Apelação cível - Cláudio Soletti
APELAÇÃO CÍVEL N°422106-9
COMARCA DE TERRA RICA - VARA ÚNICA
APELANTE: CLÁUDIO DOMINGOS SOLETTI
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
INTERESSADO: MUNICÍPIO DE TERRA RICA
RELATORA: DESEMBARGADORA MARIA APARECIDA
BLANCO DE LIMA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL QUE OBJETIVA A CONDENAÇÃO DO APELANTE À ÉPOCA PREFEITO MUNICIPAL DE TERRA RICA POR TER GERADO PREJUÍZO AO ERÁRIO EM DECORRÊNCIA DE TER SE UTILIZADO DOS VALORES DECORRENTES DO FUNDO PREVIDENCIÁRIO MUNICIPAL (PRESOMTER), REPASSADO AO TESOURO MUNICIPAL ATRAVÉS DA LEI MUNICIPAL N.º 013/1997 NOS TERMOS ESTABELECIDOS PELA REFERIDA LEI.
INOCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE, DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. O AGENTE POLÍTICO NÃO PODE SER RESPONSABILIZADO PELA OPÇÃO POLÍTICA ADOTADA PELO PODER LEGISLATIVO MUNICIPAL, PRINCIPALMENTE QUANDO SEUS ATOS ESTÃO EXPRESSAMENTE PAUTADOS EM DETERMINAÇÃO LEGAL EM ASSUNTO EMINENTEMENTE DE INTERESSE LOCAL DA COMUNA (ARTIGO 30 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL).
AO PODER JUDICIÁRIO NÃO É DADA A FACULDADE DE SE IMISCUIR NAS OPÇÕES POLÍTICAS CONFERIDAS À VEREANÇA MUNICIPAL, TAMPOUCO O EX-PREFEITO DA MUNICIPALIDADE SERÁ CONSIDERADO ÍMPROBO EM DECORRÊNCIA DA APLICAÇÃO DE LEI APROVADA POR UNANIMIDADE NA CÂMARA LEGISLATIVA MUNICIPAL.
IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA SEM CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ANTE A AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. APELO CONHECIDO E PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 422106-9, da Vara Única da Comarca de Terra Rica, em que é Apelante Cláudio Domingos Soletti, sendo Apelado o Ministério Público do Estado do Paraná.
Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por Cláudio Domingos Soletti voltado contra a r. sentença proferida às fls. 1152/1159, que julgou procedente a Ação Civil Pública pela prática de Ato de Improbidade Administrativa movida pelo Ministério Público do Estado do Paraná contra o ora Apelante, condenando-o a devolver aos cofres públicos a quantia de R$ 4.476.370,04 devidamente atualizados, que seria o prejuízo causado ao erário público municipal, além da suspensão dos direitos políticos por 06 (seis ) anos e a proibição de contratar com o poder público, receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Deixou o magistrado de condenar o apelante em multa civil considerando que o mesmo não teria qualquer proveito patrimonial ou enriquecimento ilícito, apenas efetuando um negócio desastroso.
Confirmou ainda, a liminar concedida e condenou o requerido ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios que deverão ser revertidos para o fundo Especial do Ministério Público.
Desta decisão, foram opostos embargos declaratórios pelo recorrente Cláudio Domingos Soletti (fls1173/1175), os quais foram rejeitados pela decisão proferida às fls.1177.
Inconformado Cláudio Domingos Soletti recorreu (fls.1179/1205). Em suas razões recursais, sustentou o apelante que agiu em estrita observância à legislação municipal, uma vez que, após a edição da Lei n. 013/97, foi extinto o Fundo Previdenciário Municipal instituído pela Lei n. 002/1992 e as verbas provenientes deste fundo foram repassadas para os cofres do Município, de modo que nada há de ilegal na sua conduta de utilizar as referidas verbas para atender as necessidades da administração municipal. Além disso, alega que houve cerceamento de defesa, porquanto o mesmo sequer foi intimado para produzir as provas que lhe eram relevantes e sentindo-se lesado em seu direito de tentar provar por todos os meios a improcedência das acusações, pugna pela anulação da sentença.
Argumenta que não houve prejuízo ao erário em razão de sua conduta, uma vez que os valores do Fundo Previdenciário foram utilizados para pagamento de folha de salários de funcionários, tudo aprovado pela Câmara Municipal. Não houve, portanto, desvio de finalidade na aplicação dos recursos, afirmando que, em caso de condenação do réu, estar-se-ia proporcionando enriquecimento sem causa do Município. Por derradeiro, prequestiona o artigo 407 e seguintes do Código de Processo Civil, artigo5º, Inciso LV, da Constituição Federal e artigos 10, Inciso VI, IX e XI, e 11, Inciso I da Lei n. 8.429/92.
Finalmente, na hipótese de se considerar regular o hostilizado processo, requer o acolhimento do recurso para reformar a decisão combatida, por ser medida de Justiça.
Recebido o recurso em seus devidos efeitos (fls.1208), o representante do Ministério Público de 1º grau (fls.1209/1225), ofereceu as contra-razões, requerendo o conhecimento e desprovimento do recurso.
Com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça manifestou-se em fls.1252/1266, pelo conhecimento e o provimento do recurso.
Após, vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Voto.
Observados os pressupostos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.
Cuida-se de recurso de Apelação Cível manejado por Cláudio Domingos Soletti que objetiva a reforma da decisão singular que o condenou nos termos do pleito formulado na Ação Civil Pública por atos de Improbidade Administrativa promovida pelo Ministério Público do Estado do Paraná.
O Recorrente sustenta que não incidiu em atos de improbidade administrativa, vez que teria atendido às expressas determinações legais em relação ao Fundo de Previdência própria do Município de Terra Rica.
Verifica-se que a Lei Municipal n.º 02/1992 teria instituído o regime previdenciário dos servidores públicos do Município de Terra Rica, criando o PRESOMTER - Fundo Previdenciário Municipal, o qual em 1997, através da Câmara Municipal de Vereadores foi extinto através da Lei 13/1997, quando o saldo em conta foi revertido ao Tesouro Municipal.
Sustenta que apenas por duas vezes, através da autorização legal sob n.º 24/1997 e 25/1997 teria empregado dinheiro proveniente do extinto fundo de previdência no pagamento de salário dos servidores e que não teria havido apropriação indevida dos recursos em benefício próprio ou de terceiros, motivo pelo qual não haveria cometimento de atos de improbidade Administrativa.
Argumenta, ainda, que a extinção do referido fundo precedeu a legislação regulamentadora provinda da Lei Federal n.º 9.717/1998 e da própria Emenda Constitucional n.º 20/1998, sendo estas as legislações tendentes a regular o sistema previdenciário próprio.
Quanto aos descontos previdenciários, enfatiza que estes foram previstos na Lei Municipal n.º 13/1997.
Alega, ainda, a ocorrência de cerceamento de defesa no que tange à produção de provas em direito admitidos, tais como o depoimento das partes, oitiva de testemunhas e perícia contábil, vez que o Magistrado singular sequer intimou o Apelante para produzi-las, afrontando o princípio constitucional insculpido no artigo 5º, Inciso LV da Lei Fundamental.
Feitas estas considerações, passa-se à análise do caso em mesa:
* Cerceamento de defesa
A ausência de colheita do depoimento das partes, de oitiva testemunhal e de realização da sugerida perícia contábil são inócuas ao deslinde do feito.
O Juízo de Primeiro Grau fez constar os seguintes termos na decisão recorrida: “Questão unicamente de direito, pois as provas em matéria como a dos autos se fazem por documentos, não se admitindo prova testemunhal no presente caso, que não tem o poder de elidir documentação pública.” (fl. 1154).
Evidentemente, o Magistrado deve julgar prontamente o pedido quando verificar a desnecessidade da produção de outras provas frente a matérias exclusivas de direito ou verificáveis por simples análise dos documentos que compõem os autos, ante a manifesta a impropriedade da prova requerida.
Essa é a inteligência do artigo 330, Inciso I, do Código de Processo Civil que assim orienta:
“Art. 330. O Juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:
I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;”
No caso em exame, o Juízo a quo respeitou os princípios da persuasão racional ao apresentar seu livre convencimento de forma motivada ante a farta instrução dos autos, nos termos consignado na decisão recorrida.
Neste sentido é a jurisprudência desta Corte de Justiça:
“(...) FARTA PROVA DOCUMENTAL E MANIFESTAÇÃO DAS PARTES. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. VALORAÇÃO DA PROVA. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO. PRUDENTE ARBÍTRIO DO JUÍZO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. (...) 4. O magistrado é o gestor da prova por excelência, pois a ele cabe escolher as provas necessárias à formação do seu convencimento, ou seja, como destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir da necessidade ou não de sua realização, e, via de conseqüência, valorá-la conforme seu prudente arbítrio. 5. “Suficientes os elementos dos autos para proferir a decisão, o julgamento antecipado da lide não implica cerceamento de defesa”. (STJ, REsp 445.438/SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em 08.10.2002, DJ 09.12.2002, p. 352). 6. Apelação conhecida e não provida.” (TJPR - Acórdão 10110 - ApCv 0425246-0 - 18ª Ccv - Rel. José Carlos Dalacqua - Julg.: 10/09/2008 - Publ.: 03/10/2008)
Os documentos acostados aos autos mostram-se suficientes para a solução do litígio apresentado no processo. Além disso, o magistrado não está obrigado a autorizar o pedido de instrução probatória calcada em oitiva testemunhal formulado pelas partes, se considerá-la inconveniente ou desnecessária à formação de seu convencimento, conforme orienta o princípio do livre convencimento motivado.
As provas pretendidas pelo Apelante, conforme o arcabouço documental acostado aos autos é dispensável.
O ponto nodal da lide cinge-se em torno da probidade ou não do ato praticado pelo Apelante em relação aos valores que compunham o Fundo Previdenciário Municipal e se havia, na espécie, lei autorizadora dos atos por ele perpetrados.
Esta situação pode ser verificada através das provas documentais acostadas aos autos, sendo desnecessária a elaboração de prova pericial ou testemunhal.
Assim, não há que se falar em cerceamento de defesa quando há prova documental dos fatos alegados. Inclusive, é descabida a oitiva de testemunhas ante a questão trazida a juízo sobre a existência ou não de ofensa á probidade administrativa.
Logo, a abundância de documentos contidos nos autos, frente a discussão de matéria exclusiva de direito, não vulnera o artigo 5º, Incisos LIV e LV, da Carta Magna, tampouco enseja cerceamento de defesa ou ofensa ao devido processo legal, motivo pelo qual esta preliminar deve ser superada.
* Do mérito
Superada a preliminar de cerceamento de defesa, no mérito, conforme consignado pela douta Procuradoria Geral de Justiça, o recurso comporta provimento.
Verifica-se dos autos que o Apelante, quando exerceu o cargo de Prefeito Municipal de Terra Rica, utilizou-se da Lei Municipal n.º 013/1997, para retirar os valores que compunham o Fundo Previdenciário Municipal (instituído pela Lei Municipal n.º 002/1997) e usá-los para o pagamento de salário dos funcionários e demais despesas da prefeitura.
Analisado o conjunto probatório, sobreveio a sentença que condenou o Recorrente pela prática de ato de improbidade administrativa mediante a seguinte fundamentação:
“Ao fazer aprovar o Projeto de Lei 13/97, o Anteprojeto de Lei 24/97 e a Lei 25/97 temos que ocorreu situação absolutamente ilegal, com o Município se apropriando dos fundos da PRESOMTER, tendo como gestor o requerido, que utilizou o mesmo para o pagamento do funcionalismo público.
O PRESOMTER não foi extinto e continuou a apresentar o caixa negativo, indo totalmente contrário a lei de criação do fundo de previdência municipal.
O inciso VI do art. 10 da LIA demonstra que operação financeira onde o requerido ficou como gestor dos fundos do PRESOMTER não observou as normas legais, pois o patrimônio municipal ficou comprometido, na medida em que ficou devendo para o fundo municipal que não foi extinto, como se percebe da documentação juntada nos autos, pois na prática o dinheiro descontado como previdência era utilizado para pagar funcionários, que tinham o percentual de previdência descontados e assim vai, num círculo vicioso.
É óbvio que quaisquer operações financeiras poderão ser efetuadas pelo Município, desde que não com autorização da Câmara Municipal, e que esta decisão não vise interesses próprios ou políticos, pois ao contrário do que muitos “doutrinadores” e “doutores” pensam, o Judiciário pode verificar o mérito de questões administrativas, desde que as mesmas não obedeçam aos critérios do art. 37 da CF.
Deveria haver no caso prévia e expressa autorização no texto da lei orçamentária e inclusão no orçamento ou em créditos dos recursos provenientes da operação e as outras exigências legais e não simplesmente haver um projeto autorizando que o Prefeito venha a gerir fundos de previdência de entidade que possui receita e patrimônio próprios. Também a operação deveria vir a ser feita com organismos públicos ou privados de crédito ou de fomento, e não um “apossamento” dos fundos de previdência, que veio a causar posteriormente desequilíbrio nas contas públicas, pois o Município veio a ser devedor do PRESOMTER”.
Em relação ao inciso IX do art. 10 da LIA, despesa não é o gasto, mas sim o gasto previsto no orçamento, onde se encontram os programas ou projetos em que serão despendidos os recursos públicos municipais, devendo tais despesas serem autorizadas por lei, efetuando assim o requerido pela sua negligência e imprudência monumental despesa extra-orçamentária não autorizada em lei, pois compreendia a devolução dos valores “emprestados” do PRESOMTER para o pagamento dos funcionários.
Não houve qualquer programação da despesa ou empenho, vindo a causar lesão ao erário.
O inciso XI do art. 10 da LIA ainda se caracteriza pelo fato de que as normas previstas na legislação federal não foram observadas como visto acima bem como houve a influência do requerido junto a bancada de vereadores de seu partido para a aprovação do projeto, se caracterizando a influência já descrita para aplicação irregular das despesas junto com o fundo do PRESOMTER, sendo decisiva a “pressão” do requerido para a aprovação do projeto.
Finalmente, o art. 11 da LIA demonstra que os deveres de legalidade e eficiência foram feridos, eis que pelo princípio da legalidade o administrador somente pode fazer o que a lei permite, o que não ocorreu, na medida em que as despesas foram efetuadas contrariamente a legislação municipal e federal, não havendo quaisquer previsão das referidas despesas em orçamento e da eficiência, no sentido de que o requerido agiu de forma imprudente e negligente no trato com o erário público, ao ocasionar despesas de formas absolutamente ilegais, não agindo com inabilidade, como disse o ilustre defensor do requerido, pois o requerido já foi prefeito outras vezes e tem a obrigação de conhecer a lei e o mecanismo orçamentário, devendo agir de forma a apresentar resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade. Ao agir da forma como fez, o resultado foi absolutamente negativo para a comunidade pois onerou o Município e insatisfatório, agindo contrariamente a lei e aos interesses da sociedade.” (fls. 1.156/1.159).
Em que pese a fundamentação traçada pelo Magistrado singular, no caso, o Apelante não cometeu ato de Improbidade Administrativa. Eis que um dos requisitos que concorrem para a prática da improbidade é a ilegalidade do ato praticado.
Explica-se: a conduta do agente deve ser contrária à dada disposição normativa, constitucional ou infraconstitucional, a qual importe em: i) enriquecimento ilícito do agente, nos termos do artigo 9º da Lei de Improbidade Administrativa; ii) prejuízo ao erário (artigo 10 da citada Lei) ou; iii) viole os princípios da Administração Pública (artigo 11 da legislação em menção).
O artigo 4º da Lei de Improbidade Administrativa expressamente delimita o cumprimento, pelo Agente, do Princípio da Legalidade, ‘in verbis’:
“Art. 4º. Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhes são afetos.”
Verifica-se a ofensa ao princípio da legalidade nas situações em que ocorre o descumprimento de preceito normativo ou seu cumprimento imoral visando finalidade diversa daquela que atenda ao interesse público.
As condutas administrativas são orientadas pelo pálio de normas de condutas obrigatórias, as quais se impõem para todos, indistintamente, isto é, ao indivíduo e ao Estado. O Ordenamento Jurídico veda qualquer autoridade de tomar decisões que se afastem da obediência ao seu sistema. Cuida-se, na espécie, de uma garantia fundamental estabelecida em favor do administrador e do administrado.
Frise-se que a conduta estatal, segundo o princípio da legalidade, não provém da vontade do déspota, mas está calcada em normas que são emanadas na própria vontade comunitária, por meio de órgãos representativos dotados de legitimidade democrática, que não está fundada em caprichos de vontades individuais e unilaterais dos administradores.
A conclusão clássica doutrinária é no sentido de que ao particular é assegurado fazer tudo que a Lei não proíbe quando na gestão de seus interesses, enquanto à Administração Pública impõe-se a restrição de somente praticar atos expressamente autorizados pela Lei. Em síntese, é a exigência de subsunção do ato do administrador com a regra legal permissiva.
Portanto, a Administração pública exerce atividade infralegal, eis que o Estado de Direito se configura pela submissão à legalidade, princípio basilar do Regime Jurídico Administrativo, como leciona Celso Antônio Bandeira de MELLO: “É, em suma: a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei.”1
Para reforçar o caráter subalterno da atividade administrativa, cabe relatar as palavras de Raquel Melo Urbano de CARVALHO sobre a idéia de legitimidade administrativa que vincula a legalidade administrativa ao cumprimento da moralidade e da finalidade administrativa:
“Segundo esta orientação, enquadra-se na legalidade a ação administrativa conforme as regras expressas nas leis vigentes e na Constituição. Na legitimidade, além do cumprimento das regras jurídicas, tem-se o atendimento da moral administrativa e da finalidade pública. Assim sendo, a legalidade atende-se com a concreção das regras legais e constitucionais. A legitimidade, além de abranger o cumprimento das regras jurídicas, abarca também a moralidade e a finalidade pública.”2
No caso em apreço, o ato praticado pelo Apelante deu-se em atenção à legislação que lhe era aplicável, não havendo que se falar em ilegalidade.
A Lei Municipal n.º 13/1997 em seus artigos 1º e 2º consignou:
“Artigo 1º - Fica o Tesouro Municipal responsável pela gestão econômico-financeira, prevista no Título II, Seção IV e Título III, Capítulo IV da Lei Municipal n.º 02/92 de 28 de abril de 1992, arcando com todos os benefícios estabelecidos na referida Lei, em especial a aposentadorias e pensões.
Artigo 2º - O montante das disponibilidades financeiras do Fundo Previdenciário Municipal será revertido ao Tesouro Municipal no 1º dia do mês subsequente ao da aprovação desta Lei.” (fl. 53)
Portanto, a Lei em menção revogou parcialmente a Lei Municipal n.º 02/1992 ao transferir para o Tesouro Municipal a gestão econômica-financeira do Fundo Previdenciário Municipal (PRESOMTER), bem como seus encargos.
Ao antigo Fundo, mantiveram-se apenas as atribuições residuais, conforme o artigo 3º da Lei Municipal n.º 013/1997: “O Fundo Previdenciário Municipal manterá as atribuições residuais constantes da Lei n.º 02/92 de 28 de abril de 1992, até que suas novas funções sejam estipuladas em Regimento Interno, a ser editado por Decreto no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da publicação desta Lei.”
A Ação Civil Pública aponta como ímprobo os atos praticados pelo Apelante em relação ao Fundo Previdenciário Municipal. Todavia, não se volta a perquirir ou alegar a inconstitucionalidade das Leis aplicáveis ao caso.
Portanto, as disposições inseridas na Lei Municipal n.º 13/1997 respeitaram o princípio da legalidade na medida em que poderia repassar ao Tesouro Municipal a responsabilidade de gerir o Fundo Previdenciário Municipal. Do mesmo modo, é legal a incumbência conferida ao Apelante, à época Prefeito Municipal, para utilizar referidos valores em prol do pagamento de funcionários e demais despesas da Prefeitura.
Assim, não procedem os fundamentos colacionados pelo magistrado singular de que: “Ao fazer aprovar o Projeto de Lei 13/97, o Anteprojeto de Lei 24/97 e a Lei 25/97 temos que ocorreu situação absolutamente ilegal, com o Município se apropriando dos fundos da PRESOMTER, tendo como gestor o requerido, que utilizou o mesmo para o pagamento do funcionalismo público.” (fl. 1.156). (sem grifos no original).
Como seria ilegal o ato praticado pelo Apelante, se realizado nos termos autorizados pela Lei? O Apelante só se utilizou das verbas do Fundo Previdenciário Municipal em decorrência da expressa autorização legislativa consubstanciada nos artigos 1º e 2º da Lei Municipal n.º 13/1997 e para a finalidade nela expressa.
Por isso, não há improbidade porque ausente a ilegalidade na ação do Apelante. A doutrina orienta que “...o dano ou o prejuízo ao erário não pode ser erigido à categoria de elemento único de consubstanciação da improbidade disciplinada pela Lei n.º 8.429/1992, sendo imprescindível que a conduta que os causou tenha sido fruto de inobservância dos princípios que informam os atos dos agentes públicos.3
O magistério de Wallace Paiva MARTINS JÚNIOR sobre os atos lesivos ao erário merece transcrição:
“(...) O art. 10 inaugura o tópico da lei reservado aos atos lesivos ao erário. Embora a preocupação maior da lei da probidade administrativa seja direcionada aos valores morais da Administração Pública, inseriu-se acertadamente em seu bojo esta modalidade ou espécie de improbidade administrativa, que configura a repressão á ruinosa gestão do patrimônio público, integrando-se ao sistema da ação popular.
Nas disposições gerais a lei aludiu ao prejuízo ao patrimônio público do art. 5º, que é disposição de caráter autônomo derivada do art. 159 do Código Civil (com especificidade à Administração Pública), aplicável não apenas exclusivamente nos casos de improbidade administrativa, mas em toda situação que lhe refletir. Exige-se comportamento doloso ou culposo do agente público, compreendidos esses conceitos, no âmbito civil, como a vontade de causar prejuízo agindo contra a lei e o influxo da negligência, da imprudência e da imperícia no trato dos negócios públicos. Hugo Nigro Mazzilli assinala que “o dolo que se exige é o comum; é a vontade genérica de fazer o que a lei veda, ou não fazer o que a lei manda.”4
Está incurso no artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa o agente que causar lesão ao erário através de conduta ilegal ativa ou omissiva, dolosa ou culposa, no exercício da função pública que lhe gere dano econômico e haja relação de causalidade entre o comportamento funcional ilícito e o efetivo dano patrimonial.
A jurisprudência oriunda do Superior Tribunal de Justiça traça a seguinte orientação:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. (...) LESÃO AO ERÁRIO. PROVA DO DANO. NECESSIDADE. (...) 3. A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) prevê a responsabilização do agente público quando da prática de atos que importem: a) enriquecimento ilícito do gestor (art. 9º); b) prejuízo ao erário (art. 10) e c) lesão aos princípios da administração pública (art. 11). 4. As infrações de que tratam os arts. 9º e 10 da Lei nº 8.429/92, além de dependerem da comprovação de dolo ou culpa por parte do agente supostamente ímprobo, podem exigir, conforme as circunstâncias do caso, a prova de lesão ou prejuízo ao erário. Já o art. 11 elenca diversas infrações para cuja consecução, em tese, é desnecessário perquirir se o gestor público se comportou com dolo ou culpa, ou se houve prejuízo material ao erário. 5. Havendo a prestação do serviço, ainda que decorrente de contratação ilegal, a condenação em ressarcimento do dano é considerada indevida, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração Pública. 6. Em face dos estritos limites do recurso especial, é impossível aferir, nesta instância, se o contrato firmado com a Câmara Municipal de Fernandópolis foi devidamente cumprido. (...) 8. Recurso especial conhecido em parte e provido também em parte. (STJ - REsp 728.341/SP - 2ª Turma - Rel. Ministro Castro Meira - Julg.: 06/03/2008 - Publ.:DJe 18/03/2008)
No caso em mesa, está ausente a ilegalidade na conduta funcional do Apelante que se pautou seus atos em determinações legais.
Os problemas financeiros decorrentes da extinção do Fundo Previdenciário Municipal não são suficientes para acoimar o Apelante por ato de improbidade administrativa, pois agiu em estrita consonância com o princípio da legalidade, por meio de autorização do Poder Legislativo Municipal que optou politicamente por extinguir referido Fundo, repassando seus encargos ao Tesouro Municipal.
Esta decisão política, que num segundo momento mostrou-se equivocada não pode ser censurada em decorrência dos ditames estabelecidos pela Constituição Federal que refere em seu artigo 30 ser de competência dos Municípios legislar sobre assunto de interesse local
Logo, o ato praticado pelo Apelante é legal e, embora tenha causado prejuízos financeiros, o mesmo não pode se sujeitar às sanções decorrentes de infringência ao artigo 10 da Lei 8.429/1992, pois agiu em observância aos princípios administrativos e em atenção à autonomia municipal que lhe é conferida pela Constituição Federal.
Ademais, cabe consignar as palavras do Promotor de Justiça substituto em 2º Grau junto à Procuradoria Geral de Justiça deste Tribunal Dr. Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini sobre a inocorrência de improbidade administrativa:
“Aliás, fosse possível tal punição, os integrantes do legislativo também haveriam de ser processados, figurando no pólo passivo desta demanda, o que também não seria factível em face do que dispõe o inciso VIII do artigo 29 da CF - inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município.” (fl. 1.263)
O ilustre Procurador citado, em sua obra Ato de Improbidade Administrativa: 15 anos da Lei 8.429/1992, ao discorrer sobre o tema prejuízo ao erário em relação à conduta ilícita é enfático: “... a conduta dolosa ou culposa do agente deverá ser ilícita, vale dizer, uma conduta que analisada per si seja inicialmente lícita, mas acabe por gerar perda patrimonial ao erário, não ensejará responsabilidade por ato de improbidade administrativa.”5
Conclui-se que o Apelante não pode ser responsabilizado com base na Lei n.º 8.429/1992, vez que agiu autorizado por lei local produzida pela Câmara Municipal de Terra Rica, sendo descabido o argumento de que o mesmo teria exercido “pressão” para aprovar a Lei Municipal 13/1997.
Se houve aprovação unânime do Projeto de Lei criado pelo Apelante e aprovado pelos Vereadores, não há que se falar em improbidade, especialmente em atenção ao artigo 29, Inciso XI, da Constituição Federal.
Não é dado ao Poder Judiciário se imiscuir no controle das opções políticas traçadas no âmbito da vereança municipal sob pena de ofensa á Tripartição dos Poderes enunciada no artigo 2º da Constituição Federal.
Nas palavras traçadas pelo Parecer Ministerial:
“Como é cediço, poderia o Poder Judiciário verificar se a lei é formalmente - obedeceu as regras do processo legislativo - e materialmente válida à luz da Constituição Federal, debate sequer iniciado relativamente ao conteúdo da Lei Municipal nº 013/97. Se não há inconstitucionalidade, o ato normativo deve ser preservado, dele não advindo responsabilidade por ato de improbidade administrativa.
Ao contrário do que dispôs o decisium, verifica-se que a conduta do réu não se amolda a qualquer das disposições da Lei n.º 8.429/92.
Com efeito, não houve enriquecimento ilícito por parte do recorrente (artigo 9º), não ocorreu prejuízo ao erário (artigo 10) - uma vez que os valores do PRESOMTER foram utilizados em prol do Município, para pagamento de funcionários e demais despesas da Prefeitura - bem assim não restou demonstrada a violação aos princípios da Administração Pública (artigo 11), pois em nenhum momento o réu agiu com desonestidade, imoralidade e deslealdade a ponto de inquinar sua conduta como ímproba.” (fl. 1.265).
O Superior Tribunal de Justiça assim se manifesta em situações análogas:
RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. AUSÊNCIA DE DOLO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. O ato de improbidade, na sua caracterização, como de regra, exige elemento subjetivo doloso, à luz da natureza sancionatória da Lei de Improbidade Administrativa. 2. A legitimidade do negócio jurídico e a ausência objetiva de formalização contratual, reconhecida pela instância local, conjura a improbidade. 3. É que “o objetivo da Lei de Improbidade é punir o administrador público desonesto, não o inábil. Ou, em outras palavras, para que se enquadre o agente público na Lei de Improbidade é necessário que haja o dolo, a culpa e o prejuízo ao ente público, caracterizado pela ação ou omissão do administrador público.” (Mauro Roberto Gomes de Mattos, em “O Limite da Improbidade Administrativa”, Edit. América Jurídica, 2ª ed. pp. 7 e 8). “A finalidade da lei de improbidade administrativa é punir o administrador desonesto” (Alexandre de Moraes, in “Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional”, Atlas, 2002, p. 2.611).”De fato, a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil, despreparado, incompetente e desastrado” (REsp 213.994-0/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DOU de 27.9.1999).” (REsp 758.639/PB, Rel. Min. José Delgado, 1.ª Turma, DJ 15.5.2006) 4. A Lei 8.429/92 da Ação de Improbidade Administrativa, que explicitou o cânone do art. 37, § 4º da Constituição Federal, teve como escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art.9º); b) que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa. 5. Recurso especial provido. (STJ - REsp 734.984/SP - 1ª Turma - Rel. Ministro José Delgado - Rel. p/ Acórdão Ministro Luiz Fux - Julg.: 18/12/2007 - Publ.: DJe 16/06/2008)
Portanto, considerando que os atos praticados pelo Recorrente foram autorizados por Lei, sem qualquer infringência aos dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa, o voto é pela improcedência da Ação Civil Pública por ato de Improbidade Administrativa, sem condenação em custas e honorários advocatícios por ausência de litigância de má-fé, nos termos do artigo 18 da Lei 7.347/1985.
Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em rejeitar a preliminar e prover o Apelo de Cláudio Domingos Soletti, nos termos do voto da Relatora.
Presidiu o julgamento a Desembargadora Regina Afonso Portes, sem voto, tendo dele participado os Desembargadores Salvatore Antonio Astuti e Lélia Samardã Giacomet.
Curitiba, 25 de agosto de 2009.
MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA
Desembargadora Relatora
1 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 22. ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 97.
2 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo: parte geral, intervenção do estado e estrutura da administração. Salvador: Juspodivm, 2008. p. 49.
3 GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 249.
4 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 246.
5 BERTONCINI. Mateus. Ato de improbidade administrativa: 15 anos da Lei 8.429/1992. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 201.
COMARCA DE TERRA RICA - VARA ÚNICA
APELANTE: CLÁUDIO DOMINGOS SOLETTI
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
INTERESSADO: MUNICÍPIO DE TERRA RICA
RELATORA: DESEMBARGADORA MARIA APARECIDA
BLANCO DE LIMA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL QUE OBJETIVA A CONDENAÇÃO DO APELANTE À ÉPOCA PREFEITO MUNICIPAL DE TERRA RICA POR TER GERADO PREJUÍZO AO ERÁRIO EM DECORRÊNCIA DE TER SE UTILIZADO DOS VALORES DECORRENTES DO FUNDO PREVIDENCIÁRIO MUNICIPAL (PRESOMTER), REPASSADO AO TESOURO MUNICIPAL ATRAVÉS DA LEI MUNICIPAL N.º 013/1997 NOS TERMOS ESTABELECIDOS PELA REFERIDA LEI.
INOCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE, DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. O AGENTE POLÍTICO NÃO PODE SER RESPONSABILIZADO PELA OPÇÃO POLÍTICA ADOTADA PELO PODER LEGISLATIVO MUNICIPAL, PRINCIPALMENTE QUANDO SEUS ATOS ESTÃO EXPRESSAMENTE PAUTADOS EM DETERMINAÇÃO LEGAL EM ASSUNTO EMINENTEMENTE DE INTERESSE LOCAL DA COMUNA (ARTIGO 30 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL).
AO PODER JUDICIÁRIO NÃO É DADA A FACULDADE DE SE IMISCUIR NAS OPÇÕES POLÍTICAS CONFERIDAS À VEREANÇA MUNICIPAL, TAMPOUCO O EX-PREFEITO DA MUNICIPALIDADE SERÁ CONSIDERADO ÍMPROBO EM DECORRÊNCIA DA APLICAÇÃO DE LEI APROVADA POR UNANIMIDADE NA CÂMARA LEGISLATIVA MUNICIPAL.
IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA SEM CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ANTE A AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. APELO CONHECIDO E PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 422106-9, da Vara Única da Comarca de Terra Rica, em que é Apelante Cláudio Domingos Soletti, sendo Apelado o Ministério Público do Estado do Paraná.
Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por Cláudio Domingos Soletti voltado contra a r. sentença proferida às fls. 1152/1159, que julgou procedente a Ação Civil Pública pela prática de Ato de Improbidade Administrativa movida pelo Ministério Público do Estado do Paraná contra o ora Apelante, condenando-o a devolver aos cofres públicos a quantia de R$ 4.476.370,04 devidamente atualizados, que seria o prejuízo causado ao erário público municipal, além da suspensão dos direitos políticos por 06 (seis ) anos e a proibição de contratar com o poder público, receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Deixou o magistrado de condenar o apelante em multa civil considerando que o mesmo não teria qualquer proveito patrimonial ou enriquecimento ilícito, apenas efetuando um negócio desastroso.
Confirmou ainda, a liminar concedida e condenou o requerido ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios que deverão ser revertidos para o fundo Especial do Ministério Público.
Desta decisão, foram opostos embargos declaratórios pelo recorrente Cláudio Domingos Soletti (fls1173/1175), os quais foram rejeitados pela decisão proferida às fls.1177.
Inconformado Cláudio Domingos Soletti recorreu (fls.1179/1205). Em suas razões recursais, sustentou o apelante que agiu em estrita observância à legislação municipal, uma vez que, após a edição da Lei n. 013/97, foi extinto o Fundo Previdenciário Municipal instituído pela Lei n. 002/1992 e as verbas provenientes deste fundo foram repassadas para os cofres do Município, de modo que nada há de ilegal na sua conduta de utilizar as referidas verbas para atender as necessidades da administração municipal. Além disso, alega que houve cerceamento de defesa, porquanto o mesmo sequer foi intimado para produzir as provas que lhe eram relevantes e sentindo-se lesado em seu direito de tentar provar por todos os meios a improcedência das acusações, pugna pela anulação da sentença.
Argumenta que não houve prejuízo ao erário em razão de sua conduta, uma vez que os valores do Fundo Previdenciário foram utilizados para pagamento de folha de salários de funcionários, tudo aprovado pela Câmara Municipal. Não houve, portanto, desvio de finalidade na aplicação dos recursos, afirmando que, em caso de condenação do réu, estar-se-ia proporcionando enriquecimento sem causa do Município. Por derradeiro, prequestiona o artigo 407 e seguintes do Código de Processo Civil, artigo5º, Inciso LV, da Constituição Federal e artigos 10, Inciso VI, IX e XI, e 11, Inciso I da Lei n. 8.429/92.
Finalmente, na hipótese de se considerar regular o hostilizado processo, requer o acolhimento do recurso para reformar a decisão combatida, por ser medida de Justiça.
Recebido o recurso em seus devidos efeitos (fls.1208), o representante do Ministério Público de 1º grau (fls.1209/1225), ofereceu as contra-razões, requerendo o conhecimento e desprovimento do recurso.
Com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça manifestou-se em fls.1252/1266, pelo conhecimento e o provimento do recurso.
Após, vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Voto.
Observados os pressupostos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.
Cuida-se de recurso de Apelação Cível manejado por Cláudio Domingos Soletti que objetiva a reforma da decisão singular que o condenou nos termos do pleito formulado na Ação Civil Pública por atos de Improbidade Administrativa promovida pelo Ministério Público do Estado do Paraná.
O Recorrente sustenta que não incidiu em atos de improbidade administrativa, vez que teria atendido às expressas determinações legais em relação ao Fundo de Previdência própria do Município de Terra Rica.
Verifica-se que a Lei Municipal n.º 02/1992 teria instituído o regime previdenciário dos servidores públicos do Município de Terra Rica, criando o PRESOMTER - Fundo Previdenciário Municipal, o qual em 1997, através da Câmara Municipal de Vereadores foi extinto através da Lei 13/1997, quando o saldo em conta foi revertido ao Tesouro Municipal.
Sustenta que apenas por duas vezes, através da autorização legal sob n.º 24/1997 e 25/1997 teria empregado dinheiro proveniente do extinto fundo de previdência no pagamento de salário dos servidores e que não teria havido apropriação indevida dos recursos em benefício próprio ou de terceiros, motivo pelo qual não haveria cometimento de atos de improbidade Administrativa.
Argumenta, ainda, que a extinção do referido fundo precedeu a legislação regulamentadora provinda da Lei Federal n.º 9.717/1998 e da própria Emenda Constitucional n.º 20/1998, sendo estas as legislações tendentes a regular o sistema previdenciário próprio.
Quanto aos descontos previdenciários, enfatiza que estes foram previstos na Lei Municipal n.º 13/1997.
Alega, ainda, a ocorrência de cerceamento de defesa no que tange à produção de provas em direito admitidos, tais como o depoimento das partes, oitiva de testemunhas e perícia contábil, vez que o Magistrado singular sequer intimou o Apelante para produzi-las, afrontando o princípio constitucional insculpido no artigo 5º, Inciso LV da Lei Fundamental.
Feitas estas considerações, passa-se à análise do caso em mesa:
* Cerceamento de defesa
A ausência de colheita do depoimento das partes, de oitiva testemunhal e de realização da sugerida perícia contábil são inócuas ao deslinde do feito.
O Juízo de Primeiro Grau fez constar os seguintes termos na decisão recorrida: “Questão unicamente de direito, pois as provas em matéria como a dos autos se fazem por documentos, não se admitindo prova testemunhal no presente caso, que não tem o poder de elidir documentação pública.” (fl. 1154).
Evidentemente, o Magistrado deve julgar prontamente o pedido quando verificar a desnecessidade da produção de outras provas frente a matérias exclusivas de direito ou verificáveis por simples análise dos documentos que compõem os autos, ante a manifesta a impropriedade da prova requerida.
Essa é a inteligência do artigo 330, Inciso I, do Código de Processo Civil que assim orienta:
“Art. 330. O Juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:
I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;”
No caso em exame, o Juízo a quo respeitou os princípios da persuasão racional ao apresentar seu livre convencimento de forma motivada ante a farta instrução dos autos, nos termos consignado na decisão recorrida.
Neste sentido é a jurisprudência desta Corte de Justiça:
“(...) FARTA PROVA DOCUMENTAL E MANIFESTAÇÃO DAS PARTES. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. VALORAÇÃO DA PROVA. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO. PRUDENTE ARBÍTRIO DO JUÍZO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. (...) 4. O magistrado é o gestor da prova por excelência, pois a ele cabe escolher as provas necessárias à formação do seu convencimento, ou seja, como destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir da necessidade ou não de sua realização, e, via de conseqüência, valorá-la conforme seu prudente arbítrio. 5. “Suficientes os elementos dos autos para proferir a decisão, o julgamento antecipado da lide não implica cerceamento de defesa”. (STJ, REsp 445.438/SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em 08.10.2002, DJ 09.12.2002, p. 352). 6. Apelação conhecida e não provida.” (TJPR - Acórdão 10110 - ApCv 0425246-0 - 18ª Ccv - Rel. José Carlos Dalacqua - Julg.: 10/09/2008 - Publ.: 03/10/2008)
Os documentos acostados aos autos mostram-se suficientes para a solução do litígio apresentado no processo. Além disso, o magistrado não está obrigado a autorizar o pedido de instrução probatória calcada em oitiva testemunhal formulado pelas partes, se considerá-la inconveniente ou desnecessária à formação de seu convencimento, conforme orienta o princípio do livre convencimento motivado.
As provas pretendidas pelo Apelante, conforme o arcabouço documental acostado aos autos é dispensável.
O ponto nodal da lide cinge-se em torno da probidade ou não do ato praticado pelo Apelante em relação aos valores que compunham o Fundo Previdenciário Municipal e se havia, na espécie, lei autorizadora dos atos por ele perpetrados.
Esta situação pode ser verificada através das provas documentais acostadas aos autos, sendo desnecessária a elaboração de prova pericial ou testemunhal.
Assim, não há que se falar em cerceamento de defesa quando há prova documental dos fatos alegados. Inclusive, é descabida a oitiva de testemunhas ante a questão trazida a juízo sobre a existência ou não de ofensa á probidade administrativa.
Logo, a abundância de documentos contidos nos autos, frente a discussão de matéria exclusiva de direito, não vulnera o artigo 5º, Incisos LIV e LV, da Carta Magna, tampouco enseja cerceamento de defesa ou ofensa ao devido processo legal, motivo pelo qual esta preliminar deve ser superada.
* Do mérito
Superada a preliminar de cerceamento de defesa, no mérito, conforme consignado pela douta Procuradoria Geral de Justiça, o recurso comporta provimento.
Verifica-se dos autos que o Apelante, quando exerceu o cargo de Prefeito Municipal de Terra Rica, utilizou-se da Lei Municipal n.º 013/1997, para retirar os valores que compunham o Fundo Previdenciário Municipal (instituído pela Lei Municipal n.º 002/1997) e usá-los para o pagamento de salário dos funcionários e demais despesas da prefeitura.
Analisado o conjunto probatório, sobreveio a sentença que condenou o Recorrente pela prática de ato de improbidade administrativa mediante a seguinte fundamentação:
“Ao fazer aprovar o Projeto de Lei 13/97, o Anteprojeto de Lei 24/97 e a Lei 25/97 temos que ocorreu situação absolutamente ilegal, com o Município se apropriando dos fundos da PRESOMTER, tendo como gestor o requerido, que utilizou o mesmo para o pagamento do funcionalismo público.
O PRESOMTER não foi extinto e continuou a apresentar o caixa negativo, indo totalmente contrário a lei de criação do fundo de previdência municipal.
O inciso VI do art. 10 da LIA demonstra que operação financeira onde o requerido ficou como gestor dos fundos do PRESOMTER não observou as normas legais, pois o patrimônio municipal ficou comprometido, na medida em que ficou devendo para o fundo municipal que não foi extinto, como se percebe da documentação juntada nos autos, pois na prática o dinheiro descontado como previdência era utilizado para pagar funcionários, que tinham o percentual de previdência descontados e assim vai, num círculo vicioso.
É óbvio que quaisquer operações financeiras poderão ser efetuadas pelo Município, desde que não com autorização da Câmara Municipal, e que esta decisão não vise interesses próprios ou políticos, pois ao contrário do que muitos “doutrinadores” e “doutores” pensam, o Judiciário pode verificar o mérito de questões administrativas, desde que as mesmas não obedeçam aos critérios do art. 37 da CF.
Deveria haver no caso prévia e expressa autorização no texto da lei orçamentária e inclusão no orçamento ou em créditos dos recursos provenientes da operação e as outras exigências legais e não simplesmente haver um projeto autorizando que o Prefeito venha a gerir fundos de previdência de entidade que possui receita e patrimônio próprios. Também a operação deveria vir a ser feita com organismos públicos ou privados de crédito ou de fomento, e não um “apossamento” dos fundos de previdência, que veio a causar posteriormente desequilíbrio nas contas públicas, pois o Município veio a ser devedor do PRESOMTER”.
Em relação ao inciso IX do art. 10 da LIA, despesa não é o gasto, mas sim o gasto previsto no orçamento, onde se encontram os programas ou projetos em que serão despendidos os recursos públicos municipais, devendo tais despesas serem autorizadas por lei, efetuando assim o requerido pela sua negligência e imprudência monumental despesa extra-orçamentária não autorizada em lei, pois compreendia a devolução dos valores “emprestados” do PRESOMTER para o pagamento dos funcionários.
Não houve qualquer programação da despesa ou empenho, vindo a causar lesão ao erário.
O inciso XI do art. 10 da LIA ainda se caracteriza pelo fato de que as normas previstas na legislação federal não foram observadas como visto acima bem como houve a influência do requerido junto a bancada de vereadores de seu partido para a aprovação do projeto, se caracterizando a influência já descrita para aplicação irregular das despesas junto com o fundo do PRESOMTER, sendo decisiva a “pressão” do requerido para a aprovação do projeto.
Finalmente, o art. 11 da LIA demonstra que os deveres de legalidade e eficiência foram feridos, eis que pelo princípio da legalidade o administrador somente pode fazer o que a lei permite, o que não ocorreu, na medida em que as despesas foram efetuadas contrariamente a legislação municipal e federal, não havendo quaisquer previsão das referidas despesas em orçamento e da eficiência, no sentido de que o requerido agiu de forma imprudente e negligente no trato com o erário público, ao ocasionar despesas de formas absolutamente ilegais, não agindo com inabilidade, como disse o ilustre defensor do requerido, pois o requerido já foi prefeito outras vezes e tem a obrigação de conhecer a lei e o mecanismo orçamentário, devendo agir de forma a apresentar resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade. Ao agir da forma como fez, o resultado foi absolutamente negativo para a comunidade pois onerou o Município e insatisfatório, agindo contrariamente a lei e aos interesses da sociedade.” (fls. 1.156/1.159).
Em que pese a fundamentação traçada pelo Magistrado singular, no caso, o Apelante não cometeu ato de Improbidade Administrativa. Eis que um dos requisitos que concorrem para a prática da improbidade é a ilegalidade do ato praticado.
Explica-se: a conduta do agente deve ser contrária à dada disposição normativa, constitucional ou infraconstitucional, a qual importe em: i) enriquecimento ilícito do agente, nos termos do artigo 9º da Lei de Improbidade Administrativa; ii) prejuízo ao erário (artigo 10 da citada Lei) ou; iii) viole os princípios da Administração Pública (artigo 11 da legislação em menção).
O artigo 4º da Lei de Improbidade Administrativa expressamente delimita o cumprimento, pelo Agente, do Princípio da Legalidade, ‘in verbis’:
“Art. 4º. Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhes são afetos.”
Verifica-se a ofensa ao princípio da legalidade nas situações em que ocorre o descumprimento de preceito normativo ou seu cumprimento imoral visando finalidade diversa daquela que atenda ao interesse público.
As condutas administrativas são orientadas pelo pálio de normas de condutas obrigatórias, as quais se impõem para todos, indistintamente, isto é, ao indivíduo e ao Estado. O Ordenamento Jurídico veda qualquer autoridade de tomar decisões que se afastem da obediência ao seu sistema. Cuida-se, na espécie, de uma garantia fundamental estabelecida em favor do administrador e do administrado.
Frise-se que a conduta estatal, segundo o princípio da legalidade, não provém da vontade do déspota, mas está calcada em normas que são emanadas na própria vontade comunitária, por meio de órgãos representativos dotados de legitimidade democrática, que não está fundada em caprichos de vontades individuais e unilaterais dos administradores.
A conclusão clássica doutrinária é no sentido de que ao particular é assegurado fazer tudo que a Lei não proíbe quando na gestão de seus interesses, enquanto à Administração Pública impõe-se a restrição de somente praticar atos expressamente autorizados pela Lei. Em síntese, é a exigência de subsunção do ato do administrador com a regra legal permissiva.
Portanto, a Administração pública exerce atividade infralegal, eis que o Estado de Direito se configura pela submissão à legalidade, princípio basilar do Regime Jurídico Administrativo, como leciona Celso Antônio Bandeira de MELLO: “É, em suma: a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei.”1
Para reforçar o caráter subalterno da atividade administrativa, cabe relatar as palavras de Raquel Melo Urbano de CARVALHO sobre a idéia de legitimidade administrativa que vincula a legalidade administrativa ao cumprimento da moralidade e da finalidade administrativa:
“Segundo esta orientação, enquadra-se na legalidade a ação administrativa conforme as regras expressas nas leis vigentes e na Constituição. Na legitimidade, além do cumprimento das regras jurídicas, tem-se o atendimento da moral administrativa e da finalidade pública. Assim sendo, a legalidade atende-se com a concreção das regras legais e constitucionais. A legitimidade, além de abranger o cumprimento das regras jurídicas, abarca também a moralidade e a finalidade pública.”2
No caso em apreço, o ato praticado pelo Apelante deu-se em atenção à legislação que lhe era aplicável, não havendo que se falar em ilegalidade.
A Lei Municipal n.º 13/1997 em seus artigos 1º e 2º consignou:
“Artigo 1º - Fica o Tesouro Municipal responsável pela gestão econômico-financeira, prevista no Título II, Seção IV e Título III, Capítulo IV da Lei Municipal n.º 02/92 de 28 de abril de 1992, arcando com todos os benefícios estabelecidos na referida Lei, em especial a aposentadorias e pensões.
Artigo 2º - O montante das disponibilidades financeiras do Fundo Previdenciário Municipal será revertido ao Tesouro Municipal no 1º dia do mês subsequente ao da aprovação desta Lei.” (fl. 53)
Portanto, a Lei em menção revogou parcialmente a Lei Municipal n.º 02/1992 ao transferir para o Tesouro Municipal a gestão econômica-financeira do Fundo Previdenciário Municipal (PRESOMTER), bem como seus encargos.
Ao antigo Fundo, mantiveram-se apenas as atribuições residuais, conforme o artigo 3º da Lei Municipal n.º 013/1997: “O Fundo Previdenciário Municipal manterá as atribuições residuais constantes da Lei n.º 02/92 de 28 de abril de 1992, até que suas novas funções sejam estipuladas em Regimento Interno, a ser editado por Decreto no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da publicação desta Lei.”
A Ação Civil Pública aponta como ímprobo os atos praticados pelo Apelante em relação ao Fundo Previdenciário Municipal. Todavia, não se volta a perquirir ou alegar a inconstitucionalidade das Leis aplicáveis ao caso.
Portanto, as disposições inseridas na Lei Municipal n.º 13/1997 respeitaram o princípio da legalidade na medida em que poderia repassar ao Tesouro Municipal a responsabilidade de gerir o Fundo Previdenciário Municipal. Do mesmo modo, é legal a incumbência conferida ao Apelante, à época Prefeito Municipal, para utilizar referidos valores em prol do pagamento de funcionários e demais despesas da Prefeitura.
Assim, não procedem os fundamentos colacionados pelo magistrado singular de que: “Ao fazer aprovar o Projeto de Lei 13/97, o Anteprojeto de Lei 24/97 e a Lei 25/97 temos que ocorreu situação absolutamente ilegal, com o Município se apropriando dos fundos da PRESOMTER, tendo como gestor o requerido, que utilizou o mesmo para o pagamento do funcionalismo público.” (fl. 1.156). (sem grifos no original).
Como seria ilegal o ato praticado pelo Apelante, se realizado nos termos autorizados pela Lei? O Apelante só se utilizou das verbas do Fundo Previdenciário Municipal em decorrência da expressa autorização legislativa consubstanciada nos artigos 1º e 2º da Lei Municipal n.º 13/1997 e para a finalidade nela expressa.
Por isso, não há improbidade porque ausente a ilegalidade na ação do Apelante. A doutrina orienta que “...o dano ou o prejuízo ao erário não pode ser erigido à categoria de elemento único de consubstanciação da improbidade disciplinada pela Lei n.º 8.429/1992, sendo imprescindível que a conduta que os causou tenha sido fruto de inobservância dos princípios que informam os atos dos agentes públicos.3
O magistério de Wallace Paiva MARTINS JÚNIOR sobre os atos lesivos ao erário merece transcrição:
“(...) O art. 10 inaugura o tópico da lei reservado aos atos lesivos ao erário. Embora a preocupação maior da lei da probidade administrativa seja direcionada aos valores morais da Administração Pública, inseriu-se acertadamente em seu bojo esta modalidade ou espécie de improbidade administrativa, que configura a repressão á ruinosa gestão do patrimônio público, integrando-se ao sistema da ação popular.
Nas disposições gerais a lei aludiu ao prejuízo ao patrimônio público do art. 5º, que é disposição de caráter autônomo derivada do art. 159 do Código Civil (com especificidade à Administração Pública), aplicável não apenas exclusivamente nos casos de improbidade administrativa, mas em toda situação que lhe refletir. Exige-se comportamento doloso ou culposo do agente público, compreendidos esses conceitos, no âmbito civil, como a vontade de causar prejuízo agindo contra a lei e o influxo da negligência, da imprudência e da imperícia no trato dos negócios públicos. Hugo Nigro Mazzilli assinala que “o dolo que se exige é o comum; é a vontade genérica de fazer o que a lei veda, ou não fazer o que a lei manda.”4
Está incurso no artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa o agente que causar lesão ao erário através de conduta ilegal ativa ou omissiva, dolosa ou culposa, no exercício da função pública que lhe gere dano econômico e haja relação de causalidade entre o comportamento funcional ilícito e o efetivo dano patrimonial.
A jurisprudência oriunda do Superior Tribunal de Justiça traça a seguinte orientação:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. (...) LESÃO AO ERÁRIO. PROVA DO DANO. NECESSIDADE. (...) 3. A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) prevê a responsabilização do agente público quando da prática de atos que importem: a) enriquecimento ilícito do gestor (art. 9º); b) prejuízo ao erário (art. 10) e c) lesão aos princípios da administração pública (art. 11). 4. As infrações de que tratam os arts. 9º e 10 da Lei nº 8.429/92, além de dependerem da comprovação de dolo ou culpa por parte do agente supostamente ímprobo, podem exigir, conforme as circunstâncias do caso, a prova de lesão ou prejuízo ao erário. Já o art. 11 elenca diversas infrações para cuja consecução, em tese, é desnecessário perquirir se o gestor público se comportou com dolo ou culpa, ou se houve prejuízo material ao erário. 5. Havendo a prestação do serviço, ainda que decorrente de contratação ilegal, a condenação em ressarcimento do dano é considerada indevida, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração Pública. 6. Em face dos estritos limites do recurso especial, é impossível aferir, nesta instância, se o contrato firmado com a Câmara Municipal de Fernandópolis foi devidamente cumprido. (...) 8. Recurso especial conhecido em parte e provido também em parte. (STJ - REsp 728.341/SP - 2ª Turma - Rel. Ministro Castro Meira - Julg.: 06/03/2008 - Publ.:DJe 18/03/2008)
No caso em mesa, está ausente a ilegalidade na conduta funcional do Apelante que se pautou seus atos em determinações legais.
Os problemas financeiros decorrentes da extinção do Fundo Previdenciário Municipal não são suficientes para acoimar o Apelante por ato de improbidade administrativa, pois agiu em estrita consonância com o princípio da legalidade, por meio de autorização do Poder Legislativo Municipal que optou politicamente por extinguir referido Fundo, repassando seus encargos ao Tesouro Municipal.
Esta decisão política, que num segundo momento mostrou-se equivocada não pode ser censurada em decorrência dos ditames estabelecidos pela Constituição Federal que refere em seu artigo 30 ser de competência dos Municípios legislar sobre assunto de interesse local
Logo, o ato praticado pelo Apelante é legal e, embora tenha causado prejuízos financeiros, o mesmo não pode se sujeitar às sanções decorrentes de infringência ao artigo 10 da Lei 8.429/1992, pois agiu em observância aos princípios administrativos e em atenção à autonomia municipal que lhe é conferida pela Constituição Federal.
Ademais, cabe consignar as palavras do Promotor de Justiça substituto em 2º Grau junto à Procuradoria Geral de Justiça deste Tribunal Dr. Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini sobre a inocorrência de improbidade administrativa:
“Aliás, fosse possível tal punição, os integrantes do legislativo também haveriam de ser processados, figurando no pólo passivo desta demanda, o que também não seria factível em face do que dispõe o inciso VIII do artigo 29 da CF - inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município.” (fl. 1.263)
O ilustre Procurador citado, em sua obra Ato de Improbidade Administrativa: 15 anos da Lei 8.429/1992, ao discorrer sobre o tema prejuízo ao erário em relação à conduta ilícita é enfático: “... a conduta dolosa ou culposa do agente deverá ser ilícita, vale dizer, uma conduta que analisada per si seja inicialmente lícita, mas acabe por gerar perda patrimonial ao erário, não ensejará responsabilidade por ato de improbidade administrativa.”5
Conclui-se que o Apelante não pode ser responsabilizado com base na Lei n.º 8.429/1992, vez que agiu autorizado por lei local produzida pela Câmara Municipal de Terra Rica, sendo descabido o argumento de que o mesmo teria exercido “pressão” para aprovar a Lei Municipal 13/1997.
Se houve aprovação unânime do Projeto de Lei criado pelo Apelante e aprovado pelos Vereadores, não há que se falar em improbidade, especialmente em atenção ao artigo 29, Inciso XI, da Constituição Federal.
Não é dado ao Poder Judiciário se imiscuir no controle das opções políticas traçadas no âmbito da vereança municipal sob pena de ofensa á Tripartição dos Poderes enunciada no artigo 2º da Constituição Federal.
Nas palavras traçadas pelo Parecer Ministerial:
“Como é cediço, poderia o Poder Judiciário verificar se a lei é formalmente - obedeceu as regras do processo legislativo - e materialmente válida à luz da Constituição Federal, debate sequer iniciado relativamente ao conteúdo da Lei Municipal nº 013/97. Se não há inconstitucionalidade, o ato normativo deve ser preservado, dele não advindo responsabilidade por ato de improbidade administrativa.
Ao contrário do que dispôs o decisium, verifica-se que a conduta do réu não se amolda a qualquer das disposições da Lei n.º 8.429/92.
Com efeito, não houve enriquecimento ilícito por parte do recorrente (artigo 9º), não ocorreu prejuízo ao erário (artigo 10) - uma vez que os valores do PRESOMTER foram utilizados em prol do Município, para pagamento de funcionários e demais despesas da Prefeitura - bem assim não restou demonstrada a violação aos princípios da Administração Pública (artigo 11), pois em nenhum momento o réu agiu com desonestidade, imoralidade e deslealdade a ponto de inquinar sua conduta como ímproba.” (fl. 1.265).
O Superior Tribunal de Justiça assim se manifesta em situações análogas:
RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. AUSÊNCIA DE DOLO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. O ato de improbidade, na sua caracterização, como de regra, exige elemento subjetivo doloso, à luz da natureza sancionatória da Lei de Improbidade Administrativa. 2. A legitimidade do negócio jurídico e a ausência objetiva de formalização contratual, reconhecida pela instância local, conjura a improbidade. 3. É que “o objetivo da Lei de Improbidade é punir o administrador público desonesto, não o inábil. Ou, em outras palavras, para que se enquadre o agente público na Lei de Improbidade é necessário que haja o dolo, a culpa e o prejuízo ao ente público, caracterizado pela ação ou omissão do administrador público.” (Mauro Roberto Gomes de Mattos, em “O Limite da Improbidade Administrativa”, Edit. América Jurídica, 2ª ed. pp. 7 e 8). “A finalidade da lei de improbidade administrativa é punir o administrador desonesto” (Alexandre de Moraes, in “Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional”, Atlas, 2002, p. 2.611).”De fato, a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil, despreparado, incompetente e desastrado” (REsp 213.994-0/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DOU de 27.9.1999).” (REsp 758.639/PB, Rel. Min. José Delgado, 1.ª Turma, DJ 15.5.2006) 4. A Lei 8.429/92 da Ação de Improbidade Administrativa, que explicitou o cânone do art. 37, § 4º da Constituição Federal, teve como escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art.9º); b) que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa. 5. Recurso especial provido. (STJ - REsp 734.984/SP - 1ª Turma - Rel. Ministro José Delgado - Rel. p/ Acórdão Ministro Luiz Fux - Julg.: 18/12/2007 - Publ.: DJe 16/06/2008)
Portanto, considerando que os atos praticados pelo Recorrente foram autorizados por Lei, sem qualquer infringência aos dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa, o voto é pela improcedência da Ação Civil Pública por ato de Improbidade Administrativa, sem condenação em custas e honorários advocatícios por ausência de litigância de má-fé, nos termos do artigo 18 da Lei 7.347/1985.
Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em rejeitar a preliminar e prover o Apelo de Cláudio Domingos Soletti, nos termos do voto da Relatora.
Presidiu o julgamento a Desembargadora Regina Afonso Portes, sem voto, tendo dele participado os Desembargadores Salvatore Antonio Astuti e Lélia Samardã Giacomet.
Curitiba, 25 de agosto de 2009.
MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA
Desembargadora Relatora
1 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 22. ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional 53, de 19.12.2006. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 97.
2 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo: parte geral, intervenção do estado e estrutura da administração. Salvador: Juspodivm, 2008. p. 49.
3 GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 249.
4 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 246.
5 BERTONCINI. Mateus. Ato de improbidade administrativa: 15 anos da Lei 8.429/1992. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 201.
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