29.10.09

Apelação cível - Ratinho/José Cláudio

APELAÇÃO CÍVEL Nº. 444324-1, DA 6ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MARINGÁ
APELANTE: CARLOS ROBERTO MASSA
APELANTE: MANOEL BATISTA DA SILVA JUNIOR
APELADO: MARIA APARECIDA BERALDO PEREIRA
RELATOR: DES. MACEDO PACHECO
REVISOR: DES. GUIMARÃES DA COSTA


Apelação Cível. Indenização. Palavras Ofensivas a Pessoa do Candidato. Insinuação de Prática de Ato Delituoso. Ausência de Provas ou Indícios. Comparações Irônicas sobre a Opção Sexual do Apelado. Danos Morais Caracterizados. Quantum Indenizatório Exacerbado. Redução. Correção Monetária. Incidência a partir da Decisão que a Fixou. Índice INPC. Recurso Provido em Parte.
1. Dos comentários proferidos, depreende-se que ao enumerar entre uma gama de razões que podem ter provocado o incêndio na fábrica do apelado, a ação intencional para o recebimento de seguro, ou o propósito de chamar a atenção do eleitorado, o primeiro recorrente, embora não tenha acusado diretamente o apelado da prática de ato delituoso, coloca no mínimo esta dúvida nos telespectadores, fazendo a alusão de que o então candidato a prefeitura de Maringá poderia ter tomado esta atitude.
Não se discute a liberdade de imprensa, ou de exteriorização do pensamento, direitos, aliás, consagrados pela Constituição, contudo, eles devem ser exercidos com parcimônia e responsabilidade, pois o abuso desse direito é passível de punição, tendo o ofendido o direito de resposta, além de indenização por dano material, moral ou à imagem, também garantido constitucionalmente (art. 5º, inc. V).
Portanto, ao defender o outro candidato, segundo recorrente, afirmando que ele não poderia ser apontado como o causador do incêndio, não deveria o primeiro recorrente, sem qualquer indício, pelo menos não há qualquer prova ou investigação nesse sentido nos autos, levantar a suspeita de que o incêndio foi provocado pelo apelado. Ora, ao aventar estas possibilidades de forma irresponsável e sem qualquer respaldo probatório, o recorrente agiu culposamente atingindo a honra e dignidade do apelado, já que enquanto os fatos não fossem esclarecidos, a imagem do ofendido estaria arranhada e colocada, no mínimo, sob suspeita perante a opinião pública.
Assim, a realização de comentários depreciativos ao apelado imputando-lhe a eventual prática de ato delituoso, aliado ao fato de fazer comparações maliciosas sobre a opção sexual do recorrido, trouxe sem dúvida gravames a sua imagem e credibilidade junto a sociedade, gerando o dever de indenizar, por restarem plenamente caracterizados os requisitos indispensáveis a ensejar reparação civil previstos no art. 186, do Código Civil, quais sejam, ação ou missão dolosa ou culposa, dano, e relação de causalidade.
2. A configuração do dano moral, por sua natureza abstrata e impalpável, independe de prova. Para restar caracterizado, consoante pacífica orientação jurisprudencial, é suficiente a demonstração do fato danoso.
3. Consubstanciado o dever de indenizar pelas ofensas proferidas pelo recorrente, o recurso interposto merece parcial provimento para o fim de reduzir o valor da indenização, demasiadamente exacerbado diante dos fatos apurados nos autos.
A quantificação do dano moral não deve ultrapassar os limites do enriquecimento sem causa, devendo, portanto, respeitar não só as forças econômicas daquele que há de indenizar e o status daquele que há de receber, mas também a intensidade do dolo ou o grau de culpa, bem como os efeitos do abalo no psiquismo da vítima e as repercussões do fato na comunidade em que ela vive.
Além disso, o valor da indenização embora deva ser expressivo, a fim de servir como desestímulo a reincidência da ofensa, não pode ser desvirtuado de seus reais objetivos, nem transformado em fonte de enriquecimento ilícito.
4. Na indenização por danos morais a correção deve incidir a partir da decisão que a fixou.
5. O INPC deve ser o índice a ser observado na atualização monetária, por ser o que melhor reflete e recompõe as perdas inflacionárias.
6. Recurso Parcialmente Provido.
Apelação Cível 2. Indenização. Inovação Recursal. Inocorrência. Legitimidade Passiva do Candidato. Comentários Depreciativos feito por Convidado. Veiculação de Encenação Preconceituosa e Aviltante em Programa Eleitoral. Dever de Indenizar Configurado. Honorários. Percentual. Manutenção. Redução da Importância Indenizatória Que Influi Diretamente na Verba Advocatícia. Recurso Provido em Parte.
1. Inicialmente não há que se falar em inovação recursal pela alegação de ilegitimidade passiva, por se tratar de matéria de ordem pública, que pode ser levantada ou conhecida de ofício a qualquer tempo.
Outrossim, não se sustenta a alegada inovação recursal levantada pelo apelado no tocante a inexistência de qualquer indício de solidariedade, ou a inocorrência de dano, e por conseguinte do dever de indenizar, visto que referidas matérias foram levantadas expressamente pelo requerido, ora recorrente, por ocasião da contestação.
Já as assertivas que os atos praticados configuraram exercício regular de direito e liberdade de expressão, embora não tenham sido mencionadas expressamente, fazem parte do contexto da resposta apresentada pelo requerido que procurou afastar de modo geral a ilicitude das condutas apontadas como ofensivas pelo autor.
2. Além do segundo recorrente ter permitido os comentários depreciativos e ofensivos feitos pelo seu convidado Carlos Roberto Massa, não se pode olvidar que a ação intentada postula também reparação indenizatória por uma encenação de atores veiculada em seu programa eleitoral, o que sem dúvida consubstancia a sua legitimidade passiva.
3. Demonstrada a intenção de ofender a pessoa do candidato, através de veiculação em seu programa eleitoral de encenação preconceituosa e aviltante, aliado ao fato de ter permitido que o seu convidado Carlos Roberto Massa tecesse comentários depreciativos a honra e imagem do apelado em programa de sua responsabilidade, deve o recorrente responder solidariamente pelo ilícito praticado.
4. No que tange aos honorários advocatícios, é de ser mantido os 20% sobre o valor da condenação fixados pela r. decisão singular, até porque, a redução do montante indenizatório, diminui automaticamente a verba honorária.


VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº. 444324-1, da 6ª Vara Cível da Comarca de Maringá, em que são Apelantes Carlos Roberto Massa e Manoel Batista da Silva Junior, e Apelado Maria Aparecida Beraldo Pereira.
Jose Cláudio Pereira Neto ajuizou ação de indenização por danos morais em face de Carlos Roberto Massa, Manoel Batista da Silva Junior, e Domingos Trevisan Filho, sob a alegação ter sido ofendido em sua honra e dignidade quando era candidato a prefeito de Maringá, pelas insinuações de que seria homossexual ou bissexual em alusão a Nero, imperador romano, após a ocorrência de incêndio em sua propriedade, bem como que se fosse eleito, a cidade de Maringá seria comparada a Pelotas ou Campinas, supostamente como de grande concentração de homossexuais.
Ante o falecimento do autor no curso da ação, houve a substituição do pólo ativo da demanda pela sua genitora, Sra. Maria Aparecida Beraldo Pereira, a qual requereu a exclusão processual do réu Domingos Trevisan Filho (fls. 136/142), tendo sido julgado extinto o processo em relação a ele, com fulcro no art. 267, inc. VIII, do Código de Processo Civil (fls. 165).

A ação foi julgada procedente em relação aos réus remanescentes, para o fim de condená-los solidariamente ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 302.000,00 (trezentos e dois mil reais), a serem corrigidos monetariamente e acrescidos de juros desde o ajuizamento da ação, mais custas e honorários fixados em 20% sobre o valor da condenação.
Inconformados com a decisão condenatória, ambos os requeridos dela recorreram, requerendo a sua reforma.
O réu Carlos Roberto Massa, em suas razões de recurso, assevera que em nenhum momento comparou o apelado com o ex-imperador Nero, ou questionou sua opção sexual, nem mesmo disse que o recorrido seria o verdadeiro responsável pelo incêndio em sua própria fábrica, salientando que não praticou qualquer ato ilícito, como se extraí dos comentários por ele realizados em programa eleitoral. Aduz que tão somente enumerou várias hipóteses que poderiam ter provocado o incêndio, inclusive algumas históricas, mas que não se podia imputar aquele sinistro ao adversário político do apelado, ou seja, ao outro requerido Manoel Batista da Silva Junior.
Destaca, ainda, que não fez qualquer imputação ao apelado da prática de homossexualismo, mas apenas inquiriu um entrevistado sobre o casamento de homossexuais e sobre o aborto, temas defendidos pela ex-prefeita de São Paulo e companheira de partido do apelado, Marta Suplicy, suscitando, ademais, que o livre exercício da crítica é assegurado pela Lei de Imprensa.

Acentua que não pode ser condenado por ter discordado e criticado o plano político-governamental do apelado, ou pelo preconceito que algumas pessoas, inclusive do Poder Judiciário, nutrem por sua pessoa e seu programa de televisão.
Suscita que os comentários e críticas realizados não ofenderam a moral e dignidade do apelado como candidato a prefeito de Maringá, não havendo que se falar em danos morais, até porque mero dissabor não enseja reparação indenizatória, além de apontar a ausência do nexo de causalidade, pois mesmo que se entenda que os comentários foram ofensivos, nunca se atribuiu qualquer fato criminoso ou depreciativo ao apelado, já que as críticas foram direcionadas apenas a proposta política e ao partido político do então candidato, ora recorrido.
Enfatiza, ainda, que somente pode responder pelos atos específicos que cometeu, não podendo ser responsabilizado se o co-réu e o demais participantes do programa eleitoral ultrapassaram os limites previstos na lei de imprensa.
Porém, caso mantida a condenação, requer a aplicação dos juros de mora a partir da citação, nos termos do art. 405, do Código Civil, e a correção a partir da decisão que fixou os danos morais, bem como a redução do quantum fixado para, no máximo, R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Por sua vez, Manoel Batista da Silva Junior também apresentou razões recursais, alegando preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, já que os comentários que geraram o pleito indenizatório foram feitos pelo primeiro requerido, sem qualquer participação do recorrente, inexistindo responsabilidade solidária entre os requeridos, ou sequer cumplicidade a respaldar sua condenação.
No mérito, sustenta a inexistência de dano, e a inocorrência de ato ilícito, asseverando que o fato noticiado limitou-se a debate meramente político, constituindo-se em exercício regular de direito e de liberdade de expressão, e que em nenhum momento tiveram a intenção de induzir o eleitorado a concluir que o apelado mantinha comportamento homossexual.

Requer a final, a reforma da decisão atacada, e caso seja mantida, a redução dos valores fixados a título de danos morais, a um valor não superior a 30 salários mínimos, bem como a incidência da correção monetária a partir da sentença, e dos juros de mora a partir da citação, além da diminuição dos honorários de sucumbência.

A apelada apresentou contra-razões, pugnando pelo desprovimento do recurso manejado por Carlos Roberto Massa, bem como pelo não conhecimento das alegações de ilegitimidade de parte, inexistência de solidariedade, inocorrência de dano ou de ato ilícito, ou de que os atos praticados configuram exercício regular de direito e liberdade de expressão, levantadas pelo recorrente Manoel Batista da Silva Junior, por se tratar de inovação recursal, devendo ser mantida a sentença em todos os seus tópicos.

É o relatório.

Cuida a matéria de tempestivas apelações manejadas por Carlos Roberto Massa e Manoel Batista da Silva Junior contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 6ª Vara Cível da Comarca de Maringá, que julgou procedente a ação de indenização por danos morais que lhe moveu José Cláudio Pereira Neto, condenando-os solidariamente ao pagamento de R$ 302.000,00 (trezentos e dois mil reais), importância equivalente a dois mil salários mínimos vigentes à época da propositura da ação, a título de danos morais, mais custas e honorários fixados em 20% sobre o valor da condenação.

Do Recurso manejado por Carlos Roberto Massa.

O recorrente alega em síntese que em nenhum momento disse que o apelado era homossexual ou que ele teria sido responsável pelo incêndio ocorrido em sua fábrica.

Relevante transcrever as palavras proferidas pelo apelante Carlos Roberto Massa, conhecido popularmente como “Ratinho”, no programa eleitoral do outro requerido, Manoel Batista da Silva Junior, então candidato a prefeitura da cidade de Maringá.


“o fato novo da campanha, é esse negócio do incêndio. Eu já vi esse filme antes. Eu já vi este filme antes de candidato que já deu um tiro no próprio carro, eu já vi até um secretário comentar que já deu um tiro no próprio carro, eu já vi gente batendo na mãe para culpar o outro candidato, eu já vi gente fazendo um monte de coisas, né? O incêndio que aconteceu na fábrica do rapaz que é candidato do outro partido pode Ter sido um curto circuito, pode Ter sido uma máquina que pegou fogo, pode Ter sido alguém que colocou fogo para receber o seguro, pode Ter sido alguém de outro partido, pra fazer o candidato, o rapaz de vítima para ganhar as eleições, porque está caindo nas pesquisas. Pode ser um monte de coisas. Pode ser que pegou fogo mesmo como fato isolado. Nós já vimos histórias até na..., antiga história do mundo. Eu lembro que nós tivemos até um imperador chamado Nero, né, que ele, Nero era um imperador muito cruel, bissexual, homossexual, que ele pegava, pegou aquele instrumento, a Harpa e tocando a Harpa, tocou fogo em Roma, só para fazer poesia. Nós já vimos tudo isso na história. Agora, o que não pode querer é colocar a campanha do Dr. Batista como culpada, como desse incêndio. Só faltava isso. É o desespero de quem começa perder a eleição, porque o povo de Maringá começou a pensar melhor. E pensando bem. Será que vale a pena colocar cartilha do PT administrado Maringá. Será que vale a pena?” (fls. 29).

Em outro momento, o apresentador “Ratinho” no mesmo programa eleitoral do outro requerido, Dr. Batista, não fugindo do tema “homosexualismo” pergunta ao Padre Jair: “A candidata do PT em São Paulo é a favor do casamento de homossexuais, de casamento de homem com homem, é a favor do aborto. Como o Sr. Vê as duas questões?” (fls. 29).

Resposta: “Veja bem Ratinho, pai trocando num sábado à tarde a sua roupa pra ir fazer o casamento do seu filho com seu esposo? Imagine bem! Imagine bem! Tem coisa mais importante. Homem com homem ... Tem coisa mais importante para Maringá. A questão do aborto, isto é condenado pelas igrejas. Jamais nós aceitaremos, o aborto é condenado por nós, uma vida num ventre, num ente querido, uma vida intra-uterina já é designada por Deus. O homem não tem o poder de tirar a vida, de matar um ser humano. É inadmissível que uma deputada lendo uma cartilha chegue a esse ponto de levar para o Congresso um projeto desse.” (fls. 30).

Dos comentários proferidos, depreende-se que ao enumerar entre uma gama de razões que podem ter provocado o incêndio na fábrica do apelado, a ação intencional para o recebimento de seguro, ou o propósito de chamar a atenção do eleitorado, o recorrente, embora não tenha acusado diretamente o apelado da prática de ato delituoso, coloca no mínimo esta dúvida nos telespectadores, fazendo a alusão de que o então candidato a prefeitura de Maringá poderia ter tomado esta atitude.

Não se discute a liberdade de imprensa, ou de exteriorização do pensamento, direitos, aliás, consagrados pela Constituição, contudo, eles devem ser exercidos com parcimônia e responsabilidade, pois o abuso desse direito é passível de punição, tendo o ofendido o direito de resposta, além de indenização por dano material, moral ou à imagem, também garantido constitucionalmente (art. 5º, inc. V).

Portanto, ao defender o outro candidato, Manoel Batista da Silva Junior, também requerido, afirmando que ele não poderia ser apontado como o causador do incêndio, não deveria o recorrente, sem qualquer indício, pelo menos não há qualquer prova ou investigação nesse sentido nos autos, levantar a suspeita de que o incêndio foi provocado pelo apelado. Ora, ao aventar estas possibilidades de forma irresponsável e sem qualquer respaldo probatório, o recorrente agiu culposamente atingindo a honra e dignidade do apelado, já que enquanto os fatos não fossem esclarecidos, a imagem do ofendido estaria arranhada e colocada, no mínimo, sob suspeita perante a opinião pública.

De outro norte, ao comentar que o Imperador Nero era homossexual e teria colocado fogo em Roma, e questionar um padre sobre o que ele achava sobre o casamento entre homossexuais, o recorrente procurou sem dúvida nenhuma ofender a dignidade e honra do recorrido. Tais afirmações insinuam que o apelado poderia ser comparado ao Imperador Nero, historicamente conhecido por ter colocado fogo em Roma e por ser homossexual, colocando assim em dúvida a opção sexual do recorrido.

Assim, a realização de comentários depreciativos ao apelado imputando-lhe a eventual prática de ato delituoso, aliado ao fato de fazer comparações maliciosas sobre a opção sexual do recorrido, trouxe sem dúvida gravames a sua imagem e credibilidade junto a sociedade, gerando o dever de indenizar, por restarem plenamente caracterizados os requisitos indispensáveis a ensejar reparação civil previstos no art. 186, do Código Civil, quais sejam, ação ou missão dolosa ou culposa, dano, e relação de causalidade.

Registre-se que para comprovação do dano moral basta a configuração do ato ofensor, sendo desnecessária a demonstração do prejuízo. Sobre o tema, relevante transcrever a lição do eminente Desembargador Sérgio Cavalieri Filho do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

“Por se tratar de algo imaterial, ou ideal, não pode exigir que a comprovação do dano moral seja feita pelos mesmos meios utilizados para a demonstração do dano material. Jamais poderia a vítima comprovar a dor, a tristeza, ou a humilhação através de documentos, pericial ou depoimentos. Neste ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, de tal modo que, comprovado o fato danoso, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum (LCR). (TJRJ - EI -AC 613/1999 - (26042000) - I C. G. CV. - Relator Des. Sérgio Cavalieiri Filho, Julgado em 29.03.2000).

Rui Stoco ao tratar da prova do dano moral em seu conceituado Tratado de Responsabilidade, as fls. 1691 da 6ª edição, leciona:

“A causação do dano moral independe de prova, ou melhor comprovada a ofensa moral o direito à indenização desta decorre, sendo dela presumido. (...) Como o dano moral é um não dano, não haveria como provar, quantificando, o alcance deste dano, como ressuma obvio”.

Com certeza, a configuração do dano moral, por sua natureza abstrata e impalpável, independe de prova. Para restar caracterizado, consoante pacífica orientação jurisprudencial, é suficiente a demonstração do fato danoso.

Nesse sentido, trago a colação os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:

“Dispensa-se a prova de prejuízo para demonstrar a ofensa ao moral humano, já que o dano moral, tido como lesão à personalidade, ao âmago e à honra da pessoa, por vezes é de difícil constatação, haja vista os reflexos atingirem parte muito própria do indivíduo. O seu interior”. (RESP 85.019-RJ, 4ª Turma, Relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 18.12.1998, p. 358).”

INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. (...)
Na concepção moderna da reparação do dano moral prevalece a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto.
Recurso especial conhecido e provido. (REsp 331517 / GO, T4 - Quarta Turma, Relator Min. Cesar Asfor Rocha, Julgado em 27/11/2001).

Extraí-se do aresto supracitado:

“Cediço que, na concepção moderna da reparação do dano moral, prevalece a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto.
Assim, a indenização por dano moral é cabível independentemente de existir ou não qualquer prova a demonstrar eventual prejuízo concreto decorrente do ato lesivo.
O dano moral decorre in re ipsa, vale dizer, do próprio registro de fato inexistente, bastando a constatação de ato ilícito para concretizar o direito a reparação.”

Não é outro o entendimento que vem sendo consolidado por este Areópago:

Apelações Cíveis. Apelo 1. Exclusão da responsabilidade de indenizar. Fato de terceiro. Improcedência. Prejuízo moral. Caracterizado. Desnecessidade de comprovação. Diminuição do valor. Impossibilidade. (...) I - Afasta-se a assertiva aventada com base no Código de Defesa do Consumidor de exclusão da responsabilidade de indenizar por fato de terceiro quando evidente a conduta culposa e o nexo causal com o dano sofrido. II - Para restar caracterizado o dano moral, basta que sejam evidenciados o nexo causal, o fato e a conduta ilícita que deu ensejo ao prejuízo. III - O valor arbitrado a título de indenização por danos morais deve representar uma compensação à vítima, guardando-se proporcionalidade entre o ato lesivo e o dano moral sofrido. Se correspondente aos critérios apontados, não há que ser alterado o valor. IV - Ambos os recursos de apelação que não merecem ser providos. (Apelação Cível nº. 366850-8, 9ª Câmara Cível do TJPR, Relator Des. Tufi Maron Filho, Julgada em 30/11/2006).

“(...) A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que, a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (danum in re ipsa). Verificado o evento danoso, surge a necessidade de reparação, sendo desnecessária a prova do prejuízo em concreto, desde que presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil” (Apelação Cível nº. 177.172-2, 6ª Câmara Cível do TJPR, Relator Des. Milani de Moura, Julgada em14/03/2006).

Entretanto, consubstanciado o dever de indenizar pelas ofensas proferidas pelo recorrente, o recurso interposto merece parcial provimento para o fim de reduzir o valor da indenização, demasiadamente exacerbado diante dos fatos apurados nos autos.

Com efeito, a quantificação do dano moral não deve ultrapassar os limites do enriquecimento sem causa, devendo, portanto, respeitar não só as forças econômicas daquele que há de indenizar e o status daquele que há de receber, mas também a intensidade do dolo ou o grau de culpa, bem como os efeitos do abalo no psiquismo da vítima e as repercussões do fato na comunidade em que ela vive.

Além disso, o valor da indenização embora deva ser expressivo, a fim de servir como desestímulo a reincidência da ofensa, não pode ser desvirtuado de seus reais objetivos, nem transformado em fonte de enriquecimento ilícito.

Sobre o tema, oportuno mencionar a lição de Caio Mário da Silva Pereira, em “Responsabilidade Civil”, nº 45, pág. 67, Rio de Janeiro, 1989.:

“A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes do seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva.”

O Colendo Superior Tribunal de Justiça, no REsp 355392, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, fixou alguns critérios para o arbitramento do dano moral:

“DANO MORAL. REPARAÇÃO. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO VALOR. CONDENAÇÃO ANTERIOR, EM QUANTIA MENOR.
Na fixação do valor da condenação por dano moral, deve o julgador atender a certos critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição sócio-econômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa; efeitos do dano no psiquismo do ofendido e as repercussões do fato na comunidade em que vive a vítima. Ademais, a reparação deve ter fim também pedagógico, de modo a desestimular a prática de outros ilícitos similares, sem que sirva, entretanto, a condenação de contributo a enriquecimentos injustificáveis. (...)”

Deste modo, considerando o grau de culpa, a situação econômico-financeira das partes, a extensão do dano, bem como os critérios da razoabilidade e do bom senso que devem nortear o arbitramento das indenizações por dano moral, para que o montante fixado não seja ínfimo a ponto de não amenizar o constrangimento sofrido, nem exorbitante a ponto de causar enriquecimento ilícito, mas suficiente para servir de desestímulo a reincidência da ofensa, a indenização a título de danos morais deve ser reduzida dos exagerados R$ 302.000,00 (trezentos e dois mil reais), fixados na r. sentença, para o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

O recurso também merece provimento quanto ao termo inicial da correção monetária, já que na indenização por danos morais a correção deve incidir a partir da decisão que a fixou.

A jurisprudência corrobora esse entendimento:

“RESPONSABILIDADE CIVIL - INSCRIÇÃO INDEVIDA DE CORRENTISTA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES - DANO MORAL - QUANTUM INDENIZATÓRIO - JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA - TERMO INICIAL - O valor arbitrado a título de danos morais pelo Tribunal a quo não se revela exagerado ou desproporcional às peculiaridades da espécie, não justificando a excepcional intervenção desta Corte para rever o quantum indenizatório. A “correção monetária em casos de responsabilidade civil tem o seu termo inicial na data do evento danoso. Todavia, em se tratando de dano moral o termo inicial é, logicamente, a data em que o valor foi fixado” (RESP nº 66.647/SP, relatado pelo eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 03/02/1997). Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.” (STJ - RESP 625339 - MG - 4ª T. - Rel. Min. Cesar Asfor Rocha - DJU 04.10.2004 - p. 00326).

“Dano Moral. Correção Monetária. Termo inicial. Precedente da Corte. 1. Na forma de precedente da Corte, a ‘correção monetária em caso de responsabilidade civil tem o seu termo inicial na data do evento danoso. Todavia, em se tratando de dano moral o termo inicial é, logicamente, a data em que o valor foi fixado’. 2. Recurso Especial conhecido e provido” (STJ, 3ª Turma, REsp 204.677, Rel. Min. Menezes Direito, DJ 28.02.00).

Ante a ausência de fixação do índice de correção pela r. decisão singular, determino de ofício, a aplicação do INPC como índice a ser observado na atualização monetária, por ser o que melhor reflete e recompõe as perdas inflacionárias.

Esta Corte Recursal vem pacificando tal entendimento.

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO MONITÓRIA - CERCEAMENTO DE DEFESA - CARÊNCIA DE AÇÃO - INÉPCIA DA INICIAL - PRELIMINARES REJEITADAS - CORREÇÃO MONETÁRIA - ÍNDICE LEGAL - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - REDUÇÃO. (...) 4. O INPC é o índice a ser aplicado nos débitos judiciais, porque melhor reflete a sua função, qual seja, recomposição do valor real da moeda. (Apelação Cível nº. 171809-0, 9ª Câmara Cível do TJPR, Relator Des. Marco Antonio de Moraes Leite, Julgada em 05/05/2005).

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - PREQUESTIONAMENTO - INOCORRÊNCIA DE OMISSÃO OU OBSCURIDADE NO TOCANTE AO VALOR DA MULTA DIÁRIA - OMISSÃO RECONHECIDA NO TOCANTE AO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA APLICÁVEL - EMBARGOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. (...) A correção monetária do valor fixado para a indenização se fará com a aplicação do INPC, que é um índice oficial que bem recompõe as perdas inflacionárias. (Apelação Cível nº. 152680-3/01, 5ª Câmara Cível do TJPR, Relator Roberto De Vicente, Julgada em 07/06/2005).

Já o termo inicial dos juros moratórios não merece qualquer reparo, pois em se tratando de responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito os juros de mora incidem desde a data do evento danoso (Súmula 54, STJ), e não a partir da citação, como defende o recorrente. Contudo, como o d. juízo a quo fixou a incidência dos juros a partir do ajuizamento da ação, e o autor não recorreu da decisão, deve permanecer o termo inicial fixado na r. decisão monocrática.

Por fim, antes que se alegue em eventual embargos de declaração, o valor pedido a título de indenização por danos morais é meramente estimativo, portanto, o seu não acolhimento, não enseja sucumbência recíproca.

Do recurso interposto por Manoel Batista da Silva Júnior.

Inicialmente não há que se falar em inovação recursal pela alegação de ilegitimidade passiva, por se tratar de matéria de ordem pública, que pode ser levantada ou conhecida de ofício a qualquer tempo.

Outrossim, não se sustenta a alegada inovação recursal levantada pelo apelado no tocante a inexistência de qualquer indício de solidariedade, ou a inocorrência de dano, e por conseguinte do dever de indenizar, visto que referidas matérias foram levantadas expressamente pelo requerido, ora recorrente, por ocasião da contestação.

Já as assertivas que os atos praticados configuraram exercício regular de direito e liberdade de expressão, embora não tenham sido mencionadas expressamente, fazem parte do contexto da resposta apresentada pelo requerido que procurou afastar de modo geral a ilicitude das condutas apontadas como ofensivas pelo autor.

Superadas as alegações do apelado, passo a analisar a preliminar de ilegitimidade passiva argüida pelo recorrente.

Além do requerido Manoel Batista da Silva Junior ter permitido os comentários depreciativos e ofensivos feitos pelo seu convidado Carlos Roberto Massa, não se pode olvidar que a ação intentada postula também reparação indenizatória por uma encenação de atores veiculada em seu programa eleitoral, o que sem dúvida consubstancia a legitimidade passiva do recorrente.

Superada a preliminar, passo a análise do mérito.

Como suscitado alhures, não só o depoimento de alguns convidados foi contestado pelo autor, ora apelado, mas também uma encenação assim transmitida pelo programa do recorrente (fls. 30):

“Enquanto isso, no outro partido ...
Entra dupla de atores:
1º ator: Companheiros! Eu estou muito feliz.
2º ator: Por que?
1º ator: áááh! O partido do meu candidato vai colocar Maringá em projeção nacional como Campinas e Pelotas. Aquela Lei do nosso Partido que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, homossexuais.
2º ator: Como? O que?
1º ator: Sexuais. Gays entre si sabe! Aliás você é casado ou solteiro?
2º ator: Tô fora, rapaz, sai pra lá! Meu candidato é outro. Batista neles, vote 14.”

Ora, a cena apresentada de forma caricata, conforme reportagem do Jornal Diário do Norte do Paraná (fls. 24), e até preconceituosa ao homossexualismo, o que gerou aliás, a suspensão do programa eleitoral, teve por escopo ofender e agredir os homossexuais, bem como a pessoa do então candidato José Cláudio Pereira Neto, com questionamentos irônicos e depreciativos sobre o casamento entre homossexuais e o estado civil dos “personagens”, para atingir o apelado pelo fato dele ser solteiro.

Portando, demonstrada a intenção de ofender a pessoa do candidato, através de veiculação em seu programa eleitoral de encenação preconceituosa e aviltante, aliado ao fato de ter permitido que o seu convidado Carlos Roberto Massa tecesse comentários depreciativos à honra e imagem do apelado em programa de sua responsabilidade, deve o recorrente responder solidariamente pelo ilícito praticado, não sendo necessário o reexame da prova do dano moral, do quantum indenizatório estabelecido, da incidência dos juros e correção monetária, já que foram devidamente analisados por ocasião da apreciação da apelação manejada pelo primeiro recorrente, Carlos Roberto Massa.

No que tange aos honorários advocatícios, mantenho os 20% sobre o valor da condenação fixados pela r. decisão singular, até porque, a redução do montante indenizatório, diminui automaticamente a verba honorária.

Por esses motivos é que voto pelo provimento parcial dos recursos manejados por Carlos Roberto Massa e Manoel Batista da Silva Junior, para o fim de reduzir o valor da indenização por danos morais para R$ 100.000,00 (cem mil reais), corrigido pelo INPC, a partir da sentença, permanecendo inalterada no resto a r. decisão singular, tendo o E. Juiz Revisor dado parcial provimento em maior extensão para limitar a solidariedade referente ao segundo apelante em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), com declaração de voto em separado.

Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores da OITAVA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, por unanimidade de votos em dar parcial provimento aos Recursos interpostos por Carlos Roberto Massa e Manoel Batista da Silva Junior para o fim de reduzir a indenização para R$ 100.000,00 (cem mil reais), tendo o E. Juiz Revisor dado parcial provimento em maior extensão para limitar a solidariedade referente ao segundo apelante em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), com declaração de voto em separado.
Participaram do Julgamento os Juízes convocados Jorge de Oliveira Vargas e Gil Francisco de Paula Xavier F Guerra.

Curitiba, 28 de fevereiro de 2008.


Macedo Pacheco
Relator

Jorge de Oliveira Vargas
Declaração de voto, em separado.