23.10.09

Apelação cível - Dr. Camargo

APELAÇÃO CÍVEL Nº 551.082-1, DA 2ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MARINGÁ.

APELANTE 1: Valter Gonçalves Bessani e Outros.

APELANTE 2: João Sanches Stabelini.

APELANTE 3: Ministério Público do Estado do Paraná.

APELADOS: Os Mesmos.

RELATOR: Fábio André Santos Muniz - Juiz Convocado.


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FRAUDE NOS PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS DE EXECUÇÃO DO CONVÊNIO ENTRE O MUNICÍPIO DE DOUTOR CAMARGO E A SECRETARIA DE ESTADO DA AGRICULTURA E DO ABASTECIMENTO - SEAB. COMPROVAÇÃO DAS IRREGULARIDADES E ILEGALIDADES COMETIDAS. SUPERFATURAMENTO E DANO AO ERÁRIO CARACTERIZADOS. PARTICIPAÇÃO DE INTEGRANTES DE COMISSÃO LICITANTE E DOS VENCEDORES DA CONCORRÊNCIA PÚBLICA NO COMETIMENTO DAS ILICITUDES. RECURSO DOS PRIMEIROS APELANTES CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DO SEGUNDO APELANTE CONHECIDO E PROVIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.



Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 551.082-1, em que são apelantes Valter Gonçalves Bessani e outros; João Sanches Stabelini e o Ministério Público do Estado do Paraná, e apelados os mesmos.

I. Trata-se de recursos de apelação cível contra sentença proferida em Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa, que julgou parcialmente procedente o pedido, condenando os requeridos nas sanções previstas no art. 12, II e III da Lei nº 8.429/1992, e ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais).

Irresignados com os termos da decisão, VALTER GONÇALVES BESSANI, LUIZ GOBI, JOSÉ LUIZ NICODEMO e VALDEVINO BESSANI postulam a sua reforma, sob o argumento de que: a) as denúncias formuladas foram motivadas por intrigas políticas partidárias orquestradas por Júlio Maria Figueiredo, inimigo declarado dos apelantes; b) entre novembro de 1997 e dezembro de 2000, foram produzidas 2.022,500 mudas de café, mas em razão de fatores climáticos e fitossanitários não foi possível a distribuição de todas as mudas aos agricultores, pelo fato de apresentarem contaminação por nematóides e pela incidência de geadas e chuvas de pedras; c) todas as adversidades enfrentadas na produção das mudas foram alvo de fiscalização da SEAB, que após fiscalização “in loco” ao viveiro, emitiu laudo de vistoria em que ficaram constatados os problemas, estendendo prazo para a conclusão do projeto, que ao final cumpriu o seu objetivo; d) os apelantes não cometeram as irregularidades apontadas na sentença, apenas alguns vícios formais na execução do projeto; e) a comissão de licitação atendeu a todos os requisitos para proceder à construção de um barracão para tratos culturais e depósito de materiais utilizados no viveiro de mudas, através de carta convite em que restou vencedora a empresa SERCOMPAV; f) o município de Doutor Camargo teve problemas no pagamento do valor contratado, firmando acordo com a empresa vencedora no sentido de que esta receberia R$ 8.511,60 pela construção do barracão e o restante de R$ 6.488,40 seria quitado através de serviço de mão de obra prestado por funcionários da Prefeitura à empresa que, em troca, teve seu crédito quitado; g) toda a documentação provando o alegado foi devidamente encaminhada ao Tribunal de Contas do Paraná; h) na prestação junto ao Tribunal de Contas, aparece o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), e que realmente não é este, mas sim R$ 8.511,60 (oito mil, quinhentos e onze reais e sessenta centavos), podendo aqui ter havido um equivoco por parte do contador Julio Maria Figueiredo, que deveria ter juntado naquela prestação de contas os empenhos de prestação de serviços da prefeitura para a empresa SERCOMPAV, com o encontro de contas fechando os valores; i) a prova de que foi utilizado 35.600 metros de ripão está evidenciada no laudo juntado aos autos; j) o município, após a compra, emitiu cheque no valor de R$ 8.900,00 (oito mil e novecentos reais) para a empresa vencedora Romero e Cia Ltda., podendo ter ocorrido um descuido no momento de sua emissão, faltando preencher o campo referente ao portador, ressaltando que o referido cheque realmente não foi depositado na conta da empresa, e sim, repassado pelo seu representante, Domingos Romero, para Valdir Edemar Fries, para pagamento de uma dívida; k) a licitação para aquisição de sementes de café não teve nenhum vício, pois se realizou conforme determina a legislação; l) através de licitação, foi comprada de Adelino Tetuo Aramaki 430 quilos de sementes, que confeccionou nota fiscal de venda no valor total do contrato, todavia, o Sr. Adelino não entregou o total das sementes constantes na nota fiscal, e também não recebeu por aquele total, porque entregou 100 quilos, tendo recebido integralmente por esta entrega, e os recursos que deveriam ter sido destinados a ele, foram ajustado pelo município para repor valores gastos antecipadamente; m) não houve qualquer ilegalidade na licitação para privatização do viveiro de mudas de café, vencida por José Mario Morotti; n) ocorreu bis in idem na sentença no tocante ao apelante Valter Gonçalves Bessani; o) a sentença é extra petita porque solucionou a causa diversamente do que foi pedido pelo autor.

JOÃO SANCHES STABELINI apela da decisão, aduzindo que: a) exercia a função de membro da Comissão Permanente de Licitação e não participou de qualquer irregularidade nos procedimentos licitatórios; b) se posteriormente a homologação do procedimento licitatório ocorreram irregularidades, estas não podem ser atribuídas ao apelante, pois não era sua responsabilidade fiscalizar a entrega dos produtos; c) a condenação do apelante é genérica, tendo em vista a incerteza da efetiva concretização de dano ao erário público; d) o apelante não praticou qualquer ato culposo ou doloso que possa caracterizar ato de improbidade administrativa.

O MINISTÉRIO PÚBLICO apresentou seu apelo, afirmando que: a) a alegação de que houve cessão de mão-de-obra do Município para complementar o pagamento para a construção do barracão, além de ilegal, não foi comprovada nos autos; b) é inexorável a responsabilidade dos apelados integrantes da Comissão de Licitação, bem como da empresa Sercompav, pois, simularam um valor irreal pela obra, quase o dobro do que efetivamente foi gasto, não havendo notícia nos autos de onde teria sido aplicada a diferença, haja vista que o município prestou contas ao Tribunal de Contas do gasto total de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), contratado na licitação; c) não existiu nenhuma autorização formal do Município para que a construção do galpão fosse subcontratada; d) de acordo com a Lei de Licitação, a alteração contratual deveria ser formalizada, com as devidas justificativas, demonstrando-se no instrumento as razões supervenientes que a levaram a cumprir a obrigação de forma diferente; e) não foi produzida nenhuma prova da utilização dos recursos da compra de sementes para outra finalidade pública, estando devidamente comprovado que o cheque que fora supostamente utilizado para pagamento das sementes, no valor de R$ 10.415,00 (dez mil, quatrocentos e quinze reais), representando o total da operação, foi compensado, não havendo dúvidas de que este dinheiro saiu dos cofres públicos; f) apesar da aparência de legalidade do procedimento licitatório, o mesmo apresentava-se irregular, pois não houve competição entre os interessados em vender as sementes ao Município; g) embora o apelado Adelino tenha vencido o falso certame licitatório, a municipalidade não lhe destinou o numerário correspondente, pois Valter Gonçalves Bessani e Valdevino Bessani emitiram o referido cheque em favor da própria municipalidade, desconhecendo-se até o presente momento o destino dado, mas que por si só demonstra claramente que o certame não foi realizado, e sim “maquiado”, para proporcionar aparência de regularidade; h) foi devidamente comprovado nos autos que o Município de Doutor Camargo, representado por Valter Bessani, mesmo antes de se viabilizar o procedimento licitatório, realizou contrato de concessão de uso do viveiro municipal com o réu José Mario Moroti, em data de 29 de setembro de 1998, quando a homologação do certame se deu em data de 27 de novembro de 1998; i) os honorários devem ser fixados na forma do § 3º do art. 20 do CPC.

Contra-razões às f. 1905/1929 e 1932/1954.

A Procuradoria Geral de Justiça apresentou parecer, opinando pelo desprovimento dos recursos de Valter Gonçalves Bessani e outros, e João Sanches Stabelini, e pelo provimento do recurso do Ministério Público (f. 1973/1991).

É o relatório.

II. Presentes os pressupostos de admissibilidade dos recursos, passo ao exame do mérito.

O Ministério Público ingressou com Ação Civil Pública por Atos de Improbidade Administrativa em face de Valter Gonçalves Bessani e outros, apontando diversas irregularidades e ilegalidades por eles praticadas nos procedimentos licitatórios para execução do objeto do convênio firmado entre o Município de Doutor Camargo e a Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento - SEAB, que consistia na produção de dois milhões de mudas de café no viveiro municipal, a serem distribuídas a mini e pequenos produtores de Doutor Camargo, Floresta e Itambé.

Sustenta ter havido superfaturamento na execução do barracão edificado no viveiro municipal de Doutor Camargo e na aquisição de 3.600 metros de ripão, destinado a compor o projeto do viveiro municipal para produção de mudas de café. Aponta irregularidades na compra de sementes de café destinadas a compor o projeto. Acusa os apelantes de praticarem ilegalidades no procedimento administrativo para a privatização do viveiro municipal, causando danos ao erário, e o cometimento de atos de improbidade administrativa.

1. DA EXECUÇÃO DO BARRACÃO.

1.1. Da alegação de superfaturamento da licitação:

Na inicial da Ação Civil Pública, o Ministério Público acusa os apelantes de cometerem irregularidades na execução do barracão edificado no viveiro municipal de Doutor Camargo, consistente no superfaturamento do preço pago para a sua execução, haja vista que a contratação através de procedimento licitatório se deu pelo valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), e que, todavia, o valor efetivamente pago para a empresa vencedora do certame foi de apenas R$ 8.511,60 (oito mil quinhentos e onze reais e sessenta centavos).

Sustenta que o valor licitado está em desacordo com o valor de mercado, aduzindo que tanto a Comissão licitante, como a empresa SERCOMPAV, simularam um valor irreal pela obra, quase o dobro do que efetivamente foi gasto, causando danos ao erário.

Os apelantes se defendem da acusação do Ministério Público, argumentando que para propiciar condições básicas de operacionalidade para implantação do viveiro de mudas de café, foi licitada a construção de um barracão para tratos culturais e depósito de materiais utilizados no viveiro de mudas, com 120,00 m2 de área, cuja empresa vencedora foi a SERCOMPAV, que apresentou a melhor proposta, no valor global de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Esclarecem que por motivos alheios a sua vontade, a Prefeitura Municipal de Doutor Camargo não conseguiu efetuar o pagamento total do serviço, acordando com a empresa licitante que esta receberia o montante de R$ 8.511,60 (oito mil, seiscentos e onze reais e sessenta centavos) com a conclusão do barracão, e o restante, R$ 6.488,40 (seis mil, quatrocentos e oitenta e oito reais e quarenta centavos) seria quitado pela Prefeitura através da prestação de serviços de mão-de-obra pelos seus funcionários à referida empresa.

Consta no presente caderno que através da Comissão Permanente de Licitação, foram recebidas as propostas relativas à empreitada por preço global para construção do galpão, na modalidade Convite - nº 41/97, quedando-se vencedora a empresa Sercompav (f. 266/274). À f. 400, consta a nota de empenho referente à prestação do serviço, no valor de R$ 15.000,00, podendo ser observado no campo ‘Tesouraria’, a intenção de parcelamento da dívida com a emissão de dois cheques: o primeiro, no valor de R$ 8.511,60 (cheque nº 51088/Banest/café), e o segundo, no valor de R$ 5.000,00 (cheque nº 479366/Banest/Fundepar). Foi juntado aos autos fotocópia da nota fiscal e do recibo, ambas no valor global avençado (f. 401/402) e do extrato bancário demonstrando a compensação do cheque nº 051088, no valor de R$ 8.511,60 (f. 535).

O galpão foi removido para o almoxarifado de máquinas da Prefeitura do Município de Doutor Camargo. A área original de sua instalação atualmente é ocupada por pastagem. O laudo pericial acostado aos autos às f. 1373/1434, afirma que o custo de reedição do galpão com as características constantes no memorial descritivo (f. 581/585) seria de R$ 13.433,45 (treze mil, quatrocentos e trinta e três reais e quarenta e cinco centavos), valor com base no mês de dezembro de 1997. A diferença deste com o valor acordado entre a municipalidade e a empresa licitante não é considerável, (aproximadamente R$ 1.500,00), podendo ser aceita. Dentre as propostas apresentadas pelos participantes do certame, a da empresa SERCOMPAV foi a mais vantajosa para a Administração e, ao contrário do que afirma o Ministério Público, não está desconexa com a realidade de mercado, não havendo neste tópico conduta reprovável dos integrantes da Comissão de Licitação, que executaram o procedimento administrativo em igualdade de condições a todos os concorrentes, seguindo as regras estabelecidas no edital que o regulamentou.

A sentença atacada, embora tenha reconhecido a ausência de vícios formais no procedimento administrativo realizado pela Comissão de Licitação, condenou Valdevino Bessani, João Sanches Stabelini e Luiz Gobi pelo cometimento de fraude na construção do galpão.

Desse modo, razão assiste aos apelantes no que diz respeito à exclusão, no dispositivo da decisão objurgada, da condenação dos réus Valdevino Bessani, João Sanches Stabelini e Luiz Gobi pelo cometimento de fraude na construção do galpão. Não há provas de que intervieram em tal fase e, de acordo com o conjunto probatório, não restou demonstrado nos autos que o procedimento licitatório para tal fim não tenha respeitado os requisitos da Lei nº 8.666/93.

1.2. Do modo utilizado pela Administração Pública para a quitação do débito:

O tipo de licitação foi o de empreitada por preço global, no qual se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo e total (art. 6º, VIII, ‘a’, da Lei nº 8.666/93). No caso dos autos, o preço certo e total do valor contratado foi o de 15.000,00 (quinze mil reais), conforme previsão orçamentária constante no convênio firmado com a SEAB.

O objeto do certame era construção de um Galpão de Trabalho de Depósito no Viveiro Municipal, medindo 120,00 m2, com cobertura de eternite em alvenaria (f. 266), ficando a cargo exclusivo da empresa contratada todas as providências e despesas correspondentes a obra, compreendendo o aparelhamento, maquinário e ferramental, necessários a execução dos serviços contratados, bem como instalações provisórias de simetria, luz, força, água e todas as outras necessárias (f. 581).

De acordo com a defesa apresentada pela SERCOMPAV, “dias depois do certame” foi procurada pelo prefeito municipal que propôs ao seu representante que “ao invés de contratar empregados para edificar o Galpão, utilizasse mão de obra de servidores municipais”, porque a “Prefeitura contava com folhas de pagamento em atraso além de estar já passado o tempo de pagamento do 13º salário”, assim, “os trabalhadores da Prefeitura ajudariam na geração de recursos a serem empregados nos pagamentos de folhas atrasadas e do 13º salário (f. 948/956).

Admitem os apelantes que na documentação encaminhada ao Tribunal de Contas, constou nota fiscal no valor de R$ 15.000,00, para comprovação da quitação da obra, mas que teria sido um equívoco cometido pelo contador Júlio Maria Figueiredo, que deveria ter juntado na prestação de contas os empenhos de prestação de serviços da Prefeitura para a empresa Sercompav, com o encontro de contas fechando os valores.

Tal tese não prevalece. Conforme dispõe o art. 333 e art. 396, ambos do CPC, cabia aos apelantes a juntada de documentos capazes de desconstituir as alegações do Ministério Público. No caso, manifesta a ilicitude do procedimento adotado pela empresa e Administração.

Não há prova nos autos da utilização do remanescente (R$ 6.488,40) para o pagamento dos atrasados e do 13º salário aos servidores municipais. Tal valor integra parte do montante de convênio com a SEAB. Não se sabe o destino certo que tenha tomado.

Não se pode depositar a responsabilidade da prestação de contas somente ao contador municipal. Na qualidade de Prefeito Municipal, chefe maior do Poder Executivo Municipal, o agente político tem o dever inarredável de administrar os interesses da municipalidade, sendo sua responsabilidade a prestação de contas de toda e qualquer movimentação financeira executada durante a sua gestão.

É inconteste nos autos o acerto firmado entre o ex-prefeito do Município de Doutor Camargo e a SERCOMPAV:

“(...) o pedido do então Prefeito foi no sentido de que a requerida Sercompav apresentasse a Nota Fiscal e Recibo no valor total da empreitada, o que tornaria possível a Prefeitura efetuar a saída do dinheiro dos recursos do Convênio, pagando à Sercompav o montante de R$ 8.511,60 e os restantes R$ 6.488,40 seriam debitados a Sercompav e creditados a Prefeitura pela mão de obra que iria ser fornecida pela mesma.” (f. 948/956).

Em seu depoimento, o representante da empresa, Sr. Jovelino Bonfim disse que:

“(...) recebeu R$ 8.500,00 para a aquisição de materiais e gerenciamento da obra, com o emprego de mão de obra composta de funcionários da prefeitura; que o dinheiro que sobrou ficou com a prefeitura para empregar no próprio convênio de construção e manutenção do viveiro; que a licitação foi adjudicada por R$ 15.000,00, mas, como dito, o depoente recebeu apenas R$ 8.500,00; (...) que o contrato previa que a mão de obra seria por conta do depoente, mas acabou ficando a cargo da prefeitura, com o depoente recebendo valor menor.” (f. 1478).

A abertura das propostas apresentadas para a construção do galpão e a adjudicação em favor da Sercompav ocorreu em 05.12.97 (f. 266 e 173). A homologação da adjudicação foi em 15.12.97 (f. 272). A compensação do cheque no valor de R$ 8.511,60 aconteceu em 17.12.97 (f. 535). O lapso temporal decorrido entre a abertura das propostas e o pagamento pelo serviço contratado foi de 12 (doze) dias.

O agente político tinha conhecimento da possibilidade da Administração Pública fornecer mão-de-obra de servidores municipais, que se encontravam parados, para a construção do galpão. Preferiu contratar por valor maior e descaracterizar o contrato posteriormente, com alteração que viola os termos da Lei 8666/93.

Como ciente desde sempre de que poderia fornecer a mão de obra para a execução do contrato, deveria ter delimitado o objeto da licitação para tão somente o fornecimento de material para a referida construção, já que a mão-de-obra seria fornecida pela Prefeitura, possibilitando ao Poder Público a contratação da melhor proposta, dentre outras que poderiam ter sido ofertadas pela concorrência, por preços menores do que aquele pelo qual contratou, ou poderia, para melhor adequação às finalidades do interesse público, modificar o contrato anteriormente avençado, desde que a alteração fosse justificada e o seu aditamento publicado na imprensa oficial, pois esta é condição indispensável para sua eficácia (§ único, art. 61, da Lei nº 8.666/93). Certo é que não poderia fazê-lo, porque a situação como delineada não se enquadraria no permissivo legal do art. 65, inc. II, “c” (Lei 8666/93). Não havia circunstância superveniente a ser enfrentada.

A conduta do agente político, de encobrir o pagamento de supostas despesas do município por meio de nota fiscal parcialmente sem origem, desrespeita os princípios constitucionais da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa e da vinculação ao instrumento convocatório, porque contratou com empresa a execução da construção de galpão no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), efetuou a saída do dinheiro dos recursos do convênio firmado entre a municipalidade e a SEAB, recebeu nota fiscal no valor total da empreitada, e pagou pelo serviço o montante de R$ 8.511,60, sendo que inexiste nos autos prova da destinação do remanescente do valor total acordado.

Disse que utilizou para o pagamento de salários atrasados e 13º aos servidores municipais. Disse, mas não juntou documentação hábil a comprovar o alegado. Não conseguiu se desincumbir do ônus que lhe cabia. Não há prova do fato que alegou no sentido de ter utilizado os valores restantes para pagamento de salários e décimo terceiro. Os valores são indicados como gastos, mas não se sabe o destino que a diferença entre R$ 15.000,00 e R$ 8.511,60 tomou, apesar de apresentada ao Tribunal de Contas como paga (f. 268, 271, 272, 400, 401 e 402). No recibo de f. 402 encontra-se declaração de que R$ 15.000,00 foram recebidos, tal documento foi apresentado ao Tribunal de Contas (f. 553 e 927).

Em seu parecer, o Promotor de Justiça de 2º grau consignou que:

“(...) não há duvidas em relação ao superfaturamento da edificação do galpão, posto que a municipalidade somente desembolsou a importância de R$ 8.511,60 à empresa vencedora do certame, sendo a obra avaliada em R$ 15.000,00. Referido fato é comprovado pela cópia do cheque nº 051088 (fl. 819), bem como pelas declarações prestadas em juízo pelo próprio proprietário da empresa Sercompav Construção e Serviços de Pavimentação Ltda. (...).”

Não há que se falar em ausência de má-fé na conduta do agente político, pois agiu absolutamente ciente da ilegalidade de sua conduta, requerendo a emissão de nota fiscal sem origem (ao menos parcialmente) a fim de liberar verba pública para pagamento de despesas do município, em flagrante intenção de burlar a lei, e enganar o órgão controlador externo (Tribunal de Contas), pois se afirmou algo que não aconteceu.

José Afonso da Silva ensina que:

“A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, §4º). A probidade administrativa consiste no dever de o “funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer”. O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem.
(...).
A improbidade é tratada ainda com mais rigor, porque entra no ordenamento constitucional como causa de suspensão dos direitos políticos do ímprobo (art. 15, V, que já comentamos), conforme estatui o art. 37, § 4º, in verbis: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível (...)”.1

A reprovabilidade da conduta da empresa licitante, através do seu representante, também é indiscutível, porque é noção elementar que a emissão de notas fiscais só é permitida quando da realização da prestação de serviço. Deve haver laço de pertinência entre o valor do serviço efetivamente realizado e o declarado no documento fiscal. Sem isso, há alteração de fato relevante juridicamente. Sabe o titular da empresa que isso não deve e não pode fazer sob pena de prática ilícita. Emitiu nota e recibo, logo, praticou o ilícito de forma livre e consciente.

Evidente que o representante da empresa sabe que a emissão de nota fiscal não pode ser emitida ao bel prazer de quem as detém. Agiu com dolo, ao firmar declaração fiscal distinta da realidade dos fatos.

Com razão o Ministério Público ao afirmar a participação da empresa SERCOMPAV, e do seu representante, Jovelino Bonfim Lopes, no cometimento de danos ao erário, consistente na emissão de nota fiscal de prestação de serviços a maior do que o valor efetivamente pago pelo cheque. Documento que serviu para fundar apresentação de justificativa do gasto do Município na prestação de contas apresentada ao Tribunal de Contas e a presumida saída indevida de recursos dos cofres municipais.

O mesmo não se pode dizer da Comissão Licitante, composta pelos apelantes Valdevino Bessani, João Sanches Stabelini e Luiz Gobi, ao menos no que diz respeito à participação no desvio de verba para a construção do galpão ou na emissão da referida nota fiscal, atos de lesão do erário, porque as provas coligidas nos autos são insuficientes para responsabilizar os membros da comissão na prática de atos de improbidade administrativa. Não há elementos a indicar a interferência deles na execução indevida do contratado, devendo ser negado provimento ao recurso do Ministério Público, ao menos neste tópico.

1.3. Da subcontratação de empresa para a execução das obras de construção do galpão:

Consta no presente que a SERCOMPAV terceirizou o serviço de montagem da estrutura do galpão a empresa Irmãos Beluco:

“(...) foi o depoente que confeccionou, transportou e montou a estrutura; (...) não faz a obra terminada, só faz o “esqueleto” da obra (...); essa foi uma das últimas obras que fez para Sercompav (...)” (f. 1631).

A sentença guerreada consignou que nada há de ilegal no fato de as obras de construção do galpão terem sido executadas pela empresa subcontratada, Irmãos Beluco, e não diretamente pela empresa SERCOMPAV.

A Lei de Licitações prevê em seu art. 72:

“O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração.”

Há possibilidade de a empresa contratada subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, desde que dentro do limite admitido pela Administração Pública. Ocorre que, conforme ressaltou o Promotor de Justiça de 2º grau, não consta nos autos qualquer permissão pelo Poder Público de subcontratação da obra, portanto, a terceirização de parte da execução do objeto licitado está em desacordo com as exigências da Lei nº 8.666/93.

Não há dúvida de que a conduta do agente político ao permitir, por omissão, que a empresa vencedora do certame subcontratasse outra empresa para execução da obra, sem a prévia, devida e formal autorização pelo Poder Público, violou o princípio da moralidade administrativa. Disso foi beneficiária a empresa SERCOMPAV, juntamente com o seu representante legal, e certo é que concorreram para a prática da conduta censurada, porque desrespeitaram o acordo celebrado, que previa que a responsabilidade pela execução da obra seria integralmente da empresa.

Na lição de Marçal Justen “se o particular não dispunha de condições para executar a prestação, não poderia ter sido habilitado. Aliás, apurada a inidoneidade após a habilitação, a Administração deve promover a rescisão do contrato. Daí surge a regra da impossibilidade do contratado transferir ou ceder a terceiros a execução da prestação das prestações que lhe incumbiram. A lei autoriza, porém, que a Administração, em cada caso, avalie a conveniência de permitir a subcontratação, respeitados os limites predeterminados.” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Dialética, 12ª ed., p. 757).

No caso, deliberadamente, e sem autorização, foi cedida a execução do contratado para terceiro. Isso não foi autorizado pela Administração do ato de licitação, conforme documento de f. 742, 743, 747, 748 e 749.

Todavia, como tal ilícito diz com ato de execução do contrato, não se pode imputar responsabilidade aos membros da Comissão de Licitação. Não há prova nos autos de que os membros da Comissão Licitante tenham contribuído para a prática do ilícito.

Portanto, assiste parcial razão ao Ministério Público, devendo ser reformada a sentença guerreada, condenando-se a empresa SERCOMPAV e seu representante, Sr. Jovelino Bonfim Lopes, nas sanções legais previstas pelo cometimento de atos de improbidade administrativa, porque participaram de licitação cuja execução do objeto, de forma livre e consciente, se deu de maneira ímproba, com terceirização indevida da execução, emissão de nota que não corresponde à realidade executada com conseqüente justificação de despesa que faticamente tenha sido realizada em favor do Poder Público, o que fez com que não se saiba o real destino de mais de R$ 6.400,00.

2. DA FRAUDE NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E SUPERFATURAMENTO NA AQUISIÇÃO DE RIPÕES.

Aduzem os apelantes que para a aquisição de ripão para compor o projeto do Viveiro Municipal de Doutor Camargo, foi aberto processo de licitação, na modalidade Carta-Convite nº 36/97. Conforme se vê das propostas apresentadas, o procedimento licitatório foi aberto para aquisição de 35.600 (trinta e cinco mil e seiscentos) metros de ripão (f. 372/374), saindo-se vencedora a empresa D. Romero e Cia Ltda., que propôs o valor de R$ 0,25 (vinte e cinco centavos) a unidade, totalizando R$ 8.900,00 (oito mil e novecentos reais) (f. 374).

Consta no presente caderno fotocópia da nota de empenho referente à prestação do serviço e do extrato bancário demonstrando a compensação do cheque nº 051085, ambas no valor avençado na licitação (f. 376 e 636). Entretanto, os valores constantes nas três vias fiscais emitidas pelo serviço prestado são diferentes: a) o valor constante na primeira via é de R$ 8.900,00 (oito mil e novecentos reais); b) o valor constante na segunda e terceira vias é de R$ 900,00 (novecentos reais) (f. 123; 177 e 116, respectivamente).

Os apelantes afirmam que a quantidade de ripão utilizada no viveiro foi efetivamente 35.600 metros, que custaram R$ 8.900,00 (oito mil e novecentos reais), ressaltando que a nota fiscal preenchida no valor de R$ 900,00 (novecentos reais) é um problema fiscal da empresa Romero e Cia. Ltda., que preencheu a segunda via da nota fiscal com valor menor no intuito de recolher menos imposto.

2.1. Da fraude no procedimento licitatório:

Os depoimentos constantes nos autos não deixam dúvida quanto à ocorrência de fraude no procedimento licitatório.

Domingos Romero, proprietário da empresa Romero e Cia. Ltda., afirmou em seu depoimento que:

“(...) vendeu cerca de 3.600m lineares de ripões de eucalipto para construção do viveiro; (...) que o depoente não se recorda de alguma vez ter participado de licitação; que o depoente, no entanto, se recorda de ter assinado um documento dirigido à prefeitura, entregue por Valdevino ou Valdir (...); que em nenhum momento foi mencionado ao depoente que este estaria participando de uma licitação (...)” (f. 1614/1615). Grifei.

Valdir Frie consignou em seu depoimento que:

“(...) confirma que estava presente juntamente com o Sr. Valdevino Bessani na ocasião em que foi efetivada a compra de ripões para o Município de Doutor Camargo, os quais seriam destinados ao viveiro municipal; (...) quanto a questão da realização de licitação para a compra dos ripões o declarante desconhece qualquer coisa a respeito (...)” (f. 218/219). Grifei.

Um dia antes da suposta realização do procedimento administrativo da Carta-Convite nº 36/97, foi realizado outro procedimento administrativo (Carta-Convite nº 35/97) para a aquisição de caibro, que é similar ao ripão, em que foi vencedora a empresa A.G. Oliveira e Oliveira Ltda.-ME (f. 345), pela venda de 5.000 metros de caibro, a R$ 0,70 (setenta centavos) a unidade, totalizando R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais).

À f. 350 consta a nota de empenho no valor de R$ 2.415,00 (dois mil quatrocentos e quinze reais). Às f. 351/352 consta a nota fiscal e o recibo no valor de R$ 3.500,00.

Em depoimento prestado à Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Maringá, o Sr. José Albino Barbosa disse que:

“(...) no ano de 1997 o declarante possuía um depósito de madeira usada, porém não tendo firma aberta para registrar as operações de venda e compra; (...) foi procurado por Luiz Gobi, solicitando que o declarante assinasse um documento intitulado convite como sendo uma proposta oferecida à Prefeitura Municipal de venda de cinco mil metros de caibro no valor de R$ 3.750,00; que o declarante disse a Luiz Gobi que não poderia assinar qualquer documento a respeito das madeiras acima mencionadas em face de não ter firma aberta; que Luiz Gobi disse que poderia assinar a proposta porque era só para fazer número de pessoas para o certame licitatório, mas que certamente não seria ele o vencedor; (...) que o declarante pode confirmar que vendeu 3.500 metros de ripão usado para o viveiro municipal, cujo valor importa em R$ 700,00, e foi recebido através de quitação de carnês de IPTU que o declarante tinha em débito com o Município de Doutro Camargo (...)” (f. 298/299). Grifei.

Consta nos autos fotocópia do demonstrativo de despesas da municipalidade no qual se infere a emissão do cheque nº 051084, no valor de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) para a empresa MADEMÓVEIS - A.G. Oliveira e Oliveira Ltda., relativo a licitação Carta Convite nº 35/97 (f. 638). Ocorre que, conforme depoimento de José Albino Barbosa, foi vendido para o Município de Doutor Camargo 3.500 metros de ripão usado para o viveiro municipal. Todavia, o pagamento não se deu em espécie, e sim, “através de quitação de carnês de IPTU que o declarante tinha em débito com o Município de Doutor Camargo”.

Com relação à assertiva dos apelantes de que o cheque relativo ao pagamento de R$ 8.900,00 (oito mil e novecentos reais) foi entregue a empresa Romero e Cia. Ltda., podendo ter ocorrido um descuido no momento de sua emissão, faltando preencher o campo referente ao portador, razão pela qual a empresa teria repassado o cheque, através de seu representante, para Valdir Fries como pagamento de uma dívida, cai por terra porque o próprio beneficiário da quantia esclareceu em seu depoimento que:

“(...) o declarante afirma ter recebido do Município de Doutor Camargo dois cheques, um no valor de R$ 8.900,00 e outro no valor aproximado de 1.500,00, referentes a prestação de serviços do ano de 1997 e 1998 (...)”. Grifei.

Com efeito, o conjunto probatório constante nos autos indica que o procedimento administrativo foi simulado e serviu para acobertar a saída de recursos dos cofres públicos sem destinação exata, com o intuito de burlar a lei e causar lesão ao erário.

Não se pode, contudo, atribuir as irregularidades cometidas no procedimento administrativo a João Sanches Stabelini porque, apesar de ser membro da Comissão Licitante, não há prova suficiente neste sentido. Os procedimentos licitatórios foram com aparência de legalidade, e o seu nome não foi mencionado em nenhum dos depoimentos prestados, como integrando a simulação. Assiste razão a tal apelante, devendo ser dado provimento ao recurso por ele interposto, reformando-se a sentença guerreada para julgar improcedente a Ação Civil Pública com relação a João Sanches Stabelini.

Nega-se provimento ao recurso dos apelantes Valter Bessani e Outros porque a participação do prefeito Valter Gonçalves Bessani é inconteste, porque emitiu os cheques e assinou as notas de empenho ciente de que se tratava de simulação. Da mesma forma, a participação de Valdevino Bessani, Valdir Fries e de Luiz Gobi está comprovada, conforme a narrativa dos depoimentos prestados.

2.2. Do superfaturamento na aquisição das ripas:

Conforme já exposto anteriormente, consta no presente caderno fotocópia da nota de empenho referente à prestação do serviço e do extrato bancário demonstrando a compensação do cheque nº 051085, ambas no valor avençado na licitação (f. 376 e 636).

Entretanto, os valores constantes nas três vias fiscais emitidas pelo serviço prestado são diferentes: a) o valor constante na primeira via é de R$ 8.900,00 (oito mil e novecentos reais); b) o valor constante na segunda e terceira vias é de R$ 900,00 (novecentos reais) (f. 123; 177 e 116, respectivamente).

Em seu depoimento, Domingos Romero afirmou que:

“(...) vendeu cerca de 3.600m lineares de ripões de eucalipto para construção do viveiro; (...) que o pagamento foi feito em várias parcelas desiguais; (...) que a venda foi de R$ 900,00; que a nota fiscal foi lavrada no dia da retirada das mercadorias, na própria firma; que dada a proximidade, a nota fiscal foi preenchida pelo próprio réu Valdir Fries; que foi da iniciativa do próprio Valdir Fries o preenchimento da nota; que o depoente viu a nota e o valor desta era de R$ 900,00; que a contabilização para efeitos fiscais foram feitas com base nesse valor; que o depoente descobriu posteriormente que a nota havia sido “calçada”, elevando-se o seu valor para R$ 8.900,00; que calçar nota significa adulterar apenas a primeira via com valor divergente das vias que ficam em poder do vendedor; que o depoente tem certeza de que a venda foi no valor de R$ 900,00; (...) (f. 1614/1615). Grifei.

O argumento dos apelantes de que a quantidade de ripão utilizada no viveiro foi efetivamente de 35.600 metros não prospera, tendo em vista que, conforme a documentação carreada aos autos, a Prefeitura Municipal de Doutor Camargo efetuou outra compra de ripão, um dia após aquela, o que leva a crer que não houve a entrega dos 35.600m de ripão e sim 3.600m, de acordo com o depoimento prestado pelo proprietário da empresa Romero e Cia. Ltda., e corroborado com demais depoimentos de funcionários da municipalidade que afirmaram que o ripão utilizado no viveiro foi adquirido da madeireira de propriedade de João Alpino Barbosa, e que a 1ª via da nota fiscal emitida teria sido adulterada por quem estava na sua posse e não pelo proprietário da empresa, já que as outras duas vias não apresentam rasuras.

Ainda, consta no presente caderno que o cheque nº 051085, emitido para o pagamento da aquisição do ripão, teve por beneficiário o Sr. Valdir Frie, que nada tem haver com a empresa licitante.

Portanto, comprovado o superfaturamento na aquisição de ripão, bem como a adulteração da nota fiscal que foi enviada ao Tribunal de Contas, com o intuito de burlar a lei e desviar dinheiro público, e que deste fato teriam participado Valter Bessani, que emitiu o cheque efetuando a saída do dinheiro dos cofres públicos, Valdevino Bessani e Valdir Fries, que, em comum acordo, adulteraram a nota fiscal, deve ser negado provimento ao recurso dos autores, mantendo-se incólume a sentença atacada, ao menos neste tópico.

3. DA AQUISIÇÃO DE SEMENTES DE CAFÉ.

No que diz respeito à aquisição de sementes de café destinadas a compor o projeto do viveiro municipal, sustentam os apelantes que, para viabilizar a produção de mudas de café, foi aberto processo de licitação, na modalidade Carta-Convite nº 15/98. Conforme se vê das propostas apresentadas, o procedimento licitatório foi aberto para aquisição de 430 Kg de sementes de café (f. 422/423), saindo-se vencedora a firma Adelino Tetuo Aramaki, que apresentou proposta no valor de R$ 10.415,00 (dez mil quatrocentos e quinze reais) (f. 417).

A nota de empenho e a nota fiscal emitidas no valor acordado no certame foram juntadas aos autos às f. 426/427. O Ministério Público afirma que apesar da aparência de legalidade do processo de licitação, tal procedimento foi fraudado com o intuito de apropriação de dinheiro público pelos apelantes.

As provas coligidas nos autos demonstram que a mesma sistemática utilizada pelo ex-prefeito de Doutor Camargo no que diz respeito à construção do galpão foi utilizada na aquisição das sementes de café, com a intenção de burlar a lei.

Através dos depoimentos prestados nos autos, restou evidenciado que o ex-prefeito, Sr. Valter Bessani, antes de iniciar o procedimento licitatório, procurou o Sr. Adelino Tetuo Aramaki, com quem a Administração Pública contrataria posteriormente, e solicitou a emissão da nota fiscal de produtor s/nº, como se tivesse vendido ao Município de Doutor Camargo 430 kg de sementes de café, pelo valor de R$ 10.415,00 (dez mil quatrocentos e quinze reais), recolhendo sua assinatura como se tivesse remetendo proposta para o procedimento de licitação.

Eis o teor do depoimento Sr. Adelino Tetuo Aramaki, representante da firma vencedora do certame:

“(...) o depoente se bem se recorda vendeu para a Prefeitura de Doutor Camargo 430 Kg de sementes de café; que as sementes ficaram depositadas em uma câmera fria no local onde o depoente produz as sementes; que as sementes foram retiradas aos poucos, sendo pagas conforme iriam sendo retiradas; (...) que a prefeitura retirou cerca de 100 Kg; (...) que o depoente estima que recebeu apenas pouco mais de R$ 2.000,00; que anota fiscal foi emitida pelo valor integral da venda (...)” (f. 1479).

A Administração Pública emitiu cheque no valor de R$ 10.415,00, para o pagamento de sementes de café adquiridas através de procedimento administrativo e o produtor, Sr. Adelino, emitiu a nota fiscal no valor integral da venda, apesar de ter fornecido tão somente a quantia aproximada de 100 Kg de sementes, pelo montante de R$ 2.000,00.

Os próprios apelantes confirmam que contrataram com o Sr. Adelino a compra de 430 quilos de sementes de café, e que a nota fiscal foi confeccionada neste valor pois seria juntada na prestação de contas do município. Ressaltam que “realmente, o Sr. Adelino não entregou o total de sementes constantes na nota fiscal, também não recebeu por aquele total, vez que, entregou 100 quilos, tendo recebido integralmente por esta entrega.”

José Valdecir Cravo, funcionário da Prefeitura de Doutor Camargo à época dos fatos, disse que:

“(...) o depoente esteve uma vez em Nova Esperança com o réu Valter e um técnico da Emater para comprar sementes de café; (...) que as sementes negociadas com Adelino Aramaki não foram entregues; que foi o réu Valter Bessani quem negociou com Adelino Aramaki; (...) que as sementes produzidas pelo IAPAR têm qualidade garantida, e seria mais interessante para o Município adquiri-las (...)” (f. 1616).

Conforme ressaltou o Promotor de Justiça Substituto de 2º grau, há prova nos autos de que o cheque emitido para o pagamento das sementes foi compensado, não restando dúvidas quanto à saída do dinheiro dos cofres públicos. Por outro lado, não há nos autos qualquer indício de que este valor, não utilizado para o pagamento das sementes, já que a empresa vencedora entregou apenas 100 Kg, recebendo R$ 2.000,00 pelo serviço, foi devolvido aos cofres públicos.

Neste sentido é a manifestação do Ministério Público:

“(...) constata-se que não se produziu uma prova sequer da utilização dos recursos para outra finalidade pública. Na verdade, está devidamente comprovado que o cheque que fora supostamente utilizado para pagamento das sementes, no valor de R$ 10.415,00, representando o valor total da operação, foi compensado, conforme extrato de fls. 825. Assim, quanto à saída do dinheiro dos cofres públicos não resta qualquer dúvida.
Agora, o retorno deste dinheiro em outra conta-corrente do Município, alegação de defesa dos Apelantes, não tem nenhuma comprovação. Isto poderia ser feito, sem maiores problemas, com a juntada do extrato onde se comprove o crédito do referido valor, ou, até mesmo com o balancete mensal da Prefeitura que trouxesse tal lançamento (...)”.

A conduta do agente político, em utilizar nota fiscal com valor superior ao do serviço prestado, para ajustar as contas do município, desrespeitou os princípios da Administração Pública, principalmente o da legalidade e da boa administração, não podendo prevalecer a tese de que “para poder ajustar as contas do município, o prefeito municipal utilizou os recursos da compra R$ 10.415,00, para pagar a folha de pagamento do município, cópia do verso do cheque em anexo, pelo fato de anteriormente ter utilizado recursos do município para pagar sementes junto ao IAPAR, já que, houve atraso no repasse dos recursos por parte da SEAB”.

Conforme fotocópia do extrato da conta corrente da Prefeitura de Doutor Camargo, o valor firmado no convênio, de R$ 54.000,00 (cinqüenta e quatro mil reais) foi compensado no inicio do mês de novembro de 1997 (f. 534) e a nota de empenho, nota fiscal e recibo emitidos pelo IAPAR, referente ao pagamento de sementes de café pelo Município de Doutor Camargo, datam de 04 de novembro de 1997 (f. 429/432), ou seja, havia recurso mais do que suficiente (consta na nota de empenho um saldo de R$ 74.537,10) para o pagamento das sementes ao IAPAR.

Nem se argumente a ignorância da ilicitude do ato pelo Sr. Adelino Tetuo Aramaki, porque, em suas alegações, demonstrou ter conhecimento de que não poderia participar de processo de licitação, já que sua empresa não possuía a documentação apropriada e, mesmo assim, aceitou a proposta do agente político, emitindo nota fiscal com valor superior aquele efetivamente pago pelo serviço prestado. Agiu com livre intenção de se beneficiar, o que, para efeitos civis, é dolo na prática do ato de improbidade administrativa, não podendo se furtar do cumprimento da lei sob o argumento de que não a conhece. É a égide do art. 3º da LICC.

O mesmo não se pode dizer dos membros da Comissão Licitante. O procedimento administrativo obedeceu aos requisitos da lei, não havendo como se aferir se José Luiz Nicodemo, Luiz Gobi, João Sanches e Valdevino Bessani tinham conhecimento das ilegalidades que precederam o procedimento administrativo, e que foram cometidas por Valter Bessani.

Desse modo, assiste parcial razão ao recurso dos apelantes, reformando-se a sentença objurgada, excluindo-se da condenação os apelantes José Luiz Nicodemo, Luiz Gobi, João Sanches e Valdevino Bessani por não haver nos autos provas suficientes de que teriam participado da conduta ímproba, e parcial provimento ao recurso do Ministério Público, devendo haver condenação de Adelino Tetuo Aramaki pela sua participação na conduta ímproba.

4. DA PRIVATIZAÇÃO DO VIVEIRO MUNICIPAL.

No que diz respeito à acusação do Ministério Público de que os apelantes cometeram irregularidades e ilegalidades no procedimento administrativo para a privatização do viveiro municipal, a documentação acostada é inconteste e comprova a ilicitude do procedimento.

O vencedor do certame, Sr. José Mário Morotti, disse em seu depoimento que:

“(...) firmou contrato de concessão de uso do viveiro municipal de Doutor Camargo em data de 29 de setembro; que referido contrato foi elaborado no final do ano de 1998 pela pessoa de Luiz Gobi, entretanto datando-o como se fosse viabilizado em data de 29 de setembro de 1998” (f. 234/235).

O Promotor de Justiça de 2º grau esclareceu que:

“(...) percebe-se que a municipalidade de Doutor Camargo, mesmo antes de viabilizar o certame licitatório havia celebrado o contrato de cessão de uso do viveiro municipal, ocorrendo, por assim dizer, uma contratação direta”.

Portanto, caracterizada está a conduta ímproba do ex-prefeito de Doutor Camargo, Valter Bessani, e de Luiz Gobi, membro da Comissão Licitante, que, conscientes de que o procedimento administrativo serviria como mera formalidade para convalidar situação anteriormente estabelecida pelo agente político e o representante da empresa vencedora, indevidamente promoveram o certame e estabeleceram, com a empresa já contratada, acordo de concessão de uso do viveiro municipal, como se tivessem sido respeitados os princípios administrativos da legalidade, da isonomia e da moralidade.

Do mesmo modo, o Sr. José Mário Morotti não pode se furtar da sua responsabilidade, pois tinha conhecimento da situação anterior, e mesmo assim aceitou a proposta feita pelo agente político, e participou do certame do qual acabou saindo vencedor, em violação aos termos da Lei 8666/93. Não se pode dizer que não sabia do caráter ilícito do que praticava, pois, se assim fosse, estar-se-ia negando vigência aos termos do art. 3º da LICC.

Merece parcial provimento o recurso do Ministério Público no que diz respeito à comprovação da conduta ilícita dos apelantes Luis Gobi e José Mario Morotti no procedimento administrativo para a privatização do viveiro municipal, não restando demonstrada, no presente caderno, a participação dos demais membros da Comissão Licitante.

5. Dano.

5.1 Galpão.

O valor do dano na construção do galpão é a diferença entre R$ 15.000,00 e R$ 8.511,60. O primeiro montante é apontado como pago (há recibo) e o segundo não remunerou a construção do galpão, porque a mão de obra utilizada no valor de R$ 6.488,40 foi do próprio Município. Assim, está última quantia deve ser devolvida aos cofres públicos por Valter Gonçalves Bessani, Jovelino Bonfim Lopes e SERCOMPAV.

5.2 Ripões.

O valor do dano na aquisição dos ripões é de R$ 8.000,00, diferença entre o que foi efetivamente pago e o que saiu dos cofres públicos, a partir de nota fiscal adulterada (R$ 8.900- R$ 900 = R$ 8.000), e que deve ser devolvido a este, por Valter Gonçalves Bessani, Valdevino Bessani, Valdir Fries e Luiz Gobi.

5.3 Sementes de café.

Há manifesto dano ao erário, pois na aquisição de sementes de café houve a emissão de cheque no valor de R$ 10.415,00 que seria para o pagamento de tal compra para a pessoa de Adelino Tetuo Aramaki, que nunca recebeu este cheque, o qual foi objeto de desconto (f. 825). O dinheiro saiu para uma determinada finalidade que sequer existia. Deve ser reposto por Valter Gonçalves Bessani e Adelino Tetuo Aramaki. Valor a ser corrigido monetariamente a partir da data do ilícito (desconto do cheque) pelo INPC mais juros de 0,5%, a partir da citação até janeiro de 2003 (CC/03), passando neste momento para 1% ao mês, tudo até o efetivo pagamento.

6. Das sanções aplicadas.

6.1. João Sanches Stabelini:

Deve ser dado provimento ao recurso do apelante, reformando-se a sentença guerreada para que o mesmo seja absolvido das acusações constantes na Ação Civil Pública. Não há elementos que indiquem sua participação livre e consciente nos ilícitos.

6.2. SERCOMPAV:

Merece parcial provimento o recurso do Ministério Público, para que seja reformada a sentença, a fim de que a SERCOMPAV seja condenada nas sanções previstas no art. 12, III, da Lei nº 8.429/92 É de se incidir, no caso, a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, bem como multa civil no dobro do dano causado ao Município. Ainda, deve ser condenada a SERCOMPAV em ressarcir o prejuízo de forma solidária, nos termos do item “4” de f. 57, porque deu causa à emissão de nota fiscal de prestação de serviços a maior do que o valor efetivamente recebido, com efeito de justificar o gasto do Município na prestação de contas apresentada ao Tribunal de Contas, e a saída indevida de recursos dos cofres municipais e a subcontratação de empresa para a execução das obras de construção do galpão sem a autorização do Poder Público.

6.3. Jovelino Bonfim Lopes:

Merece parcial provimento o recurso do Ministério Público, para que seja reformada a sentença, a fim de que o apelado seja condenado nas sanções previstas no art. 12, III, da Lei nº 8.429/92, a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, bem como multa civil no dobro do dano causado ao Município. Ainda, em ressarcir o prejuízo de forma solidária, nos termos do item “4” de f. 58, ficando seus direitos políticos suspensos por cinco anos, porque deu causa à emissão de nota fiscal de prestação de serviços a maior do que o valor efetivamente recebido, com efeito de justificar o gasto do Município na prestação de contas apresentada ao Tribunal de Contas, a saída indevida de recursos dos cofres municipais, e a subcontratação de empresa para a execução das obras de construção do galpão, sem a autorização do Poder Público, em violação à Lei 8666/93.

6.4. José Mario Morotti:

Merece parcial provimento o recurso interposto pelo Ministério Público, devendo ser reformada a sentença, condenando José Mário Morotti nas sanções previstas no art. 12, III, da Lei nº 8.429/92, de proibição de contratar com o Poder Público ou recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, por sua participação na fraude ocorrida no procedimento licitatório para a privatização do viveiro municipal, ficando também com seus direitos políticos suspensos por cinco anos, por força do requerimento constante da inicial.

Não há prova de dano patrimonial. Assim, incide a multa civil no valor equivalente ao da quantidade de mudas prevista no contrato de f. 802 (concessão entrega de 120.000 mudas no valor de R$ 0,10 cada), ou seja, R$ 12.000,00. Valor a ser corrigido monetariamente a partir da data do ilícito 29.09.1998 pelo INPC mais juros de 0,5%, a partir da citação até janeiro de 2003 (CC/03), passando neste momento para 1% ao mês, tudo até o efetivo pagamento.

6.5. Luiz Gobi:

Merece parcial provimento o recurso de Luiz Gobi, para que seja reformada a sentença atacada, absolvendo-se o apelante da acusação de cometimento de fraude do procedimento licitatório, de desvio de verba para a construção do barracão, e na aquisição das sementes de café.

Dá-se parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, devendo ser reformada a sentença, condenando Luiz Gobi às sanções previstas no art. 12, III, da Lei nº 8.429/92, quais sejam, a suspensão dos direitos políticos por cinco anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, por sua participação na fraude ocorrida no procedimento licitatório para aquisição das ripas, e no procedimento administrativo para a privatização do viveiro municipal. Inclusive, para condená-lo no dever de reparar o dano derivado do procedimento para aquisição das ripas e impor-lhe a multa civil no valor equivalente ao da quantidade de mudas prevista no contrato de f. 802 (concessão entrega de 120.000 mudas no valor de R$ 0,10 cada), ou seja, R$ 12.000,00. Valor a ser corrigido monetariamente a partir da data do ilícito 29.09.1998 pelo INPC mais juros de 0,5%, a partir da citação até janeiro de 2003 (CC/03), passando neste momento para 1% ao mês, tudo até o efetivo pagamento.

6.6. Valdevino Bessani:

Merece parcial provimento o recurso interposto por Valter Bessani e outros para que seja reformada a sentença atacada, absolvendo-se o apelante da acusação de cometimento de fraude do procedimento licitatório e de desvio de verba para a construção do barracão, e na aquisição das sementes de café. Não há prova de que tenha intervindo diretamente nos ilícitos constatados, conforme exposto neste voto.

6.7. Adelino Tetuo Aramaki:

Dá-se parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, devendo ser reformada a sentença, condenando Adelino Tetuo Aramaki às sanções previstas no art. 12, III, da Lei nº 8.429/92, quais sejam, a suspensão dos direitos políticos por cinco anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, por sua participação na fraude ocorrida na aquisição de sementes de café.

7. Os primeiros apelantes alegam a ocorrência de bis in idem na sentença guerreada, aduzindo que Valter Gonçalves Bessani foi condenado duas vezes pelos mesmos fatos. Não é verdade. Na fundamentação da decisão atacada constou no item II. 8, o “desfecho da ação civil pública”, isso após análise dos fatos constantes na inicial. Depois, no dispositivo da sentença, item III, o juiz monocrático discriminou nas alíneas a,b,c,d, as sanções nas quais foram condenados os apelantes, não havendo que se falar em bis in idem.

8. Aduzem, ainda, que a decisão guerreada é extra petita porque solucionou a causa diversamente do que foi pedido pelo autor. Na inicial, o Ministério Público requereu a condenação dos apelantes nas sanções previstas no art. 12, II da Lei nº 8.429/92, ou nas sanções previstas no art. 12, III, do mesmo dispositivo. Isso não quer dizer que os apelantes deveriam ser condenados ou em uma sanção ou em outra.

Não poderia e, de fato, não ocorreu, a condenação dos apelantes pela prática de determinada conduta cumulando-se as sanções descritas nos incisos II e III do art. 12. Neste sentido o pedido do Ministério Público foi alternativo somente quanto à tipificação da conduta. O magistrado, analisando as circunstâncias do caso concreto, considerou dentro de cada fato descrito na inicial, as condutas praticadas por cada um dos apelantes e aplicou a pena que entendeu cabível com base em determinado dispositivo sem cumulação.

Com relação à aquisição de ripão, ficou comprovada a lesão ao erário pelo desvio de verba, a falsificação de nota fiscal e a fraude no procedimento administrativo. Cada conduta recebeu a sanção respectiva. Com relação à lesão ao erário pelo desvio da quantia de R$ 8.000,00 reais, os apelantes Valter Gonçalves Bessani e Valdir Edemar Fries foram condenados as sanções previstas no art. 12, II, da Lei nº 8.429/92. Já no que diz respeito à falsificação de nota fiscal, a sanção colimada ao réu Valter Gonçalves Bessani, foi aquela prevista no art. 12, III, da Lei nº 8429/92. Em face da fraude nos procedimentos administrativos realizados para a construção do galpão, aquisição de ripão, aquisição de sementes e arrendamento do viveiro. Valter Gonçalves Bessani, Valdevino Bessani, João Sanches Stabelini e Luiz Gobi, foram condenados às sanções previstas no art. 12, III, da Lei nº 8429/92.

Não houve decisão extra petita. Para cada fato, a sentença objurgada discriminou a conduta do acusado e a respectiva sanção, conforme pedido constante na inicial.

A assertiva do Ministério Público de que a fixação dos honorários advocatícios deverá ser na forma do § 3º do art. 20 do CPC procede. A norma é a condenação do vencido, a exceção se interpreta restritivamente. A regra insculpida no art. 18 da Lei da Ação Civil Pública diz respeito ao não pagamento de honorários advocatícios quando sucumbente a associação autora, salvo comprovada má-fé. Não é a hipótese dos autos. Prevalece a regra geral.

A ação foi proposta pelo Ministério Público, que restou vencedor, cabendo a parte vencida a condenação em honorários advocatícios. Plenamente cabível a incidência de referida verba honorária quando existe condenação de particular em sede de Ação civil Pública.

Confira-se:

“ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - CONDENAÇÃO DOS RÉUS EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - POSSIBILIDADE - CONVERSÃO DOS VALORES EM FAVOR DO ENTE FEDERATIVO CORRESPONDENTE. 1. Em ação civil pública, quando o Ministério Público é vencedor, cabe condenar a parte vencida em honorários advocatícios, verba que seria recolhida aos cofres do Estado, do Distrito Federal ou da União, conforme o caso. 2. O art. 4º do Decreto Estadual n. 2.666/2004 prevê que os honorários advocatícios devidos pela parte vencida, em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público, constituirão o Fundo de Reconstituição de Bens Lesados de que trata o art. 13 da Lei n.7.347/85. Recurso especial provido”. (REsp 962.530/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe 24/03/2009).

Em se tratando de Ação Civil Pública, a norma aplicável, em matéria de fixação de honorários advocatícios, é aquela prevista no art. 20, § 3º, do CPC2, porque a sua natureza não se enquadra naquelas previstas no § 4º do mesmo dispositivo.

Assim, atento às circunstâncias do caso concreto, verifico que a causa é de relevante complexidade, envolvendo a realização de prova documental, pericial e testemunhal, exigindo do patrono do autor trabalho relevante para a obtenção das informações de todo o conjunto probatório, sem contar que são 12 (doze) os acusados. Some-se a isso, que apresentou resposta a contestação, além de elaboração do recurso de apelação e contra-razões, articulando defesa pertinente com as razões de decidir expostas pelo Doutor Juiz. Tais circunstâncias estão a indicar que os honorários advocatícios deverão ser fixados em 20% sobre o valor da condenação, e destinados ao Fundo Especial do Ministério Público do Paraná, de acordo com o art. 3º, XV da Lei Estadual nº 12.241/98.

III. Pelo exposto, voto pelo conhecimento e provimento do recurso interposto por João Sanches Stabelini e pelo conhecimento e parcial provimento aos recursos de Valter Bessani e outros, e do Ministério Público, nos termos da fundamentação.

III. Pelo exposto, acordam os Integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer dos recursos, dando parcial provimento ao apelo 1 (Valter), dando provimento ao apelo 2 (João), e dando parcial provimento ao recurso do Ministério Público.

O julgamento foi presidido pelo Desembargador Abraham Lincoln Calixto, com voto, e dele participou a Desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima.

Curitiba, 25 de maio de 2009


Fábio André Santos Muniz
Juiz Convocado - Relator



1 Curso de Direito Constitucional, 24ª edição, 2005, página 669.

2 “Art. 20 (...) § 3º - Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos: a) o grau de zelo do profissional; b) o lugar de prestação do serviço; c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.”