
Se não for este o entendimento, pedem o julgamento pela improcedência da ação civil pública em razão dos apelantes não terem auferido qualquer vantagem patrimonial indevida, eis que os valores pagos correspondem a condenação imposta ao Município de Doutor Camargo, já transitada em julgado ou ainda, pela improcedência da ação ante a inexistência de qualquer prejuízo ao erário municipal. Com o recurso foram juntados os documentos de fls.283/288.
O recurso de Apelação foi recebido nos seus devidos efeitos (fls.290).
Devidamente intimados, a 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Maringá e o Município de Doutor Camargo responderam aos termos do recurso (fls.292/299) e (fls. 318/319) razões estas apresentadas inicialmente por fac-símile e, posteriormente trouxe as peças no original em (fls.340/351), pugnando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
Com vista dos autos, a douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se em fls.357/373, pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
Após, vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Voto.
Observados os pressupostos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.
Cuida-se de recurso de Apelação Cível interposto por Paulo Roberto Jardim Nocchi e Luiz Alberto Jardim Nocchi, os quais pretendem a reforma da sentença prolatada às fls. 250/266, que julgou procedente o pedido inicial formulado pelo Ministério Público Estadual ao condená-los solidariamente com base no artigo 11, da Lei de Improbidade Administrativa.
O Juízo singular determinou: i) a perda da função pública que exercem, se ainda estiverem exercendo alguma; ii) a suspensão dos direitos políticos por 05 (cinco anos); iii) o pagamento, cada um, de multa civil de 03 (três) vezes o valor bruto da remuneração mensal recebida pelos requeridos na data do ilegal pagamento da última parcela (setembro de 2002) corrigido monetariamente a partir da sentença e acrescida de juros moratórios legais a contar da citação; iv) a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) anos; v) o ressarcimento integral do dano, a saber, R$ 11.579,56 (onze mil quinhentos e setenta e nove reais e cinquenta e seis centavos), devidamente corrigido monetariamente e acrescido de juros legais, a partir de seu recebimento, tudo com base no artigo 269, Inciso I, do Código de Processo Civil.
Infere-se do caderno processual que o Apelante Paulo Roberto Jardim Nocchi, na condição de Prefeito do Município de Doutor Camargo, eleito para a gestão administrativa 2001/2004, realizou pagamento de um débito da municipalidade em favor de Luiz Alberto Jardim Nocchi, ocupante do cargo de Chefe de Gabinete, no valor de R$ 11.579,56 (onze mil quinhentos e setenta e nove reais e cinquenta e seis centavos) decorrente de acordo celebrado nos autos n.º 776/97 de Ação Monitória, em desrespeito à ordem cronológica dos precatórios.
Esse fato tornou-se conhecido da Promotoria de Proteção ao Patrimônio Público, por meio de ofício subscrito pela Juíza de Direito da 5ª Vara Cível de Maringá, razão pela qual foi instaurado Inquérito Civil de n.º 04/2003 (fls. 55/119), no qual restou verificada a ocorrência de ato de improbidade praticado pelos Apelantes.
Em razão disso, o Ministério Público Estadual interpôs a presente Ação Civil Pública de Responsabilidade por ato de Improbidade Administrativa.
A insurgência recursal cinge-se, portanto, à análise da arguição preliminar de cerceamento de defesa em decorrência do julgamento antecipado da lide. Os Apelantes consideram que houve negativa de prestação jurisdicional, motivo pelo qual pretendem a nulidade da sentença. Em relação ao mérito, sustentam que os valores pagos ao Apelante Luiz Alberto Jardim Nocchi corresponderiam a créditos alimentícios e que não estariam sujeitos ao artigo 100 da Constituição Federal. Além disso, alegam que não haveria dolo ou culpa no ato perpetrado, pretendendo a reforma da decisão recorrida.
Assim, passemos diretamente à análise dos pontos aventados pelos Recorrentes.
* NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA
Os Apelantes sustentam a ocorrência de nulidade da sentença por cerceamento de defesa amparados pelo artigo 5º, Incisos LIV e LV, da Constituição Federal. Afirmam que pretendiam a produção de provas em favor dos argumentos apresentados nos autos do processo em epígrafe mediante a oitiva testemunhal, o que foi obstado dado ao julgamento antecipado da lide.
Colacionam ao Apelo trechos dos depoimentos das testemunhas de defesa realizados nos autos da Ação Criminal movida em face de ambos, autuada sob o n.º 2005.918-2, em trâmite perante a Vara Criminal da Comarca de Maringá para enfatizar que dita prova seria imprescindível ao deslinde do feito.
Nas razões recursais os Apelantes sustentam que a prova testemunhal requerida permitiria a demonstração de que os precatórios pendentes no Tribunal de Justiça deste Estado já estavam pagos e que não haveria qualquer irregularidade no pagamento realizado.
Não assiste razão aos Apelantes.
O Juízo de Primeiro Grau pautou-se nos documentos que se encontram nos autos, os quais foram suficientes ao deslinde do feito.
Adita-se que o magistrado tem o dever de julgar prontamente o pedido quando este vislumbrar a desnecessidade de produção de outras provas frente a matérias exclusivas de direito ou verificáveis por simples análise dos documentos que compõem os autos e estando manifesta a impropriedade da prova requerida.
Essa é a inteligência do artigo 330, Inciso I, do Código de Processo Civil que assim orienta:
“Art. 330. O Juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:
I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;”
No caso em exame, o Juízo a quo respeitou os princípios da persuasão racional ao apresentar seu livre convencimento de forma motivada ante a farta instrução dos autos, nos termos consignado na decisão recorrida (fl. 253).
Neste sentido é a jurisprudência desta Corte de Justiça:
“(...) FARTA PROVA DOCUMENTAL E MANIFESTAÇÃO DAS PARTES. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. VALORAÇÃO DA PROVA. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO. PRUDENTE ARBÍTRIO DO JUÍZO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. (...) 4. O magistrado é o gestor da prova por excelência, pois a ele cabe escolher as provas necessárias à formação do seu convencimento, ou seja, como destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir da necessidade ou não de sua realização, e, via de conseqüência, valorá-la conforme seu prudente arbítrio. 5. “Suficientes os elementos dos autos para proferir a decisão, o julgamento antecipado da lide não implica cerceamento de defesa”. (STJ, REsp 445.438/SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em 08.10.2002, DJ 09.12.2002, p. 352). 6. Apelação conhecida e não provida.” (TJPR - Acórdão 10110 - ApCv 0425246-0 - 18ª Ccv - Rel. José Carlos Dalacqua - Julg.: 10/09/2008 - Publ.: 03/10/2008)
Os documentos acostados aos autos mostram-se suficientes para a solução do litígio apresentado no processo. Além disso, o magistrado não está obrigado a autorizar o pedido de instrução probatória calcada em oitiva testemunhal formulado pelas partes, se considerá-la inconveniente ou desnecessária à formação de seu convencimento, conforme orienta o princípio do livre convencimento motivado.
Frise-se que independentemente da quitação de precatórios anteriores à avença formulada entre os Apelantes, a conduta por eles praticada é ímproba.
Os Apelantes não respeitaram o procedimento do precatório estabelecido por Lei, fato que ofende aos princípios da legalidade, da moralidade e da indisponibilidade do interesse público, conforme evidenciam os documentos carreados ao caderno processual.
Aliás, o próprio Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná disciplina o pagamento de dívidas da Fazenda Pública que está obrigada a expedir precatório requisitório, conforme determina seus artigos 275 e 276, Parágrafo Único, in verbis:
Art. 275 - As requisições de pagamento das importâncias devidas pela Fazenda Pública Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, serão dirigidas ao Presidente do Tribunal pelo Juiz da execução, mediante precatórios. (Redação alterada pela Resolução nº 08/97, de 13/06/97 - DJE 26/06/97)
Art. 276 - ‘Omissis’.
Parágrafo único - O ofício de encaminhamento pelo juiz deverá mencionar a natureza do precatório (comum ou alimentar), o valor da requisição e a indicação de pessoa ou pessoas a quem deva ser pago.
Deste modo, ocorrendo ou não a preterição de outros credores, a conduta praticada pelos Apelantes é irregular e ímproba, eis que o procedimento adequado para a prestação devida pelo Município de Doutor Camargo não poderia ter sido descumprida, pois não se trata de crédito de pequeno valor, única exceção constitucional à formulação de precatório requisitório.
Assim, não há que se falar em cerceamento de defesa quando há prova documental dos fatos alegados. Inclusive, é descabida a oitiva de testemunhas ante a evidente ofensa aos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.
Logo, a abundância de documentos contidos nos autos, frente a discussão de matéria exclusiva de direito, não vulnera o artigo 5º, Incisos LIV e LV, da Carta Magna, tampouco enseja cerceamento de defesa ou ofensa ao devido processo legal, motivo pelo qual esta preliminar deve ser superada.
* Do mérito
O Apelo em análise está pautado nas alegações de que os Apelantes não teriam praticado quaisquer irregularidades, pois os pagamentos formulados em decorrência do acordo pactuado nos autos de ação monitória tinham caráter alimentar e, por isso, não se sujeitariam ao procedimento dos precatórios. Sustentam, ainda, que não teriam praticado qualquer ato culposo ou doloso que possa caracterizar ato de improbidade administrativa.
Suas razões não merecem prosperar.
Os argumentos dos Apelantes não dão contornos de legalidade à atuação do gestor público que realizou acordo e diligenciou nos autos de Ação Monitória estabelecido entre a municipalidade de Doutor Camargo, representada pelo Apelante Paulo Roberto Jardim Nocchi que pretendeu homologar judicialmente o valor pago a Luiz Alberto Jardim Nocchi, Chefe de Gabinete, no valor de 11.579,56 (onze mil quinhentos e setenta e nove reais e cinquenta e seis centavos) sem formação de precatório requisitório.
Referido ato é ilegal e arbitrário, ofendendo diretamente os ditames da probidade administrativa.
Não existe previsão legal que autorize a disponibilização de bens e interesses públicos ao seu livre arbítrio. Ao contrário, o princípio que norteia as relações administrativas, da indisponibilidade do interesse público, veda o procedimento adotado pelos Apelantes, sob pena de configuração de ato de improbidade.
Neste aspecto, é de se afastar a alegação dos Apelantes de que o referido valor referia-se a crédito de caráter alimentar o qual não estaria sujeito ao procedimento do precatório.
Em se tratando de interesse público impossível se faz a interpretação extensiva da norma. Restando definido na Constituição Federal que “...os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual e Municipal far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios...”, não há que se falar em ausência de ordem cronológica no pagamento dos débitos Municipais em favor do Apelante Luiz Alberto Jardim Nocchi.
Ademais, a prática ímproba restou amplamente demonstrada na decisão proferida nos autos de Ação Monitória sob n.º 776/1997 que não homologou o acordo entabulado entre o Município de Doutor Camargo e o Apelante Luiz Alberto Jardim Nocchi, conforme explicitado:
“Os pagamentos, da forma como foram feitos, desobedeceram o comando do art. 100 da Constituição Federal, e não observada a ordem cronológica dos precatórios.
A norma é cogente e não cabia às partes, mediante acordo, transgredi-lo.
Por tais razões, indefiro o pedido de homologação do acordo realizado entre os litigantes, e determino que se proceda a intimação de Luiz A. Jardim Nocchi, para que devolva as importâncias que percebeu, devidamente corrigida, em 5 dias.
Oficie-se ao Promotor de Justiça que atua na defesa do Patrimônio Público, juntando-se cópias de fls. 225/230, 235/236, 242, 243, 246, 263/264, 269/274, 289/290, 298/302.” (fl. 83-verso)
Ora, o ato perpetrado pelos Apelantes configura, inclusive, desrespeito da indisponibilidade do interesse público, que decorre do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.
Especificamente sobre o princípio da indisponibilidade do interesse público, é oportuna e pontual a transcrição de lição de Raquel de Melo Urbano de CARVALHO1:
“Ao analisar a supremacia do interesse público, assentou-se que os órgãos e entidades estatais são meros instrumentos da necessária realização da função administrativa em cujo exercício são concretizados os fins superiores destinados ao beneficio social. Com base na premissa de que a Administração não titulariza os interesse públicos primários, é lugar comum afirmar a indisponibilidade de tais interesses pelo agente encarregado de, na sua gestão, protegê-los. Quem detém apenas poderes instrumentais à sua consecução de um dado fim não possui, em princípio, a prerrogativa de deles abrir mão, donde resulta a idéia de indisponibilidade do interesse público.
(...)
A indisponibilidade deste interesse quer dizer obediência obsequiosa aos direitos fundamentais e aos valores constitucionais eleitos pelo constituinte embrionário. Indisponibilidade, no contexto do Direito Administrativo, deixa de ser só ato de não poder dispor com liberdade dos deveres entregues à tutela do administrador. Torna-se, também é dever “de prover a coisa pública com eqüidade, isonomia, publicidade, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, enfim, com todos os demais princípios explícitos e implícitos, enraizados no direito administrativo, que são afluentes do princípio da indisponibilidade do interesse público”2.
A indisponibilidade, sob este prisma, surge como um princípio impeditivo de qualquer conduta de um agente público que leve à flexibilização na incidência direta das normas administrativas favoráveis ao Estado. Assim sendo, proíbe-se à Administração realizar qualquer acordo quanto aos créditos que possa possuir perante terceiros, entendimento que afasta institutos como a arbitragem e até mesmo audiências de conciliação, quando uma das partes é um ente federativo ou pessoa administrativa submetida a regime jurídico de direito público.”
Diante desse conceito, conclui-se indubitavelmente que estava o Apelante Paulo Roberto Jardim Nocchi na condição de administrador do Município, impedido de realizar o acordo objeto da Ação Monitória sob n.º 776/97 em desrespeito ao procedimento do precatório exigido pelo artigo 100 da Constituição Federal, acarretando na ofensa ao princípio da indisponibilidade do interesse público.
Ao contrário do que alegam os Apelantes, era por dever necessário formar precatório requisitório do valor conferido ao Apelante Luiz Alberto Jardim Nucchi, para então proceder ao pagamento em respeito à ordem cronológica dos precatórios da Comuna.
O administrador público, mais do que ninguém, precisa se submeter aos ditames da legalidade dos atos administrativos, na forma do artigo 37 da Constituição Federal e artigo 4º da Lei nº 8.429/92:
“Art. 4º Os agente públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhes são afetos.”
Sobre o assunto colaciona-se o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. SERVIDOR CONTRATADO SEM CONCURSO. DEMISSÃO. ATO ILÍCITO. INDENIZAÇÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. (...) 3. O princípio da supremacia do interesse público impede a Administração de dispor dos interesses públicos, cuja guarda lhe é atribuída por lei, tendo tal poder caráter de poder-dever, não podendo deixar de exercê-lo. Por sua vez, o poder de autotutela impõe à Administração o controle sobre seus próprios atos, sendo-lhe permitido, inclusive, anular os ilegais e revogar os inconvenientes e inoportunos. Súmulas 346 e 473/STF. (...) (REsp 492905/MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 07/11/2006, DJ 27/11/2006 p. 303)
Com efeito, o ato praticado pelos Apelantes, por ter desrespeitado os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, dentre outros, tornou-se ato arbitrário e ilegal que não pode prevalecer, ainda que não tenha havido dolo por parte do administrador.
Ao tratar dos atos discricionários, o saudoso Hely Lopes MEIRELLES3 os distingue dos atos arbitrários, cujo escólio merece transcrição:
“Já temos acentuado, e insistimos mais uma vez, que o ato discricionário não se confunde com ato arbitrário. Discrição e arbítrio são conceitos inteiramente diversos. Discrição é liberdade de ação dentro dos limites legais; arbítrio é ação contrária ou excedente da lei. Ato discricionário, portanto, quando permitido pelo Direito, é legal e válido; ato arbitrário é, sempre e sempre, ilegítimo e inválido”.
Além do artigo 100 da Constituição Federal, o artigo 67, da Lei 4.320/1964 é expresso no sentido de que para o pagamento de dívidas da Fazenda Pública impõe-se a expedição de precatório requisitório
“Art. 67. Os pagamentos devidos pela Fazenda Pública, em virtude de sentença judiciária far-se-ão na ordem de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, sendo proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais em abertos para esse fim.”
Agir em contrariedade ao disposto gera crime de responsabilidade, conforme orienta o Decreto-Lei 201/1967 em seu artigo 1º, caput, Incisos XII e XIV:
“Art. 1º. São crimes de responsabilidade dos prefeitos municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
(...)
XII - antecipar ou inverter a ordem do pagamento a credores do município, sem vantagem para o erário;
(...)
XIV - negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente.”
Portanto, resta configurada a prática de improbidade administrativa ante o desrespeito ao Ordenamento Jurídico, pois inclusive os créditos de natureza alimentícia segue o procedimento de expedição de precatório, conforme determina a Súmula 655 do Supremo Tribunal Federal: “A exceção prevista no art. 100, caput, da Constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentá-los da observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza.”
Assim, no caso da Ação Monitória em que restou verificada a improbidade, competiria a expedição de ofício ao Sr. Presidente deste Tribunal de Justiça, pugnando o recebimento dos valores, para que este determinasse ao Município de Doutor Camargo o processamento do precatório requisitório, com a inclusão deste no Orçamento Municipal, respeitada a ordem cronológica de apresentação.
Em razão disso, o fato praticado pelos Apelantes se amolda perfeitamente ao disposto no artigo 11, caput e Inciso I, da Lei n.º 8.429/1992, que preconiza:
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;”
Conforme anteriormente explicitado, os Apelantes violaram o artigo 67 da Lei 4.320/1964 e o artigo 100 da Constituição Federal, motivo pelo qual resta evidente a ilegalidade e reprovabilidade do ato praticado por ambos.
Em relação ao dolo corroborado pelos Apelantes, cabe transcrever as palavras do ilustre Promotor de Justiça Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini:
“...fazendo um pararelo com o Direito Penal, para que fosse excluído o dolo das condutas dos agentes, seria necessário, a rigor, a presença de uma das causas excludentes de ilicitude, quais sejam: a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular do direito, o que, notadamente, não se verifica no caso em tela.
Ademais, seguindo a regra do ônus probatório, previsto no artigo 333 do Código de Processo Civil, caberia aos réus comprovarem a ausência de dolo em suas condutas, tarefa da qual não se desincumbiram, restringindo-se os apelantes a tecerem considerações vagas, sem qualquer respaldo no conjunto probatório, sendo inviável o afastamento do elemento subjetivo de seus comportamentos (dolo).” (fl. 370)
Sobre esta temática o Superior Tribunal de Justiça tem o posicionamento de que por mais que reste ausente a demonstração de dolo ou culpa na conduta daquele que pratica ato de improbidade, ainda assim ela fica evidenciada em relação aos atos incidentes no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, observe:
“(...) IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LESÃO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO (...) 3. Em princípio, a lesão a princípios administrativos contida no art. 11 da Lei nº 8.429/92 não exige dolo ou culpa na conduta do agente, nem prova da lesão ao erário público. Basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para restar configurado o ato de improbidade. Caso reste demonstrada a lesão, e somente neste caso, o inciso III, do art. 12 da Lei nº 8.429/92 autoriza seja o agente público condenado a ressarcir o erário. 4. A conduta do recorrido, ao contratar e manter servidores sem concurso público na Administração, amolda-se ao caput do art. 11 da Lei nº 8.429/92, ainda que o serviço público tenha sido devidamente prestado, bem como não tenha havido má-fé na conduta do administrador. 5. Não havendo prova de dano ao erário, não há que se falar em ressarcimento, nos termos da primeira parte do inciso III do art. 12 da Lei 8.429/92. As demais penalidades, inclusive a multa civil, que não ostenta feição indenizatória, são perfeitamente compatíveis com os atos de improbidade tipificados no art. 11 da Lei 8.429/92 (lesão aos princípios administrativos). 6. Acórdão reformado, fixando-se a multa civil em três vezes o valor da remuneração recebida no último ano de mandato. 7. Recurso especial conhecido em parte e provido também em parte. (STJ - REsp 988.374/MG - 2ª Turma - Rel. Ministro Castro Meira - Julg.: 06/05/2008 - Publ.: DJe 16/05/2008)
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. (...) IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LESÃO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. (...) 2. A lesão a princípios administrativos contida no art. 11 da Lei nº 8.429/92 não exige dolo ou culpa na conduta do agente, nem prova da lesão ao erário público. Basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para restar configurado o ato de improbidade. Caso reste demonstrada a lesão, e somente neste caso, o inciso III, do art. 12 da Lei n.º 8.429/92 autoriza seja o agente público condenado a ressarcir o erário. 3. Se não houver lesão, ou se esta não restar demonstrada, o agente poderá ser condenado às demais sanções previstas no dispositivo como a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos, a impossibilidade de contratar com a administração pública por determinado período de tempo, dentre outras. 4. In casu, face à inexistência de lesividade ao erário público, é incabível a incidência da pena de multa, bem como de ressarcimento aos cofres públicos, sob pena de enriquecimento ilícito da municipalidade. 5. Recurso especial conhecido em parte e provido. (STJ - REsp 717.375/PR - 2ª Turma - Rel. Ministro Castro Meira - Julg.: 25/04/2006 - Publ.: DJ 08/05/2006 p. 182)
No caso, como houve explícita demonstração da lesão ao erário, inclusive o dolo ante a ofensa aos dispositivos legais referentes ao procedimento do precatório frente à indisponibilidade do interesse público, motivo pelo qual se torna apta a aplicabilidade de todas as sanções previstas no dispositivo legal do artigo 12, Inciso III, da Lei 8.429/1992, nos moldes fixados pela decisão recorrida.
Desta Corte destaca-se o seguinte julgado sobre o assunto:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROPIDADE ADMINISTRATIVA. ARTIGO 12, INCISOS II E III DA LEI DE Nº 8.429/92. PREFEITO MUNICIPAL. EMISSÃO DE ‘NOTAS DE PAGAMENTO DE EMPENHO’ E EFETIVO PAGAMENTO COM DINHEIRO PÚBLICO DE DESPESAS ESTRANHAS AO INTERESSE PÚBLICO. (...) OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. LEGALIDADE. MORALIDADE. IMPESSOALIDADE. APLICAÇÃO DA PENA. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. (...) 2. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade das instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência. Inteligência do artigo 11, inciso I, da Lei de nº 8.429/1992.(...)” (TJPR - Acórdão 22516 ApCv 0407581-6 - 5ª CCv - Rel. José Carlos Dalacqua - Julg.: 22/09/2008 - Publ.: 31/10/2008)
Por estas razões, a sentença recorrida não merece qualquer reforma. Assim, superada a preliminar de cerceamento de defesa e afastadas todas as alegações do mérito recursal, o voto é pelo conhecimento e desprovimento do Apelo.
Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e desprover o Apelo, nos termos do voto da Relatora.
Presidiu o julgamento a Desembargadora Regina Afonso Portes, sem voto, tendo dele participado o Desembargador Abraham Lincoln Calixto e o Juiz Substituto em Segundo Grau Fábio André Santos Muniz.
Curitiba, 25 de agosto de 2009.
MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA
Desembargadora Relatora
1 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo, Salvador: Ed. Podivm, 2008, p. 72.
2 Citação de Manoel Messias Peixinho, in Os princípios da Constituição de 1988.
3 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 33.ª ed. - São Paulo : Malheiros, 2007, p. 169.
COMARCA DE MARINGÁ - 5ª. VARA CÍVEL
APELANTES: PAULO ROBERTO JARDIM NOCCHI E OUTRO
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
RELATORA: DESEMBARGADORA MARIA APARECIDA
BLANCO DE LIMA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA MANEJADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. DECISÃO QUE CONDENOU SOLIDARIAMENTE OS APELANTES COM BASE NO ARTIGO 11 DA LEI N.º 8.429/1992.
ARGUIÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA POR JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE SUPERADA. NÃO HÁ CERCEAMENTO DE DEFESA QUANDO EXISTE FARTA PROVA DOCUMENTAL NOS AUTOS E A MATÉRIA É EXCLUSIVA DE DIREITO. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. PRECEDENTES.
OS PAGAMENTOS FORMULADOS PELO PREFEITO DA COMUNA AO CHEFE DE GABINETE EM DECORRÊNCIA DE ACORDO PACTUADO NOS AUTOS DE AÇÃO MONITÓRIA MANEJADA PELO SEGUNDO OFENDE A INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO, A LEGALIDADE E A MORALIDADE. EVIDENTE DESRESPEITO AO PROCEDIMENTO DE PRECATÓRIO REQUISITÓRIO IMPOSTO À FAZENDA PÚBLICA. LESÃO AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS CONTIDOS NO ARTIGO 11 DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANO AO ERÁRIO DEMONSTRADO. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 418002-7, da 5ª Vara Cível da Comarca de Maringá, em que é Apelante Paulo Roberto Jardim Nocchi e Outro, sendo Apelado o Ministério Público do Estado do Paraná.
Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por Paulo Roberto Jardim Nocchi e Luiz Alberto Jardim Nocchi, voltado contra a r. sentença de fls.250/266, proferida nos autos nº 640/2003 de Ação Civil Pública de Responsabilidade por Ato de Improbidade Administrativa movida pelo Ministério Público do Estado do Paraná, que julgou procedente o pedido para o fim de condenar os apelantes solidariamente pela prática de ato de improbidade administrativa previsto no artigo11, Inciso I, da Lei nº 8.420/92, consistentes na perda da função pública que exercem; na suspensão dos direitos políticos por 5 anos; ao pagamento, cada um, de multa civil de 03 vezes o valor bruto da remuneração mensal recebida pelos requeridos, na data do ilegal pagamento da última parcela (setembro de 2002) corrigido monetariamente a partir de então e acrescida de juros moratórios legais a contar da citação, valor este a ser apurado em liquidação de sentença por mero cálculo; a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio da pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 anos; ao ressarcimento integral do dano no valor de R$ 11.579.56, devidamente corrigido monetariamente e acrescido de juros legais, a partir de seu recebimento, com base no artigo 269, Inciso I, do Código de Processo Civil.
Pelo princípio da sucumbência, condenou os requeridos solidariamente ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados estes em 15% sobre o valor da condenação previstas nos itens “c” e “e”, atento ao artigo 20, parágrafo 3º e suas alíneas do CPC.
Quanto aos honorários advocatícios, anotou que o valor deve ser recolhido ao Fundo Especial do Ministério Público, com base no artigo 118, Inciso II, alínea “a” e Lei Estadual nº 12241/98.
Inconformados, recorreram os Apelantes Paulo Roberto Jardim Nocchi e Luiz Alberto Jardim Nocchi, alegando preliminarmente, em suas razões de fls.269/282, a nulidade da sentença, pois consideram que ao julgar antecipadamente a lide, o magistrado de primeiro grau ofendeu os princípios do devido processo legal e negou prestação jurisdicional, cerceando a defesa dos réus, impedindo a defesa de demonstrar que os precatórios que se encontravam supostamente pendentes de pagamento perante o Tribunal de Justiça, tinham sido pagos e que o Apelante Paulo Roberto não era irmão do Apelante Luiz Alberto, fato que poderia ser esclarecido com a realização da audiência de instrução e julgamento.
Em seguida trazem cópias de declarações colhidas em sede de ação criminal sobre os mesmos fatos, tudo com a finalidade de buscar o convencimento para a nulidade da sentença, pretendendo a reabertura da audiência de instrução e julgamento para a oitiva das testemunhas que apontou em suas razões recursais.
No mérito, afirmam que “não praticaram qualquer irregularidade, pois os pagamentos eram realizados indiscriminadamente, sem privilégios, a todos que tinham (sic) direito e aceitavam o pagamento parcelado”. Portanto, alegam que não violaram os princípios da Administração Pública, em especial ao princípio da impessoalidade.
Ressaltam que o valor devido ao réu Luiz Alberto Jardim Nocchi, por se tratar de crédito de natureza alimentícia, não se submete à regra do artigo 100 da Constituição Federal, que determina a obediência à ordem cronológica de pagamento de precatórios requistórios. Ainda, sustentam que não ocorreu qualquer dano ao município, porquanto o pagamento baseou-se em uma decisão judicial. Dizem ainda, que não houve a configuração do dolo ou culpa em suas condutas, o que demonstra que os apelantes não praticaram qualquer ato de improbidade administrativa.
Por fim, requer o provimento do recurso para declarar a nulidade da sentença por violação do devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa em razão do julgamento antecipado da lide, determinando-se a reabertura da instrução processual para a produção da prova testemunhal requerida.
Se não for este o entendimento, pedem o julgamento pela improcedência da ação civil pública em razão dos apelantes não terem auferido qualquer vantagem patrimonial indevida, eis que os valores pagos correspondem a condenação imposta ao Município de Doutor Camargo, já transitada em julgado ou ainda, pela improcedência da ação ante a inexistência de qualquer prejuízo ao erário municipal. Com o recurso foram juntados os documentos de fls.283/288.
O recurso de Apelação foi recebido nos seus devidos efeitos (fls.290).
Devidamente intimados, a 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Maringá e o Município de Doutor Camargo responderam aos termos do recurso (fls.292/299) e (fls. 318/319) razões estas apresentadas inicialmente por fac-símile e, posteriormente trouxe as peças no original em (fls.340/351), pugnando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
Com vista dos autos, a douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se em fls.357/373, pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
Após, vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Voto.
Observados os pressupostos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.
Cuida-se de recurso de Apelação Cível interposto por Paulo Roberto Jardim Nocchi e Luiz Alberto Jardim Nocchi, os quais pretendem a reforma da sentença prolatada às fls. 250/266, que julgou procedente o pedido inicial formulado pelo Ministério Público Estadual ao condená-los solidariamente com base no artigo 11, da Lei de Improbidade Administrativa.
O Juízo singular determinou: i) a perda da função pública que exercem, se ainda estiverem exercendo alguma; ii) a suspensão dos direitos políticos por 05 (cinco anos); iii) o pagamento, cada um, de multa civil de 03 (três) vezes o valor bruto da remuneração mensal recebida pelos requeridos na data do ilegal pagamento da última parcela (setembro de 2002) corrigido monetariamente a partir da sentença e acrescida de juros moratórios legais a contar da citação; iv) a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) anos; v) o ressarcimento integral do dano, a saber, R$ 11.579,56 (onze mil quinhentos e setenta e nove reais e cinquenta e seis centavos), devidamente corrigido monetariamente e acrescido de juros legais, a partir de seu recebimento, tudo com base no artigo 269, Inciso I, do Código de Processo Civil.
Infere-se do caderno processual que o Apelante Paulo Roberto Jardim Nocchi, na condição de Prefeito do Município de Doutor Camargo, eleito para a gestão administrativa 2001/2004, realizou pagamento de um débito da municipalidade em favor de Luiz Alberto Jardim Nocchi, ocupante do cargo de Chefe de Gabinete, no valor de R$ 11.579,56 (onze mil quinhentos e setenta e nove reais e cinquenta e seis centavos) decorrente de acordo celebrado nos autos n.º 776/97 de Ação Monitória, em desrespeito à ordem cronológica dos precatórios.
Esse fato tornou-se conhecido da Promotoria de Proteção ao Patrimônio Público, por meio de ofício subscrito pela Juíza de Direito da 5ª Vara Cível de Maringá, razão pela qual foi instaurado Inquérito Civil de n.º 04/2003 (fls. 55/119), no qual restou verificada a ocorrência de ato de improbidade praticado pelos Apelantes.
Em razão disso, o Ministério Público Estadual interpôs a presente Ação Civil Pública de Responsabilidade por ato de Improbidade Administrativa.
A insurgência recursal cinge-se, portanto, à análise da arguição preliminar de cerceamento de defesa em decorrência do julgamento antecipado da lide. Os Apelantes consideram que houve negativa de prestação jurisdicional, motivo pelo qual pretendem a nulidade da sentença. Em relação ao mérito, sustentam que os valores pagos ao Apelante Luiz Alberto Jardim Nocchi corresponderiam a créditos alimentícios e que não estariam sujeitos ao artigo 100 da Constituição Federal. Além disso, alegam que não haveria dolo ou culpa no ato perpetrado, pretendendo a reforma da decisão recorrida.
Assim, passemos diretamente à análise dos pontos aventados pelos Recorrentes.
* NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA
Os Apelantes sustentam a ocorrência de nulidade da sentença por cerceamento de defesa amparados pelo artigo 5º, Incisos LIV e LV, da Constituição Federal. Afirmam que pretendiam a produção de provas em favor dos argumentos apresentados nos autos do processo em epígrafe mediante a oitiva testemunhal, o que foi obstado dado ao julgamento antecipado da lide.
Colacionam ao Apelo trechos dos depoimentos das testemunhas de defesa realizados nos autos da Ação Criminal movida em face de ambos, autuada sob o n.º 2005.918-2, em trâmite perante a Vara Criminal da Comarca de Maringá para enfatizar que dita prova seria imprescindível ao deslinde do feito.
Nas razões recursais os Apelantes sustentam que a prova testemunhal requerida permitiria a demonstração de que os precatórios pendentes no Tribunal de Justiça deste Estado já estavam pagos e que não haveria qualquer irregularidade no pagamento realizado.
Não assiste razão aos Apelantes.
O Juízo de Primeiro Grau pautou-se nos documentos que se encontram nos autos, os quais foram suficientes ao deslinde do feito.
Adita-se que o magistrado tem o dever de julgar prontamente o pedido quando este vislumbrar a desnecessidade de produção de outras provas frente a matérias exclusivas de direito ou verificáveis por simples análise dos documentos que compõem os autos e estando manifesta a impropriedade da prova requerida.
Essa é a inteligência do artigo 330, Inciso I, do Código de Processo Civil que assim orienta:
“Art. 330. O Juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:
I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;”
No caso em exame, o Juízo a quo respeitou os princípios da persuasão racional ao apresentar seu livre convencimento de forma motivada ante a farta instrução dos autos, nos termos consignado na decisão recorrida (fl. 253).
Neste sentido é a jurisprudência desta Corte de Justiça:
“(...) FARTA PROVA DOCUMENTAL E MANIFESTAÇÃO DAS PARTES. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. VALORAÇÃO DA PROVA. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO. PRUDENTE ARBÍTRIO DO JUÍZO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. (...) 4. O magistrado é o gestor da prova por excelência, pois a ele cabe escolher as provas necessárias à formação do seu convencimento, ou seja, como destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir da necessidade ou não de sua realização, e, via de conseqüência, valorá-la conforme seu prudente arbítrio. 5. “Suficientes os elementos dos autos para proferir a decisão, o julgamento antecipado da lide não implica cerceamento de defesa”. (STJ, REsp 445.438/SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em 08.10.2002, DJ 09.12.2002, p. 352). 6. Apelação conhecida e não provida.” (TJPR - Acórdão 10110 - ApCv 0425246-0 - 18ª Ccv - Rel. José Carlos Dalacqua - Julg.: 10/09/2008 - Publ.: 03/10/2008)
Os documentos acostados aos autos mostram-se suficientes para a solução do litígio apresentado no processo. Além disso, o magistrado não está obrigado a autorizar o pedido de instrução probatória calcada em oitiva testemunhal formulado pelas partes, se considerá-la inconveniente ou desnecessária à formação de seu convencimento, conforme orienta o princípio do livre convencimento motivado.
Frise-se que independentemente da quitação de precatórios anteriores à avença formulada entre os Apelantes, a conduta por eles praticada é ímproba.
Os Apelantes não respeitaram o procedimento do precatório estabelecido por Lei, fato que ofende aos princípios da legalidade, da moralidade e da indisponibilidade do interesse público, conforme evidenciam os documentos carreados ao caderno processual.
Aliás, o próprio Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná disciplina o pagamento de dívidas da Fazenda Pública que está obrigada a expedir precatório requisitório, conforme determina seus artigos 275 e 276, Parágrafo Único, in verbis:
Art. 275 - As requisições de pagamento das importâncias devidas pela Fazenda Pública Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, serão dirigidas ao Presidente do Tribunal pelo Juiz da execução, mediante precatórios. (Redação alterada pela Resolução nº 08/97, de 13/06/97 - DJE 26/06/97)
Art. 276 - ‘Omissis’.
Parágrafo único - O ofício de encaminhamento pelo juiz deverá mencionar a natureza do precatório (comum ou alimentar), o valor da requisição e a indicação de pessoa ou pessoas a quem deva ser pago.
Deste modo, ocorrendo ou não a preterição de outros credores, a conduta praticada pelos Apelantes é irregular e ímproba, eis que o procedimento adequado para a prestação devida pelo Município de Doutor Camargo não poderia ter sido descumprida, pois não se trata de crédito de pequeno valor, única exceção constitucional à formulação de precatório requisitório.
Assim, não há que se falar em cerceamento de defesa quando há prova documental dos fatos alegados. Inclusive, é descabida a oitiva de testemunhas ante a evidente ofensa aos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.
Logo, a abundância de documentos contidos nos autos, frente a discussão de matéria exclusiva de direito, não vulnera o artigo 5º, Incisos LIV e LV, da Carta Magna, tampouco enseja cerceamento de defesa ou ofensa ao devido processo legal, motivo pelo qual esta preliminar deve ser superada.
* Do mérito
O Apelo em análise está pautado nas alegações de que os Apelantes não teriam praticado quaisquer irregularidades, pois os pagamentos formulados em decorrência do acordo pactuado nos autos de ação monitória tinham caráter alimentar e, por isso, não se sujeitariam ao procedimento dos precatórios. Sustentam, ainda, que não teriam praticado qualquer ato culposo ou doloso que possa caracterizar ato de improbidade administrativa.
Suas razões não merecem prosperar.
Os argumentos dos Apelantes não dão contornos de legalidade à atuação do gestor público que realizou acordo e diligenciou nos autos de Ação Monitória estabelecido entre a municipalidade de Doutor Camargo, representada pelo Apelante Paulo Roberto Jardim Nocchi que pretendeu homologar judicialmente o valor pago a Luiz Alberto Jardim Nocchi, Chefe de Gabinete, no valor de 11.579,56 (onze mil quinhentos e setenta e nove reais e cinquenta e seis centavos) sem formação de precatório requisitório.
Referido ato é ilegal e arbitrário, ofendendo diretamente os ditames da probidade administrativa.
Não existe previsão legal que autorize a disponibilização de bens e interesses públicos ao seu livre arbítrio. Ao contrário, o princípio que norteia as relações administrativas, da indisponibilidade do interesse público, veda o procedimento adotado pelos Apelantes, sob pena de configuração de ato de improbidade.
Neste aspecto, é de se afastar a alegação dos Apelantes de que o referido valor referia-se a crédito de caráter alimentar o qual não estaria sujeito ao procedimento do precatório.
Em se tratando de interesse público impossível se faz a interpretação extensiva da norma. Restando definido na Constituição Federal que “...os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual e Municipal far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios...”, não há que se falar em ausência de ordem cronológica no pagamento dos débitos Municipais em favor do Apelante Luiz Alberto Jardim Nocchi.
Ademais, a prática ímproba restou amplamente demonstrada na decisão proferida nos autos de Ação Monitória sob n.º 776/1997 que não homologou o acordo entabulado entre o Município de Doutor Camargo e o Apelante Luiz Alberto Jardim Nocchi, conforme explicitado:
“Os pagamentos, da forma como foram feitos, desobedeceram o comando do art. 100 da Constituição Federal, e não observada a ordem cronológica dos precatórios.
A norma é cogente e não cabia às partes, mediante acordo, transgredi-lo.
Por tais razões, indefiro o pedido de homologação do acordo realizado entre os litigantes, e determino que se proceda a intimação de Luiz A. Jardim Nocchi, para que devolva as importâncias que percebeu, devidamente corrigida, em 5 dias.
Oficie-se ao Promotor de Justiça que atua na defesa do Patrimônio Público, juntando-se cópias de fls. 225/230, 235/236, 242, 243, 246, 263/264, 269/274, 289/290, 298/302.” (fl. 83-verso)
Ora, o ato perpetrado pelos Apelantes configura, inclusive, desrespeito da indisponibilidade do interesse público, que decorre do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.
Especificamente sobre o princípio da indisponibilidade do interesse público, é oportuna e pontual a transcrição de lição de Raquel de Melo Urbano de CARVALHO1:
“Ao analisar a supremacia do interesse público, assentou-se que os órgãos e entidades estatais são meros instrumentos da necessária realização da função administrativa em cujo exercício são concretizados os fins superiores destinados ao beneficio social. Com base na premissa de que a Administração não titulariza os interesse públicos primários, é lugar comum afirmar a indisponibilidade de tais interesses pelo agente encarregado de, na sua gestão, protegê-los. Quem detém apenas poderes instrumentais à sua consecução de um dado fim não possui, em princípio, a prerrogativa de deles abrir mão, donde resulta a idéia de indisponibilidade do interesse público.
(...)
A indisponibilidade deste interesse quer dizer obediência obsequiosa aos direitos fundamentais e aos valores constitucionais eleitos pelo constituinte embrionário. Indisponibilidade, no contexto do Direito Administrativo, deixa de ser só ato de não poder dispor com liberdade dos deveres entregues à tutela do administrador. Torna-se, também é dever “de prover a coisa pública com eqüidade, isonomia, publicidade, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, enfim, com todos os demais princípios explícitos e implícitos, enraizados no direito administrativo, que são afluentes do princípio da indisponibilidade do interesse público”2.
A indisponibilidade, sob este prisma, surge como um princípio impeditivo de qualquer conduta de um agente público que leve à flexibilização na incidência direta das normas administrativas favoráveis ao Estado. Assim sendo, proíbe-se à Administração realizar qualquer acordo quanto aos créditos que possa possuir perante terceiros, entendimento que afasta institutos como a arbitragem e até mesmo audiências de conciliação, quando uma das partes é um ente federativo ou pessoa administrativa submetida a regime jurídico de direito público.”
Diante desse conceito, conclui-se indubitavelmente que estava o Apelante Paulo Roberto Jardim Nocchi na condição de administrador do Município, impedido de realizar o acordo objeto da Ação Monitória sob n.º 776/97 em desrespeito ao procedimento do precatório exigido pelo artigo 100 da Constituição Federal, acarretando na ofensa ao princípio da indisponibilidade do interesse público.
Ao contrário do que alegam os Apelantes, era por dever necessário formar precatório requisitório do valor conferido ao Apelante Luiz Alberto Jardim Nucchi, para então proceder ao pagamento em respeito à ordem cronológica dos precatórios da Comuna.
O administrador público, mais do que ninguém, precisa se submeter aos ditames da legalidade dos atos administrativos, na forma do artigo 37 da Constituição Federal e artigo 4º da Lei nº 8.429/92:
“Art. 4º Os agente públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhes são afetos.”
Sobre o assunto colaciona-se o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. SERVIDOR CONTRATADO SEM CONCURSO. DEMISSÃO. ATO ILÍCITO. INDENIZAÇÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. (...) 3. O princípio da supremacia do interesse público impede a Administração de dispor dos interesses públicos, cuja guarda lhe é atribuída por lei, tendo tal poder caráter de poder-dever, não podendo deixar de exercê-lo. Por sua vez, o poder de autotutela impõe à Administração o controle sobre seus próprios atos, sendo-lhe permitido, inclusive, anular os ilegais e revogar os inconvenientes e inoportunos. Súmulas 346 e 473/STF. (...) (REsp 492905/MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 07/11/2006, DJ 27/11/2006 p. 303)
Com efeito, o ato praticado pelos Apelantes, por ter desrespeitado os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, dentre outros, tornou-se ato arbitrário e ilegal que não pode prevalecer, ainda que não tenha havido dolo por parte do administrador.
Ao tratar dos atos discricionários, o saudoso Hely Lopes MEIRELLES3 os distingue dos atos arbitrários, cujo escólio merece transcrição:
“Já temos acentuado, e insistimos mais uma vez, que o ato discricionário não se confunde com ato arbitrário. Discrição e arbítrio são conceitos inteiramente diversos. Discrição é liberdade de ação dentro dos limites legais; arbítrio é ação contrária ou excedente da lei. Ato discricionário, portanto, quando permitido pelo Direito, é legal e válido; ato arbitrário é, sempre e sempre, ilegítimo e inválido”.
Além do artigo 100 da Constituição Federal, o artigo 67, da Lei 4.320/1964 é expresso no sentido de que para o pagamento de dívidas da Fazenda Pública impõe-se a expedição de precatório requisitório
“Art. 67. Os pagamentos devidos pela Fazenda Pública, em virtude de sentença judiciária far-se-ão na ordem de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, sendo proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais em abertos para esse fim.”
Agir em contrariedade ao disposto gera crime de responsabilidade, conforme orienta o Decreto-Lei 201/1967 em seu artigo 1º, caput, Incisos XII e XIV:
“Art. 1º. São crimes de responsabilidade dos prefeitos municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
(...)
XII - antecipar ou inverter a ordem do pagamento a credores do município, sem vantagem para o erário;
(...)
XIV - negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente.”
Portanto, resta configurada a prática de improbidade administrativa ante o desrespeito ao Ordenamento Jurídico, pois inclusive os créditos de natureza alimentícia segue o procedimento de expedição de precatório, conforme determina a Súmula 655 do Supremo Tribunal Federal: “A exceção prevista no art. 100, caput, da Constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentá-los da observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza.”
Assim, no caso da Ação Monitória em que restou verificada a improbidade, competiria a expedição de ofício ao Sr. Presidente deste Tribunal de Justiça, pugnando o recebimento dos valores, para que este determinasse ao Município de Doutor Camargo o processamento do precatório requisitório, com a inclusão deste no Orçamento Municipal, respeitada a ordem cronológica de apresentação.
Em razão disso, o fato praticado pelos Apelantes se amolda perfeitamente ao disposto no artigo 11, caput e Inciso I, da Lei n.º 8.429/1992, que preconiza:
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;”
Conforme anteriormente explicitado, os Apelantes violaram o artigo 67 da Lei 4.320/1964 e o artigo 100 da Constituição Federal, motivo pelo qual resta evidente a ilegalidade e reprovabilidade do ato praticado por ambos.
Em relação ao dolo corroborado pelos Apelantes, cabe transcrever as palavras do ilustre Promotor de Justiça Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini:
“...fazendo um pararelo com o Direito Penal, para que fosse excluído o dolo das condutas dos agentes, seria necessário, a rigor, a presença de uma das causas excludentes de ilicitude, quais sejam: a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular do direito, o que, notadamente, não se verifica no caso em tela.
Ademais, seguindo a regra do ônus probatório, previsto no artigo 333 do Código de Processo Civil, caberia aos réus comprovarem a ausência de dolo em suas condutas, tarefa da qual não se desincumbiram, restringindo-se os apelantes a tecerem considerações vagas, sem qualquer respaldo no conjunto probatório, sendo inviável o afastamento do elemento subjetivo de seus comportamentos (dolo).” (fl. 370)
Sobre esta temática o Superior Tribunal de Justiça tem o posicionamento de que por mais que reste ausente a demonstração de dolo ou culpa na conduta daquele que pratica ato de improbidade, ainda assim ela fica evidenciada em relação aos atos incidentes no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, observe:
“(...) IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LESÃO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO (...) 3. Em princípio, a lesão a princípios administrativos contida no art. 11 da Lei nº 8.429/92 não exige dolo ou culpa na conduta do agente, nem prova da lesão ao erário público. Basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para restar configurado o ato de improbidade. Caso reste demonstrada a lesão, e somente neste caso, o inciso III, do art. 12 da Lei nº 8.429/92 autoriza seja o agente público condenado a ressarcir o erário. 4. A conduta do recorrido, ao contratar e manter servidores sem concurso público na Administração, amolda-se ao caput do art. 11 da Lei nº 8.429/92, ainda que o serviço público tenha sido devidamente prestado, bem como não tenha havido má-fé na conduta do administrador. 5. Não havendo prova de dano ao erário, não há que se falar em ressarcimento, nos termos da primeira parte do inciso III do art. 12 da Lei 8.429/92. As demais penalidades, inclusive a multa civil, que não ostenta feição indenizatória, são perfeitamente compatíveis com os atos de improbidade tipificados no art. 11 da Lei 8.429/92 (lesão aos princípios administrativos). 6. Acórdão reformado, fixando-se a multa civil em três vezes o valor da remuneração recebida no último ano de mandato. 7. Recurso especial conhecido em parte e provido também em parte. (STJ - REsp 988.374/MG - 2ª Turma - Rel. Ministro Castro Meira - Julg.: 06/05/2008 - Publ.: DJe 16/05/2008)
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. (...) IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LESÃO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. (...) 2. A lesão a princípios administrativos contida no art. 11 da Lei nº 8.429/92 não exige dolo ou culpa na conduta do agente, nem prova da lesão ao erário público. Basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para restar configurado o ato de improbidade. Caso reste demonstrada a lesão, e somente neste caso, o inciso III, do art. 12 da Lei n.º 8.429/92 autoriza seja o agente público condenado a ressarcir o erário. 3. Se não houver lesão, ou se esta não restar demonstrada, o agente poderá ser condenado às demais sanções previstas no dispositivo como a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos, a impossibilidade de contratar com a administração pública por determinado período de tempo, dentre outras. 4. In casu, face à inexistência de lesividade ao erário público, é incabível a incidência da pena de multa, bem como de ressarcimento aos cofres públicos, sob pena de enriquecimento ilícito da municipalidade. 5. Recurso especial conhecido em parte e provido. (STJ - REsp 717.375/PR - 2ª Turma - Rel. Ministro Castro Meira - Julg.: 25/04/2006 - Publ.: DJ 08/05/2006 p. 182)
No caso, como houve explícita demonstração da lesão ao erário, inclusive o dolo ante a ofensa aos dispositivos legais referentes ao procedimento do precatório frente à indisponibilidade do interesse público, motivo pelo qual se torna apta a aplicabilidade de todas as sanções previstas no dispositivo legal do artigo 12, Inciso III, da Lei 8.429/1992, nos moldes fixados pela decisão recorrida.
Desta Corte destaca-se o seguinte julgado sobre o assunto:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROPIDADE ADMINISTRATIVA. ARTIGO 12, INCISOS II E III DA LEI DE Nº 8.429/92. PREFEITO MUNICIPAL. EMISSÃO DE ‘NOTAS DE PAGAMENTO DE EMPENHO’ E EFETIVO PAGAMENTO COM DINHEIRO PÚBLICO DE DESPESAS ESTRANHAS AO INTERESSE PÚBLICO. (...) OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. LEGALIDADE. MORALIDADE. IMPESSOALIDADE. APLICAÇÃO DA PENA. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. (...) 2. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade das instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência. Inteligência do artigo 11, inciso I, da Lei de nº 8.429/1992.(...)” (TJPR - Acórdão 22516 ApCv 0407581-6 - 5ª CCv - Rel. José Carlos Dalacqua - Julg.: 22/09/2008 - Publ.: 31/10/2008)
Por estas razões, a sentença recorrida não merece qualquer reforma. Assim, superada a preliminar de cerceamento de defesa e afastadas todas as alegações do mérito recursal, o voto é pelo conhecimento e desprovimento do Apelo.
Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e desprover o Apelo, nos termos do voto da Relatora.
Presidiu o julgamento a Desembargadora Regina Afonso Portes, sem voto, tendo dele participado o Desembargador Abraham Lincoln Calixto e o Juiz Substituto em Segundo Grau Fábio André Santos Muniz.
Curitiba, 25 de agosto de 2009.
MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA
Desembargadora Relatora
1 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo, Salvador: Ed. Podivm, 2008, p. 72.
2 Citação de Manoel Messias Peixinho, in Os princípios da Constituição de 1988.
3 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 33.ª ed. - São Paulo : Malheiros, 2007, p. 169.
<< Home