Apelação criminal - Valter Bessani
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 521990-9, COMARCA DE MARINGÁ, 4ª VARA CRIMINAL.
APELANTES : ROMEU SILVEIRA E OUTROS
APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ
RELATOR : JUIZ CONV. JOSÉ LAURINDO DE SOUZA NETTO
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE RESPONSABILIDADE (ART. 1º, XIV, DO DECRETO-LEI 201/67 E ARTIGOS 90 E 92 DA LEI 8.666/93) - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA - DECURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL - OCORRÊNCIA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PARA CINCO APELANTES - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO - DOSIMETRIA DA PENA - REDUÇÃO - PENAS CORRETAMENTE APLICADAS - RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
1.”Uma vez ausente o advento de causa de interrupção ou suspensão da prescrição, transcorrendo o lapso temporal de 5 (cinco) anos e 11 (onze) meses, superior ao prazo de 4 (quatro) anos (pena fixada em dois anos), impõe-se o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva para os crimes cujas penas foram fixadas em 2 (dois) anos de detenção.”
2. “Basta uma breve leitura da sentença para verificar que os documentos juntados aos autos e os depoimentos das testemunhas foram exaustivamente analisados e motivaram a decisão que culminou com a condenação dos apelantes.”
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº 521990-9, Comarca de Maringá, 4ª Vara Criminal, em que são apelantes Romeu Silveira, João Sanches Stabeline, Valter Gonçalves Bessani, Laércio Izair Scarpini, Jair Ghiraldi, Edson Roberto de Lima, Paulo Roberto Cavalieri, Luiz Gobi e Valdevino Bessani e apelado o Ministério Público do Paraná.
1. Tratam-se de apelações criminais interpostas por (1) Romeu Silveira, (2) João Sanches Stabelini, (3) Laércio Izair Scarpini e outros, em face da decisão que:
a) condenou Valter Gonçalves Bessani à pena de 2 anos e 2 meses de reclusão, e 6 anos e 11 meses de detenção, em regime semi-aberto, e 34 dias-multa, fixadas no valor de 1/30 do salário mínimo, como incurso nas sanções dos:
a.1) art. 92, caput, da Lei 8.666/93, e art. 1º, I do Decreto-Lei nº 201/67 (1º fato, letra ‘a’);
a.2) art. 90 da Lei 8.666/93 (1º fato, letra ‘b’); e
a.3) art. 90 da Lei 8.666/93 e art. 1º, XIV do Decreto-Lei nº 201/67 (2º fato).
b) condenou Jair Ghirardi e Edson Roberto de Lima à pena de 2 anos de detenção em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, e 10 dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo, nas sanções do art. 92, caput, da Lei 8666/93 (1º fato, letra ‘a’);
c) condenou Paulo Roberto Cavalieri à pena de 2 anos e 2 meses de detenção em regime semi-aberto, e 12 dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo, nas sanções do art. 92, caput, da Lei 8666/93 (1º fato, letra ‘a’);
d) condenou Luiz Gobi, João Sanches Stabelini e Valdevino Bessani às penas de 6 anos e 6 meses de detenção, em regime semi-aberto, e 36 dias-multa, respectivamente, nas sanções dos:
d.1) art. 92, caput, da Lei 8.666/93 c.c. art. 13, §2º, alínea a do CP (1º fato, letra ‘a’);
d.2) art. 90 da Lei 8.666/93 c.c. art. 13, §2º, alínea a do CP (1º fato, letra ‘b’); e
d.3) art. 90 da Lei 8.666/93 (2º fato).
e) condenou Laércio Izair Scarpini à pena de 4 anos de detenção, em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, bem como 20 dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo, nas sanções do:
e.1) art. 92, caput, da Lei 8.666/93 c.c. art. 29 do CP (1º fato, letra ‘a’); e
e.2) art. 90 da Lei 8.666/93 c.c. art. 13, §2º, alínea a do CP (1º fato, letra ‘b’).
f) condenou Romeu Silveira à pena 6 anos de detenção, em regime semi-aberto, e 30 dias-multa, como incurso nas sanções do:
f.1) art. 92, parágrafo único, da Lei 8.666/93 c.c. art. 29 do CP (1º fato, letra ‘a’);
f.2) art. 90 da Lei 8.666/93 c.c. art. 29 do CP (1º fato, letra ‘b’); e
f.3) art. 90 da Lei 8.666/93 c.c. art. 29 do CP (2º fato).
Os apelantes foram denunciados em razão de dois fatos.
Consta como primeiro fato que o então prefeito de Doutor Camargo, VALTER GONÇALVES BESSANI (gestão 1997/2000), em 07.08.1997 teria dado início a um procedimento licitatório sob a modalidade de leilão com a finalidade de vender uma Pá Carregadeira. Referido edital deveria ser publicado no Órgão Oficial do Município que a época denominava-se “O Jornal do Povo de Maringá”, com o fim de respeitar a Lei de Licitações e o princípio da publicidade. Ocorre que o prefeito, mancomunado com LUIZ GOBI, JOÃO SANCHES STABELINI e VALDEVINO BESSANI (integrantes da Comissão de Licitação) não publicaram o edital de licitação e para anexar ao procedimento licitatório comprovante da obrigatória publicação, utilizaram uma edição falsificada do referido jornal no intuito de omitirem possíveis interessados e assim beneficiarem o denunciado ROMEU SILVEIRA, previamente escolhido para ser o comprador daquele bem.
Não bastasse a adulteração do jornal para inclusão do edital, naquela mesma edição ocorreu outra adulteração daquela página do jornal para inclusão da portaria subscrita pelo denunciado VALTER GONÇALVES BESSANI nomeando o denunciado LAÉRCIO IZAIR SCARPINI como leiloeiro no procedimento licitatório.
Para viabilizar a venda da Pá Carregadeira o denunciado VALTER GONÇALVES BESSANI, anteriormente à expedição do edital, tinha nomeado os denunciados JAIR GHIRALDI, EDSON ROBERTO DE LIMA E PAULO ROBERTO CAVALIERI para procederem à avaliação do equipamento que seria posto à venda. A avaliação por eles realizada estipulou o valor de R$ 18.000,00, quando, segundo a revendedora autorizada da marca da Pá Carregadeira no Estado o bem valia R$ 30.000,00, o que teria gerado um prejuízo ao erário de R$ 12.000,00.
No segundo fato, o prefeito VALTER BONÇALVES BESSANI, em novo procedimento licitatório, no dia 03.04.1998, comprou outra Pá Carregadeira, três anos mais antiga que a vendida anteriormente, pagando R$ 25.000,00 ao denunciado ADELINO FARINHA. O pagamento foi feito à vista, conforme ata elaborada pela comissão de licitação composta pelos denunciados JAIR GHIRALDI, LUIZ GOBI e JOÃO SANCHES STABELINI.
Novamente o artifício das publicações falsas foi a forma viabilizada pelos denunciados para fraudar o procedimento licitatório e para escolherem a pessoa que bem entendessem para contratar com o Município.
Verificada as irregularidades, o prefeito inclusive cancelou o procedimento licitatório por decreto municipal publicado no órgão oficial do município. Contudo, em que pese o cancelamento, a operação foi finalizada, sendo a máquina de Adelino Farinha efetivamente adquirida pelo Município de Doutor Camargo.
A defesa do primeiro apelante, ROMEU SILVEIRA, em suas razões recursais, sustentou que:
- não era funcionário público do município e não tinha conhecimento de como era o procedimento licitatório;
- na ata do procedimento licitatório pode-se identificar treze assinaturas diversas, o que comprova que nada foi feita às escuras;
- a máquina não valia R$ 30.000,00 reais como aleatoriamente mensurou o Ministério Público, o que se poderia ser demonstrado por perícia, indeferida pelo Juízo, além dos testemunhos e do laudo de avaliação de equipamento similar de Terra Roxa/PR, juntado aos autos;
- o apelante não participou da publicação irregular do edital convocatório;
- a pena estipulada foi exacerbada.
O segundo apelante, JOÃO SANCHES STABELINI, aduziu que:
- a única participação do apelante era na abertura dos envelopes (participava apenas da abertura das propostas, verificando a regularidade dos documentos apresentados e das propostas mais vantajosas para a Administração), de modo que qualquer fato ocorrido antes da reunião não era de conhecimento do apelante;
- subsidiariamente, a pena deve ser reduzida ao seu mínimo legal, e o regime inicial de cumprimento da pena do semi-aberto para o aberto.
O terceiro apelo, de VALTER GONÇALVES BESSANI, LAÉRCIO IZAIR SCARPINI, JAIR GHIRALDI, EDSON ROBERTO DE LIMA, PAULO ROBERTO CAVALIERI, LUIZ GOBI e VALDEVINO BESSANI, pleitearam a reforma da sentença no sentido de que:
- nenhum deles tinha familiaridade com a área de licitações, sendo a maioria de baixa escolaridade, sendo as assinaturas apostas nos respectivos papéis firmadas em caráter meramente formal, sem dolo de fraudar procedimento licitatório;
- os procedimentos eram montados integralmente no departamento de contabilidade comandado por Julio Maria Figueiredo, integrante do quadro de carreira da prefeitura há mais de 20 anos que, ao romper com o então prefeito Valter Bessani e aliar-se ao seu adversário político, teria tomado a iniciativa de denunciar as apontadas irregularidades, embora delas tivesse conhecimento desde sua ocorrência;
- a condenação dos apelantes foi proferida objetivamente, com base na condição de prefeito de Valter Bessani e em razão da participação dos demais acusados no procedimento licitatório, sem prova de dolo em sua conduta;
- o apelante VALTER BESSANI negou qualquer participação em irregularidades visando beneficiar ao adquirente e ao vendedor, realçando que: os preços consignados eram condizentes com o estado das máquinas na época; a operação teve o objetivo de angariar recursos a serem investidos na aquisição de outra máquina; a máquina vendida estava em mau estado de conservação, sem condições de funcionamento; não tinha conhecimento de que o exemplar do jornal anexado aos autos fosse produto de falsificação; não conhecia o adquirente da máquina nem tinha interesse em beneficiá-lo; o processo de licitação foi preparado pelo próprio denunciante, Julio Maria Figueiredo, encarregado de tais atividades, em relação às quais não exercia controle específico; não teve influência sobre a avaliação realizada por João Geraldi, Edson Roberto de Lima e Paulo Roberto Cavalheiro;
- o apelante LAÉRCIO SCARPINI, que figurou como leiloeiro: confirmou a participação de Julio Maria Figueiredo, contador da prefeitura, na montagem da documentação respectiva; afirmou que embora tenha admitido ter figurado apenas formalmente no procedimento, confirmou que a máquina era velha e sua venda tinha por objetivo propiciar a aquisição de outra mais nova;
- os apelantes LUIZ GOBI, VALDEVINO BESSANI, ROMEU SILVEIRA, EDSON ROBERTO DE LIMA, PAULO ROBERTO CAVALIERI e JAIR GHIRALDI igualmente esclareceram que toda a documentação foi preparada por Julio Maria Figueiredo, sendo apenas assinada pelos demais, e que a máquina estava em péssimo estado de conservação;
- a testemunha João Pires confirma o dito pelos apelantes;
- a avaliação feita pelos funcionários da J. Malucelli consistiu em estimativa superficial com base em preços de mercado, sem levar em conta as reais condições em que a máquina se encontrava;
- as testemunhas Julio Figueiredo, Wagner Nochi e Raul Moreto, arroladas na denúncia, são adversários políticos do prefeito Valter Bessani, e tinham apenas a intenção de prejudicá-lo para assumirem a prefeitura;
- a testemunha Verdelírio Barbosa limitou-se a falar sobre a falsificação do exemplar do Jornal;
- a testemunha Sérgio Borges, não considerada na sentença, confirmou que a pá carregadeira estava “sem pneus” e “bem deteriorada”;
- a próprio funcionário da J. Malucelli, Antonio da Costa Lima, ressalvou que: a avaliação pedida pelo Ministério Público não era uma avaliação in loco; que geralmente equipamentos usados pela prefeitura por 15 ou 16 anos já estão em um estado de conservação precário quando são colocados à venda; e que o custo do serviço para se recuperar uma transmissão pode atingir facilmente a cifra de R$ 10.000,00 a R$ 15.000,00;
- a despeito de Valter Bessani ter assinado as portarias que resultaram no edital de licitação, nomeação das respectivas comissões, do leiloeiro e homologado o certame, não há prova de que tenha determinado a simulação do procedimento e nem participado das irregularidades noticiadas, como atribuição de valores aos bens, emprego de jornal falsificado para simular publicação e eventual favorecimento de terceiros;
- o comportamento de Julio Figueiredo consistente em denunciar as irregularidades somente depois de ter rompido com o prefeito, quando os procedimentos eram realizados em seu setor, aliado a outros fatos como ser o único vereador a perceber a irregularidade e ir automaticamente em busca dos originais da publicação sem que o documento juntado aos autos apresentasse indício de falsificação, constituem fortes indicativos de que tinha pleno conhecimento de tais irregularidades, não sendo infundadas as suspeitas de sua participação em tais fatos, seja como mentor, executor ou partícipe;
- não ficou esclarecido quem era o responsável pela publicação dos editais e pelas falsificações, inexistindo elementos suficientes para a condenação;
- o art. 90 da Lei 8.666/93, exige que a licitação tenha sido regularmente realizada, sendo que o vício deve incidir tão-somente sobre o caráter competitivo da licitação e, no caso, o Ministério Público e a sentença afirmam que o procedimento licitatório não foi realizado, mas apenas simulado, de modo que não incide o tipo penal em comento;
- o art. 90 da Lei 8.666/93 é punível apenas a título de dolo, o que não restou demonstrado no caso em apreço;
- o art. 92 da Lei 8.666/93 traz duas hipóteses distintas - alteração do contrato e pagamento da fatura com preterição da ordem cronológica - e, no presente caso, a sentença não diz qual contrato foi violado, a respectiva cláusula e a maneira como isso foi ocorrido, nem qual vantagem foi concedida, admitida ou possibilitada, limitando-se a discorrer sobre os mesmos vícios que apontou anteriormente, bem como estabelecer, objetivamente, a responsabilidade dos apelantes;
- a condenação com base no art. 1º, I do Decreto-Lei 201/67 foi justificada com o argumento de que o prefeito possibilitou a falsificação do procedimento licitatório em favor de terceiro, desviando bem público em proveito alheio, contudo, não esclarece de que forma o apelante possibilitou a falsificação ou como e em favor de quem teria ocorrido o benefício alheio, estando ausente o elemento objetivo da conduta;
- o art. 1º, I do Decreto-Lei 201/67 também só é punível na modalidade dolosa, o que não restou demonstrado;
- o art. 1º, XIV do Decreto-Lei 201/67 demanda uma obrigação específica imposta concretamente ao administrador, não bastando para a condenação que o denunciado seja prefeito, uma vez que conforme se sabe, não exerce controle pessoal sobre todos os atos da administração, que são realizados por servidores, secretários e integrantes dos cargos de carreira e em comissão;
- o art. 1º, XIV do Decreto-Lei 201/67 contém uma descrição radicalmente aberta, incompatível com o princípio do devido processo legal e a Constituição de 1988;
- o art. 1º, XIV do Decreto-Lei 201/67 também só é punível na modalidade dolosa, o que não restou demonstrado;
- as imputações pelos arts. 90 e 92 da Lei 8.666/93 devem ser absorvidas no art. 1º, I do DL 201/67;
- as penas de 5 meses imposta a Valter Bessani e de 2 anos impostas a Laércio Scarpini, Jair Ghiraldi e Edson Roberto de Lima estão prescritas;
- a avaliação da dosimetria não foi individualizada e concretamente fundamentada, violando o disposto no art. 59 e 68 do CP, bem como o art. 93, IX da Constituição Federal;
- não é fundamento idôneo para a exasperação da pena a existência de ações penais em curso contra o paciente ou a motivação do crime própria
- as penas sejam reduzidas ao mínimo legal.
Por fim, os apelantes Valter Gonçalves Bessani, Laércio Izair Scarpini, Jair Ghiraldi, Edson Roberto de Lima e Romeu Silveira requereram a extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.
O Ministério Público opinou pela extinção da punibilidade de Valter Gonçalves Bessani pela prática do crime do art. 1º., XIV do Decreto-Lei nº. 201/67 e de Laércio Izair Scarpini, Jair Ghiraldi, Edson Roberto de Lima e de Romeu Silveira e no mérito na manutenção da sentença.
A D. Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se corroborando as contrarrazões do Ministério Público de primeiro grau.
É o relatório.
2. Presentes os pressupostos de admissibilidade, é de conhecer os recursos.
Inicialmente, impõe-se registrar que foram interpostas três apelações com razões similares que permitem a análise em conjunto.
Residem os fatos em irregularidades em dois procedimentos licitatórios que visavam a aquisição de pás carregadeiras com preço inferior ao de mercado em que várias pessoas foram envolvidas e, sobrevindo a sentença, condenadas pela prática de crimes contra a Administração Pública.
Cinge-se o inconformismo dos apelantes em quatro razões distintas: ausência de vantagem econômica; inaptidão do conjunto probatório a corroborar uma condenação; inexistência de má-fé na participação do procedimento licitatório e redução da pena.
Note-se que os apelantes Valter, Laércio, Jair e Edson pugnaram pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva em matéria preliminar.
Efetivamente, impõe-se o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva pela pena in concreto, considerado o trânsito em julgado para a acusação.
Extrai-se dos autos que a denúncia foi recebida em 10 de abril de 2002 (fls. 158) e a sentença foi publicada em 29 de fevereiro de 2008 (fls. 768).
O Ministério Público foi intimado em 07 de março de 2008 (fls. 768) e não interpôs recurso.
Uma vez ausente o advento de causa de interrupção ou suspensão da prescrição, transcorrendo o lapso temporal de 5 (cinco) anos e 11 (onze) meses, superior ao prazo de 4 (quatro) anos (pena fixada em dois anos), impõe-se o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva para os crimes cujas penas foram fixadas em 2 (dois) anos de detenção.
Nessa linha, aplica-se o disposto nos artigos 109, V e 110 do Código Penal, decretando-se a extinção da punibilidade aos apelantes Romeu Silveira, Laércio Izair Scarpini, Jair Ghiraldi e Edson Roberto de Lima que tiveram as penas fixadas em 02 (dois) anos de detenção e ao apelante Valter Gonçalves Bessani, somente pela prática do crime previsto no inciso XIV do artigo 1º do Decreto-Lei n. 201/67, cuja pena resultou em 05 (cinco) meses de detenção.
A sentença proferida estabeleceu as seguintes penas aos apelantes:
a) Laércio Izair Scarpini:
a.1: 02 (dois) anos de detenção e pagamento de 10 dias-multa ao 1º fato, “a” (artigo 92, caput, da Lei 8.666/93 c/c artigo 29, caput, do Código Penal);
a.2: 2 (dois) anos de detenção e pagamento de 10 dias-multa ao 1º fato, “b” (artigo 90 da Lei 8.666/93 c/c artigo 13, §2º, alínea “a”, do Código Penal);
b) Romeu Silveira:
b.1: 02 (dois) anos de detenção e pagamento de 10 dias-multa ao 1º fato, “a” (artigo 92, parágrafo único, da Lei 8.666/93 c/c artigo 29 do Código Penal);
b.2: 02 (dois) anos de detenção e pagamento de 10 dias-multa ao 1º fato, “b” (artigo 90 da Lei 8.666/93 c/c artigo 29 do Código Penal);
b.3: 02 (dois) anos de detenção e pagamento de 10 dias-multa ao 2º (artigo 90 da Lei 8.666/93 c/c artigo 29 do Código Penal);
c) Jair Ghridaldi:
c.1: 02 (dois) anos de detenção e pagamento de 10 dias-multa ao 1º fato, “a” (artigo 92, caput, da Lei 8.666/93);
d) Edson Roberto de Lima:
d.1: 02 (dois) anos de detenção e pagamento de 10 dias-multa ao 1º fato, “a” (artigo 92, caput, da Lei 8.666/93);
e) Valter Gonçalves Bessani:
e.1: 05 (cinco) meses de detenção ao 2º fato (artigo 1º, inciso XIV, do Decreto-Lei 201/67);
Penas estas, que segundo preceitua o artigo 109, incisos V e VI, do Código Penal, prescrevem em 4 (quatro) e 2 (dois) anos, respectivamente.
Ademais, no caso de concurso de crimes a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um isoladamente, conforme determinação legal do artigo 119 do Código Penal.
Portanto, como não houve causas interruptivas e transcorreu mais de 05 (cinco) anos entre as duas datas (recebimento da denúncia e da publicação da sentença condenatória), bem como não houve interposição de recurso pela acusação, verifica-se que, quanto aos crimes citados, ocorreu a prescrição punitiva do Estado na modalidade retroativa, ensejando a extinção da punibilidade dos apelantes e prejudicando a análise das razões recursais.
Nesse sentido:
“APELAÇÃO CRIMINAL - RECEPTAÇÃO E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO - ART. 180, CAPUT, DO CP E ART. 10 DA LEI N. 9.437/97 - AUSÊNCIA DE RECURSO DA ACUSAÇÃO - LAPSO TEMPORAL ENTRE O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E A PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA SUPERIOR A QUATRO ANOS - SÚMULA 146 DO STF E ART. 109, IV C/C ART. 110, § 1º, AMBOS DO CP - OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NA FORMA RETROATIVA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DECRETADA DE OFÍCIO - RECURSO PREJUDICADO. Restando aperfeiçoada a prescrição da pretensão punitiva na forma retroativa, em razão do lapso temporal superior a quatro anos transcorrido entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença, é por conseqüência, medida que se impõe a decretação, de ofício, da extinção da punibilidade do apelante, nos termos do artigo 107, inciso IV, do Código Penal e artigo 61, do Código de Processo Penal.” (TJ/PR, 3ª C.Crim., Ap. Cr. 0486311-4, Rel. Edvino Bochnia, DJ 55).
Quanto ao mérito os apelantes foram denunciados pela prática de crimes previstos nos artigos 90 e 92 da Lei n. 8.666/93.
Os argumentos alegados (ausência de vantagem econômica, inaptidão do conjunto probatório a corroborar a condenação, inexistência de má-fé na participação do procedimento licitatório e absorção das condutas previstas nos artigos 90 e 92 da Lei n. 8666/93 pelo artigo 1º, inciso I do Decreto-Lei 201/67) não se sustentam.
Basta uma breve leitura da sentença para verificar que os documentos juntados aos autos e os depoimentos das testemunhas foram exaustivamente analisados e motivaram a decisão que culminou com a condenação dos apelantes.
Valter Bessani era o então Prefeito de Doutor Camargo entre 1997 a 2000 e assinou dois procedimentos de licitação para aquisição de pás carregadeiras.
Os apelantes Luiz Gobi, Valdevino Bessani e João Sanches compunham a Comissão de Licitação, participando ativamente de todo o trâmite daqueles atos administrativos.
Foram então nomeados os apelantes Jair Ghiraldi, Edson Roberto de Lima e Paulo Roberto Cavalieri para a Comissão de Avaliação do bem, que, na segunda licitação avaliaram a pá carregadeira em valor sensivelmente inferior ao de mercado (dezessete mil reais), situação facilmente demonstrada através de avaliação realizada nos autos pela revendedora autorizada (J. Malucelli) que atestou que o valor do bem era superior ao total avaliado pela Comissão (trinta mil reais).
Romeu Silveira foi o vencedor do primeiro certame, adquirindo a pá carregadeira pelo valor subavaliado, tornando evidente a indevida vantagem econômica.
Restou também demonstrado nos autos que inexistiu a publicação dos atos de concorrência e houve adulteração de edição jornalística.
Na primeira licitação, foi comprovada a adulteração do periódico “O Jornal do Povo” em 08 de agosto de 1997 através de fotocópias juntadas aos autos e testemunho de Verdelírio Aparecido Barbosa, jornalista daquele periódico:
“O Dr. Cruz esteve no jornal e durante a veiculação nos nossos arquivos constatamos que a edição que circulou no dia 06 de agosto de 1997 era diferente daquela onde contava a publicação do edital de licitação. (...) Verifiquei as duas edições do jornal, a que tínhamos em arquivo e a que fora juntada no processo de licitação. A edição do jornal adulterado poderia ter sido feito em qualquer gráfica. Eu não tinha conhecimento das licitações realizadas pela prefeitura de Doutor Camargo.” (fls. 325).
Manuseando os autos, é fácil perceber a adulteração: a reportagem verdadeira falava sobre vacinação, espaço adulterado onde foi inclusa Portaria n. 36/97, nomeando o apelante Laércio Izair Scarpini como leiloeiro (fls. 20).
Já no lugar da reportagem esportiva e de uma propaganda, há o extrato do Edital n. 02/97 (fls. 22).
Situação idêntica ocorreu no segundo procedimento licitatório, em que o mesmo jornal foi adulterado em 04 de abril de 1998 (fls. 65 e 67), edital e Portaria jamais publicados.
Note-se que as declarações das testemunhas estão em plena consonância com a denúncia e com os documentos juntados aos autos, particularmente com a avaliação técnica e fotocópias do jornal, ressaltando que o argumento relativo à avaria no bem não subsiste porque não há nada nos autos a comprovar o dano que, por ventura, justificaria tamanha redução no valor do objeto alienado de forma fraudulenta.
Registre-se que aos apelantes que compunham a Comissão de Licitação competia a publicação dos atos, entretanto assim não procederam para evitar o surgimento de outra proposta que não fosse a do apelante Romeu Silveira que, durante seu interrogatório, afirmou que não tomou conhecimento da licitação através de jornal (fls. 240).
Dessa forma, não há como acolher o argumento relativo à ignorância de fraude no certame porque todos os apelantes tinham pleno conhecimento de que o caráter competitivo do procedimento licitatório estava sendo ofendido.
O mesmo raciocínio deve ser aplicado para a negativa de existência de fraude porque o próprio Prefeito assinou as Portarias, nomeou as comissões e o leiloeiro e homologou o certame. Portanto, a afirmação de que um contador foi responsável por toda a tramitação do procedimento licitatório é totalmente dissonante do conteúdo probatório.
Cumpre observar ainda que o tipo objetivo do artigo 90 da Lei 8666/93 faz menção a frustrar e fraudar o caráter competitivo da licitação, circunstância amplamente demonstrada nos autos, decorrente da adjudicação, ensejando o afastamento da tese de que não há fraude em atos inexistentes.
Nesse sentido:
“APELAÇÃO CRIMINAL - EX-PREFEITO MUNICIPAL - CRIME DE RESPONSABILIDADE (ART. 1º, I, DO DECRETO-LEI 201/67 E ART. 90 DA LEI 8.666/93) - DELITOS DE PECULATO E DE FRUSTRAR OU FRAUDAR LICITAÇÃO - DECISÃO CONDENATÓRIA - AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS - PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO - INCONFORMISMO - ADEQUAÇÃO DA PENA IMPOSTA AO PRIMEIRO DELITO - CRIME CONTINUADO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO UNICAMENTE PARA O FIM DE SE ADEQUAR A PENA, MANTIDA NO MAIS A DECISÃO RECORRIDA.” (TJ/PR, 2ª C. Crim., Ap. n. 342497-9, Rel. Waldomiro Namur, DJ 7367).
Também não assiste razão aos apelantes quando afirmam que as condutas previstas nos artigos 90 e 92 da Lei 8666/93 devem ser absorvidas pelo artigo 1º, inciso I do Decreto-Lei 201/67 porque os delitos descritos nos artigos da Lei de Licitação possuem tipos diversos (fraudar o procedimento licitatório e assegurar o desvio de verba pública em proveito alheio) e o sujeito do crime previsto no Decreto-Lei é tão somente o Chefe do Poder Executivo.
Assim, ante os elementos comprobatórios da materialidade e da autoria dos delitos que atestam a responsabilidade criminal dos apelantes, torna-se imperiosa a manutenção da condenação pela prática daqueles crimes.
Quanto à dosimetria da pena, nada há de ser modificado.
Não cabe razão ao apelante Paulo Roberto Cavalieri, pois sua pena foi aumentada em 02 (dois) meses devido ao reconhecimento da reincidência, o trânsito em julgado da sentença condenatória ocorreu em 13/12/1993, posteriormente em 08/08/1994 foi declarada extinta a punibilidade. Desta forma, persiste a reincidência vez que entre o trânsito em julgado da infração anterior e o novo crime não transcorreu mais de 05 (cinco) anos, como se vê do artigo 64 do Código Penal.
Art. 64 - Para efeito de reincidência: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Da mesma forma, ao aplicar a pena um pouco acima do mínimo legal (apenas um aumento de 1/12) aos apelantes Valter Gonçalves Bessani, Luiz Gobi e Valdevino Bessani, o juízo singular fundamentou sua decisão com base nas conseqüências do crime e observado o artigo 59 do Código Penal, situação que também, não merece reforma.
Por fim, não deve ser acolhido o pedido de reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, porque esta não ocorreu, não podendo beneficiar os apelantes.
Nessa monta, voto no sentido de decretar a extinção da punibilidade pelo decurso do prazo prescricional na forma acima descrita e, manter a sentença, para os outros apelantes, nos moldes em que foi proferida.
Pelo exposto,
ACORDAM os Desembargadores integrantes da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento aos recursos nos termos do voto.
Acompanharam o voto do eminente Relator Convocado, o Exmo. Des. João Kopytowski, e o Exmo Juiz Substituto de 2º Grau Carlos Augusto Althéia de Mello.
Curitiba, 04 de junho de 2009.
JUIZ JOSÉ LAURINDO DE SOUZA NETTO
Relator Convocado
APELANTES : ROMEU SILVEIRA E OUTROS
APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ
RELATOR : JUIZ CONV. JOSÉ LAURINDO DE SOUZA NETTO
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE RESPONSABILIDADE (ART. 1º, XIV, DO DECRETO-LEI 201/67 E ARTIGOS 90 E 92 DA LEI 8.666/93) - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA - DECURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL - OCORRÊNCIA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PARA CINCO APELANTES - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO - DOSIMETRIA DA PENA - REDUÇÃO - PENAS CORRETAMENTE APLICADAS - RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
1.”Uma vez ausente o advento de causa de interrupção ou suspensão da prescrição, transcorrendo o lapso temporal de 5 (cinco) anos e 11 (onze) meses, superior ao prazo de 4 (quatro) anos (pena fixada em dois anos), impõe-se o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva para os crimes cujas penas foram fixadas em 2 (dois) anos de detenção.”
2. “Basta uma breve leitura da sentença para verificar que os documentos juntados aos autos e os depoimentos das testemunhas foram exaustivamente analisados e motivaram a decisão que culminou com a condenação dos apelantes.”
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº 521990-9, Comarca de Maringá, 4ª Vara Criminal, em que são apelantes Romeu Silveira, João Sanches Stabeline, Valter Gonçalves Bessani, Laércio Izair Scarpini, Jair Ghiraldi, Edson Roberto de Lima, Paulo Roberto Cavalieri, Luiz Gobi e Valdevino Bessani e apelado o Ministério Público do Paraná.
1. Tratam-se de apelações criminais interpostas por (1) Romeu Silveira, (2) João Sanches Stabelini, (3) Laércio Izair Scarpini e outros, em face da decisão que:
a) condenou Valter Gonçalves Bessani à pena de 2 anos e 2 meses de reclusão, e 6 anos e 11 meses de detenção, em regime semi-aberto, e 34 dias-multa, fixadas no valor de 1/30 do salário mínimo, como incurso nas sanções dos:
a.1) art. 92, caput, da Lei 8.666/93, e art. 1º, I do Decreto-Lei nº 201/67 (1º fato, letra ‘a’);
a.2) art. 90 da Lei 8.666/93 (1º fato, letra ‘b’); e
a.3) art. 90 da Lei 8.666/93 e art. 1º, XIV do Decreto-Lei nº 201/67 (2º fato).
b) condenou Jair Ghirardi e Edson Roberto de Lima à pena de 2 anos de detenção em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, e 10 dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo, nas sanções do art. 92, caput, da Lei 8666/93 (1º fato, letra ‘a’);
c) condenou Paulo Roberto Cavalieri à pena de 2 anos e 2 meses de detenção em regime semi-aberto, e 12 dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo, nas sanções do art. 92, caput, da Lei 8666/93 (1º fato, letra ‘a’);
d) condenou Luiz Gobi, João Sanches Stabelini e Valdevino Bessani às penas de 6 anos e 6 meses de detenção, em regime semi-aberto, e 36 dias-multa, respectivamente, nas sanções dos:
d.1) art. 92, caput, da Lei 8.666/93 c.c. art. 13, §2º, alínea a do CP (1º fato, letra ‘a’);
d.2) art. 90 da Lei 8.666/93 c.c. art. 13, §2º, alínea a do CP (1º fato, letra ‘b’); e
d.3) art. 90 da Lei 8.666/93 (2º fato).
e) condenou Laércio Izair Scarpini à pena de 4 anos de detenção, em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, bem como 20 dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo, nas sanções do:
e.1) art. 92, caput, da Lei 8.666/93 c.c. art. 29 do CP (1º fato, letra ‘a’); e
e.2) art. 90 da Lei 8.666/93 c.c. art. 13, §2º, alínea a do CP (1º fato, letra ‘b’).
f) condenou Romeu Silveira à pena 6 anos de detenção, em regime semi-aberto, e 30 dias-multa, como incurso nas sanções do:
f.1) art. 92, parágrafo único, da Lei 8.666/93 c.c. art. 29 do CP (1º fato, letra ‘a’);
f.2) art. 90 da Lei 8.666/93 c.c. art. 29 do CP (1º fato, letra ‘b’); e
f.3) art. 90 da Lei 8.666/93 c.c. art. 29 do CP (2º fato).
Os apelantes foram denunciados em razão de dois fatos.
Consta como primeiro fato que o então prefeito de Doutor Camargo, VALTER GONÇALVES BESSANI (gestão 1997/2000), em 07.08.1997 teria dado início a um procedimento licitatório sob a modalidade de leilão com a finalidade de vender uma Pá Carregadeira. Referido edital deveria ser publicado no Órgão Oficial do Município que a época denominava-se “O Jornal do Povo de Maringá”, com o fim de respeitar a Lei de Licitações e o princípio da publicidade. Ocorre que o prefeito, mancomunado com LUIZ GOBI, JOÃO SANCHES STABELINI e VALDEVINO BESSANI (integrantes da Comissão de Licitação) não publicaram o edital de licitação e para anexar ao procedimento licitatório comprovante da obrigatória publicação, utilizaram uma edição falsificada do referido jornal no intuito de omitirem possíveis interessados e assim beneficiarem o denunciado ROMEU SILVEIRA, previamente escolhido para ser o comprador daquele bem.
Não bastasse a adulteração do jornal para inclusão do edital, naquela mesma edição ocorreu outra adulteração daquela página do jornal para inclusão da portaria subscrita pelo denunciado VALTER GONÇALVES BESSANI nomeando o denunciado LAÉRCIO IZAIR SCARPINI como leiloeiro no procedimento licitatório.
Para viabilizar a venda da Pá Carregadeira o denunciado VALTER GONÇALVES BESSANI, anteriormente à expedição do edital, tinha nomeado os denunciados JAIR GHIRALDI, EDSON ROBERTO DE LIMA E PAULO ROBERTO CAVALIERI para procederem à avaliação do equipamento que seria posto à venda. A avaliação por eles realizada estipulou o valor de R$ 18.000,00, quando, segundo a revendedora autorizada da marca da Pá Carregadeira no Estado o bem valia R$ 30.000,00, o que teria gerado um prejuízo ao erário de R$ 12.000,00.
No segundo fato, o prefeito VALTER BONÇALVES BESSANI, em novo procedimento licitatório, no dia 03.04.1998, comprou outra Pá Carregadeira, três anos mais antiga que a vendida anteriormente, pagando R$ 25.000,00 ao denunciado ADELINO FARINHA. O pagamento foi feito à vista, conforme ata elaborada pela comissão de licitação composta pelos denunciados JAIR GHIRALDI, LUIZ GOBI e JOÃO SANCHES STABELINI.
Novamente o artifício das publicações falsas foi a forma viabilizada pelos denunciados para fraudar o procedimento licitatório e para escolherem a pessoa que bem entendessem para contratar com o Município.
Verificada as irregularidades, o prefeito inclusive cancelou o procedimento licitatório por decreto municipal publicado no órgão oficial do município. Contudo, em que pese o cancelamento, a operação foi finalizada, sendo a máquina de Adelino Farinha efetivamente adquirida pelo Município de Doutor Camargo.
A defesa do primeiro apelante, ROMEU SILVEIRA, em suas razões recursais, sustentou que:
- não era funcionário público do município e não tinha conhecimento de como era o procedimento licitatório;
- na ata do procedimento licitatório pode-se identificar treze assinaturas diversas, o que comprova que nada foi feita às escuras;
- a máquina não valia R$ 30.000,00 reais como aleatoriamente mensurou o Ministério Público, o que se poderia ser demonstrado por perícia, indeferida pelo Juízo, além dos testemunhos e do laudo de avaliação de equipamento similar de Terra Roxa/PR, juntado aos autos;
- o apelante não participou da publicação irregular do edital convocatório;
- a pena estipulada foi exacerbada.
O segundo apelante, JOÃO SANCHES STABELINI, aduziu que:
- a única participação do apelante era na abertura dos envelopes (participava apenas da abertura das propostas, verificando a regularidade dos documentos apresentados e das propostas mais vantajosas para a Administração), de modo que qualquer fato ocorrido antes da reunião não era de conhecimento do apelante;
- subsidiariamente, a pena deve ser reduzida ao seu mínimo legal, e o regime inicial de cumprimento da pena do semi-aberto para o aberto.
O terceiro apelo, de VALTER GONÇALVES BESSANI, LAÉRCIO IZAIR SCARPINI, JAIR GHIRALDI, EDSON ROBERTO DE LIMA, PAULO ROBERTO CAVALIERI, LUIZ GOBI e VALDEVINO BESSANI, pleitearam a reforma da sentença no sentido de que:
- nenhum deles tinha familiaridade com a área de licitações, sendo a maioria de baixa escolaridade, sendo as assinaturas apostas nos respectivos papéis firmadas em caráter meramente formal, sem dolo de fraudar procedimento licitatório;
- os procedimentos eram montados integralmente no departamento de contabilidade comandado por Julio Maria Figueiredo, integrante do quadro de carreira da prefeitura há mais de 20 anos que, ao romper com o então prefeito Valter Bessani e aliar-se ao seu adversário político, teria tomado a iniciativa de denunciar as apontadas irregularidades, embora delas tivesse conhecimento desde sua ocorrência;
- a condenação dos apelantes foi proferida objetivamente, com base na condição de prefeito de Valter Bessani e em razão da participação dos demais acusados no procedimento licitatório, sem prova de dolo em sua conduta;
- o apelante VALTER BESSANI negou qualquer participação em irregularidades visando beneficiar ao adquirente e ao vendedor, realçando que: os preços consignados eram condizentes com o estado das máquinas na época; a operação teve o objetivo de angariar recursos a serem investidos na aquisição de outra máquina; a máquina vendida estava em mau estado de conservação, sem condições de funcionamento; não tinha conhecimento de que o exemplar do jornal anexado aos autos fosse produto de falsificação; não conhecia o adquirente da máquina nem tinha interesse em beneficiá-lo; o processo de licitação foi preparado pelo próprio denunciante, Julio Maria Figueiredo, encarregado de tais atividades, em relação às quais não exercia controle específico; não teve influência sobre a avaliação realizada por João Geraldi, Edson Roberto de Lima e Paulo Roberto Cavalheiro;
- o apelante LAÉRCIO SCARPINI, que figurou como leiloeiro: confirmou a participação de Julio Maria Figueiredo, contador da prefeitura, na montagem da documentação respectiva; afirmou que embora tenha admitido ter figurado apenas formalmente no procedimento, confirmou que a máquina era velha e sua venda tinha por objetivo propiciar a aquisição de outra mais nova;
- os apelantes LUIZ GOBI, VALDEVINO BESSANI, ROMEU SILVEIRA, EDSON ROBERTO DE LIMA, PAULO ROBERTO CAVALIERI e JAIR GHIRALDI igualmente esclareceram que toda a documentação foi preparada por Julio Maria Figueiredo, sendo apenas assinada pelos demais, e que a máquina estava em péssimo estado de conservação;
- a testemunha João Pires confirma o dito pelos apelantes;
- a avaliação feita pelos funcionários da J. Malucelli consistiu em estimativa superficial com base em preços de mercado, sem levar em conta as reais condições em que a máquina se encontrava;
- as testemunhas Julio Figueiredo, Wagner Nochi e Raul Moreto, arroladas na denúncia, são adversários políticos do prefeito Valter Bessani, e tinham apenas a intenção de prejudicá-lo para assumirem a prefeitura;
- a testemunha Verdelírio Barbosa limitou-se a falar sobre a falsificação do exemplar do Jornal;
- a testemunha Sérgio Borges, não considerada na sentença, confirmou que a pá carregadeira estava “sem pneus” e “bem deteriorada”;
- a próprio funcionário da J. Malucelli, Antonio da Costa Lima, ressalvou que: a avaliação pedida pelo Ministério Público não era uma avaliação in loco; que geralmente equipamentos usados pela prefeitura por 15 ou 16 anos já estão em um estado de conservação precário quando são colocados à venda; e que o custo do serviço para se recuperar uma transmissão pode atingir facilmente a cifra de R$ 10.000,00 a R$ 15.000,00;
- a despeito de Valter Bessani ter assinado as portarias que resultaram no edital de licitação, nomeação das respectivas comissões, do leiloeiro e homologado o certame, não há prova de que tenha determinado a simulação do procedimento e nem participado das irregularidades noticiadas, como atribuição de valores aos bens, emprego de jornal falsificado para simular publicação e eventual favorecimento de terceiros;
- o comportamento de Julio Figueiredo consistente em denunciar as irregularidades somente depois de ter rompido com o prefeito, quando os procedimentos eram realizados em seu setor, aliado a outros fatos como ser o único vereador a perceber a irregularidade e ir automaticamente em busca dos originais da publicação sem que o documento juntado aos autos apresentasse indício de falsificação, constituem fortes indicativos de que tinha pleno conhecimento de tais irregularidades, não sendo infundadas as suspeitas de sua participação em tais fatos, seja como mentor, executor ou partícipe;
- não ficou esclarecido quem era o responsável pela publicação dos editais e pelas falsificações, inexistindo elementos suficientes para a condenação;
- o art. 90 da Lei 8.666/93, exige que a licitação tenha sido regularmente realizada, sendo que o vício deve incidir tão-somente sobre o caráter competitivo da licitação e, no caso, o Ministério Público e a sentença afirmam que o procedimento licitatório não foi realizado, mas apenas simulado, de modo que não incide o tipo penal em comento;
- o art. 90 da Lei 8.666/93 é punível apenas a título de dolo, o que não restou demonstrado no caso em apreço;
- o art. 92 da Lei 8.666/93 traz duas hipóteses distintas - alteração do contrato e pagamento da fatura com preterição da ordem cronológica - e, no presente caso, a sentença não diz qual contrato foi violado, a respectiva cláusula e a maneira como isso foi ocorrido, nem qual vantagem foi concedida, admitida ou possibilitada, limitando-se a discorrer sobre os mesmos vícios que apontou anteriormente, bem como estabelecer, objetivamente, a responsabilidade dos apelantes;
- a condenação com base no art. 1º, I do Decreto-Lei 201/67 foi justificada com o argumento de que o prefeito possibilitou a falsificação do procedimento licitatório em favor de terceiro, desviando bem público em proveito alheio, contudo, não esclarece de que forma o apelante possibilitou a falsificação ou como e em favor de quem teria ocorrido o benefício alheio, estando ausente o elemento objetivo da conduta;
- o art. 1º, I do Decreto-Lei 201/67 também só é punível na modalidade dolosa, o que não restou demonstrado;
- o art. 1º, XIV do Decreto-Lei 201/67 demanda uma obrigação específica imposta concretamente ao administrador, não bastando para a condenação que o denunciado seja prefeito, uma vez que conforme se sabe, não exerce controle pessoal sobre todos os atos da administração, que são realizados por servidores, secretários e integrantes dos cargos de carreira e em comissão;
- o art. 1º, XIV do Decreto-Lei 201/67 contém uma descrição radicalmente aberta, incompatível com o princípio do devido processo legal e a Constituição de 1988;
- o art. 1º, XIV do Decreto-Lei 201/67 também só é punível na modalidade dolosa, o que não restou demonstrado;
- as imputações pelos arts. 90 e 92 da Lei 8.666/93 devem ser absorvidas no art. 1º, I do DL 201/67;
- as penas de 5 meses imposta a Valter Bessani e de 2 anos impostas a Laércio Scarpini, Jair Ghiraldi e Edson Roberto de Lima estão prescritas;
- a avaliação da dosimetria não foi individualizada e concretamente fundamentada, violando o disposto no art. 59 e 68 do CP, bem como o art. 93, IX da Constituição Federal;
- não é fundamento idôneo para a exasperação da pena a existência de ações penais em curso contra o paciente ou a motivação do crime própria
- as penas sejam reduzidas ao mínimo legal.
Por fim, os apelantes Valter Gonçalves Bessani, Laércio Izair Scarpini, Jair Ghiraldi, Edson Roberto de Lima e Romeu Silveira requereram a extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.
O Ministério Público opinou pela extinção da punibilidade de Valter Gonçalves Bessani pela prática do crime do art. 1º., XIV do Decreto-Lei nº. 201/67 e de Laércio Izair Scarpini, Jair Ghiraldi, Edson Roberto de Lima e de Romeu Silveira e no mérito na manutenção da sentença.
A D. Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se corroborando as contrarrazões do Ministério Público de primeiro grau.
É o relatório.
2. Presentes os pressupostos de admissibilidade, é de conhecer os recursos.
Inicialmente, impõe-se registrar que foram interpostas três apelações com razões similares que permitem a análise em conjunto.
Residem os fatos em irregularidades em dois procedimentos licitatórios que visavam a aquisição de pás carregadeiras com preço inferior ao de mercado em que várias pessoas foram envolvidas e, sobrevindo a sentença, condenadas pela prática de crimes contra a Administração Pública.
Cinge-se o inconformismo dos apelantes em quatro razões distintas: ausência de vantagem econômica; inaptidão do conjunto probatório a corroborar uma condenação; inexistência de má-fé na participação do procedimento licitatório e redução da pena.
Note-se que os apelantes Valter, Laércio, Jair e Edson pugnaram pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva em matéria preliminar.
Efetivamente, impõe-se o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva pela pena in concreto, considerado o trânsito em julgado para a acusação.
Extrai-se dos autos que a denúncia foi recebida em 10 de abril de 2002 (fls. 158) e a sentença foi publicada em 29 de fevereiro de 2008 (fls. 768).
O Ministério Público foi intimado em 07 de março de 2008 (fls. 768) e não interpôs recurso.
Uma vez ausente o advento de causa de interrupção ou suspensão da prescrição, transcorrendo o lapso temporal de 5 (cinco) anos e 11 (onze) meses, superior ao prazo de 4 (quatro) anos (pena fixada em dois anos), impõe-se o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva para os crimes cujas penas foram fixadas em 2 (dois) anos de detenção.
Nessa linha, aplica-se o disposto nos artigos 109, V e 110 do Código Penal, decretando-se a extinção da punibilidade aos apelantes Romeu Silveira, Laércio Izair Scarpini, Jair Ghiraldi e Edson Roberto de Lima que tiveram as penas fixadas em 02 (dois) anos de detenção e ao apelante Valter Gonçalves Bessani, somente pela prática do crime previsto no inciso XIV do artigo 1º do Decreto-Lei n. 201/67, cuja pena resultou em 05 (cinco) meses de detenção.
A sentença proferida estabeleceu as seguintes penas aos apelantes:
a) Laércio Izair Scarpini:
a.1: 02 (dois) anos de detenção e pagamento de 10 dias-multa ao 1º fato, “a” (artigo 92, caput, da Lei 8.666/93 c/c artigo 29, caput, do Código Penal);
a.2: 2 (dois) anos de detenção e pagamento de 10 dias-multa ao 1º fato, “b” (artigo 90 da Lei 8.666/93 c/c artigo 13, §2º, alínea “a”, do Código Penal);
b) Romeu Silveira:
b.1: 02 (dois) anos de detenção e pagamento de 10 dias-multa ao 1º fato, “a” (artigo 92, parágrafo único, da Lei 8.666/93 c/c artigo 29 do Código Penal);
b.2: 02 (dois) anos de detenção e pagamento de 10 dias-multa ao 1º fato, “b” (artigo 90 da Lei 8.666/93 c/c artigo 29 do Código Penal);
b.3: 02 (dois) anos de detenção e pagamento de 10 dias-multa ao 2º (artigo 90 da Lei 8.666/93 c/c artigo 29 do Código Penal);
c) Jair Ghridaldi:
c.1: 02 (dois) anos de detenção e pagamento de 10 dias-multa ao 1º fato, “a” (artigo 92, caput, da Lei 8.666/93);
d) Edson Roberto de Lima:
d.1: 02 (dois) anos de detenção e pagamento de 10 dias-multa ao 1º fato, “a” (artigo 92, caput, da Lei 8.666/93);
e) Valter Gonçalves Bessani:
e.1: 05 (cinco) meses de detenção ao 2º fato (artigo 1º, inciso XIV, do Decreto-Lei 201/67);
Penas estas, que segundo preceitua o artigo 109, incisos V e VI, do Código Penal, prescrevem em 4 (quatro) e 2 (dois) anos, respectivamente.
Ademais, no caso de concurso de crimes a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um isoladamente, conforme determinação legal do artigo 119 do Código Penal.
Portanto, como não houve causas interruptivas e transcorreu mais de 05 (cinco) anos entre as duas datas (recebimento da denúncia e da publicação da sentença condenatória), bem como não houve interposição de recurso pela acusação, verifica-se que, quanto aos crimes citados, ocorreu a prescrição punitiva do Estado na modalidade retroativa, ensejando a extinção da punibilidade dos apelantes e prejudicando a análise das razões recursais.
Nesse sentido:
“APELAÇÃO CRIMINAL - RECEPTAÇÃO E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO - ART. 180, CAPUT, DO CP E ART. 10 DA LEI N. 9.437/97 - AUSÊNCIA DE RECURSO DA ACUSAÇÃO - LAPSO TEMPORAL ENTRE O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E A PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA SUPERIOR A QUATRO ANOS - SÚMULA 146 DO STF E ART. 109, IV C/C ART. 110, § 1º, AMBOS DO CP - OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NA FORMA RETROATIVA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DECRETADA DE OFÍCIO - RECURSO PREJUDICADO. Restando aperfeiçoada a prescrição da pretensão punitiva na forma retroativa, em razão do lapso temporal superior a quatro anos transcorrido entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença, é por conseqüência, medida que se impõe a decretação, de ofício, da extinção da punibilidade do apelante, nos termos do artigo 107, inciso IV, do Código Penal e artigo 61, do Código de Processo Penal.” (TJ/PR, 3ª C.Crim., Ap. Cr. 0486311-4, Rel. Edvino Bochnia, DJ 55).
Quanto ao mérito os apelantes foram denunciados pela prática de crimes previstos nos artigos 90 e 92 da Lei n. 8.666/93.
Os argumentos alegados (ausência de vantagem econômica, inaptidão do conjunto probatório a corroborar a condenação, inexistência de má-fé na participação do procedimento licitatório e absorção das condutas previstas nos artigos 90 e 92 da Lei n. 8666/93 pelo artigo 1º, inciso I do Decreto-Lei 201/67) não se sustentam.
Basta uma breve leitura da sentença para verificar que os documentos juntados aos autos e os depoimentos das testemunhas foram exaustivamente analisados e motivaram a decisão que culminou com a condenação dos apelantes.
Valter Bessani era o então Prefeito de Doutor Camargo entre 1997 a 2000 e assinou dois procedimentos de licitação para aquisição de pás carregadeiras.
Os apelantes Luiz Gobi, Valdevino Bessani e João Sanches compunham a Comissão de Licitação, participando ativamente de todo o trâmite daqueles atos administrativos.
Foram então nomeados os apelantes Jair Ghiraldi, Edson Roberto de Lima e Paulo Roberto Cavalieri para a Comissão de Avaliação do bem, que, na segunda licitação avaliaram a pá carregadeira em valor sensivelmente inferior ao de mercado (dezessete mil reais), situação facilmente demonstrada através de avaliação realizada nos autos pela revendedora autorizada (J. Malucelli) que atestou que o valor do bem era superior ao total avaliado pela Comissão (trinta mil reais).
Romeu Silveira foi o vencedor do primeiro certame, adquirindo a pá carregadeira pelo valor subavaliado, tornando evidente a indevida vantagem econômica.
Restou também demonstrado nos autos que inexistiu a publicação dos atos de concorrência e houve adulteração de edição jornalística.
Na primeira licitação, foi comprovada a adulteração do periódico “O Jornal do Povo” em 08 de agosto de 1997 através de fotocópias juntadas aos autos e testemunho de Verdelírio Aparecido Barbosa, jornalista daquele periódico:
“O Dr. Cruz esteve no jornal e durante a veiculação nos nossos arquivos constatamos que a edição que circulou no dia 06 de agosto de 1997 era diferente daquela onde contava a publicação do edital de licitação. (...) Verifiquei as duas edições do jornal, a que tínhamos em arquivo e a que fora juntada no processo de licitação. A edição do jornal adulterado poderia ter sido feito em qualquer gráfica. Eu não tinha conhecimento das licitações realizadas pela prefeitura de Doutor Camargo.” (fls. 325).
Manuseando os autos, é fácil perceber a adulteração: a reportagem verdadeira falava sobre vacinação, espaço adulterado onde foi inclusa Portaria n. 36/97, nomeando o apelante Laércio Izair Scarpini como leiloeiro (fls. 20).
Já no lugar da reportagem esportiva e de uma propaganda, há o extrato do Edital n. 02/97 (fls. 22).
Situação idêntica ocorreu no segundo procedimento licitatório, em que o mesmo jornal foi adulterado em 04 de abril de 1998 (fls. 65 e 67), edital e Portaria jamais publicados.
Note-se que as declarações das testemunhas estão em plena consonância com a denúncia e com os documentos juntados aos autos, particularmente com a avaliação técnica e fotocópias do jornal, ressaltando que o argumento relativo à avaria no bem não subsiste porque não há nada nos autos a comprovar o dano que, por ventura, justificaria tamanha redução no valor do objeto alienado de forma fraudulenta.
Registre-se que aos apelantes que compunham a Comissão de Licitação competia a publicação dos atos, entretanto assim não procederam para evitar o surgimento de outra proposta que não fosse a do apelante Romeu Silveira que, durante seu interrogatório, afirmou que não tomou conhecimento da licitação através de jornal (fls. 240).
Dessa forma, não há como acolher o argumento relativo à ignorância de fraude no certame porque todos os apelantes tinham pleno conhecimento de que o caráter competitivo do procedimento licitatório estava sendo ofendido.
O mesmo raciocínio deve ser aplicado para a negativa de existência de fraude porque o próprio Prefeito assinou as Portarias, nomeou as comissões e o leiloeiro e homologou o certame. Portanto, a afirmação de que um contador foi responsável por toda a tramitação do procedimento licitatório é totalmente dissonante do conteúdo probatório.
Cumpre observar ainda que o tipo objetivo do artigo 90 da Lei 8666/93 faz menção a frustrar e fraudar o caráter competitivo da licitação, circunstância amplamente demonstrada nos autos, decorrente da adjudicação, ensejando o afastamento da tese de que não há fraude em atos inexistentes.
Nesse sentido:
“APELAÇÃO CRIMINAL - EX-PREFEITO MUNICIPAL - CRIME DE RESPONSABILIDADE (ART. 1º, I, DO DECRETO-LEI 201/67 E ART. 90 DA LEI 8.666/93) - DELITOS DE PECULATO E DE FRUSTRAR OU FRAUDAR LICITAÇÃO - DECISÃO CONDENATÓRIA - AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS - PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO - INCONFORMISMO - ADEQUAÇÃO DA PENA IMPOSTA AO PRIMEIRO DELITO - CRIME CONTINUADO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO UNICAMENTE PARA O FIM DE SE ADEQUAR A PENA, MANTIDA NO MAIS A DECISÃO RECORRIDA.” (TJ/PR, 2ª C. Crim., Ap. n. 342497-9, Rel. Waldomiro Namur, DJ 7367).
Também não assiste razão aos apelantes quando afirmam que as condutas previstas nos artigos 90 e 92 da Lei 8666/93 devem ser absorvidas pelo artigo 1º, inciso I do Decreto-Lei 201/67 porque os delitos descritos nos artigos da Lei de Licitação possuem tipos diversos (fraudar o procedimento licitatório e assegurar o desvio de verba pública em proveito alheio) e o sujeito do crime previsto no Decreto-Lei é tão somente o Chefe do Poder Executivo.
Assim, ante os elementos comprobatórios da materialidade e da autoria dos delitos que atestam a responsabilidade criminal dos apelantes, torna-se imperiosa a manutenção da condenação pela prática daqueles crimes.
Quanto à dosimetria da pena, nada há de ser modificado.
Não cabe razão ao apelante Paulo Roberto Cavalieri, pois sua pena foi aumentada em 02 (dois) meses devido ao reconhecimento da reincidência, o trânsito em julgado da sentença condenatória ocorreu em 13/12/1993, posteriormente em 08/08/1994 foi declarada extinta a punibilidade. Desta forma, persiste a reincidência vez que entre o trânsito em julgado da infração anterior e o novo crime não transcorreu mais de 05 (cinco) anos, como se vê do artigo 64 do Código Penal.
Art. 64 - Para efeito de reincidência: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Da mesma forma, ao aplicar a pena um pouco acima do mínimo legal (apenas um aumento de 1/12) aos apelantes Valter Gonçalves Bessani, Luiz Gobi e Valdevino Bessani, o juízo singular fundamentou sua decisão com base nas conseqüências do crime e observado o artigo 59 do Código Penal, situação que também, não merece reforma.
Por fim, não deve ser acolhido o pedido de reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, porque esta não ocorreu, não podendo beneficiar os apelantes.
Nessa monta, voto no sentido de decretar a extinção da punibilidade pelo decurso do prazo prescricional na forma acima descrita e, manter a sentença, para os outros apelantes, nos moldes em que foi proferida.
Pelo exposto,
ACORDAM os Desembargadores integrantes da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento aos recursos nos termos do voto.
Acompanharam o voto do eminente Relator Convocado, o Exmo. Des. João Kopytowski, e o Exmo Juiz Substituto de 2º Grau Carlos Augusto Althéia de Mello.
Curitiba, 04 de junho de 2009.
JUIZ JOSÉ LAURINDO DE SOUZA NETTO
Relator Convocado
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