23.10.09

Embargos de declaração - Dr. Camargo

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Nº 551082-1/01 e 551082-1/02, DA 2ª VARA CÍVEL COMARCA DE MARINGÁ.

EMBARGANTE 1: SERCOMPAV Construções e Serviços de Pavimentação Ltda. e Outro.

EMBARGANTE 2: Valter Gonçalves Bessani e Outros.

RELATOR: Fábio André Santos Muniz - Juiz.


EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE NO ACÓRDÃO IMPUGNADO. MERA PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA JÁ DECIDIDA. IMPOSSIBILIDADE. PLEITO DE PREQUESTIONAMENTO. NÃO CABIMENTO. EMBARGOS REJEITADOS.



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos de Declaração nº 551082-1/01 e 551082-1/02, em que são embargantes SERCOMPAV - Construções e Serviços de Pavimentação Ltda. e outro, e Valter Gonçalves Bessani e outros.

I. Trata-se de recursos de Embargos de Declaração interpostos contra o Acórdão nº 34333, de f. 2003/2046, que, por unanimidade de votos, deu parcial provimento aos apelos de Valter Gonçalves Bessani e outros, e ao do Ministério Público do Estado do Paraná, e deu provimento ao apelo de João Sanches Stabelini, reformando parcialmente a sentença singular proferida em Ação Civil Pública manejada pelo Ministério Público.

Irresignados com os termos da decisão, os embargantes SERCOMPAV - Construção e Serviços de Pavimentação Ltda. e Jovelino Bomfim Lopes aduzem que: a) os presentes embargos declaratórios têm a finalidade de prequestionamento do art. 5°, II, da Constituição Federal, art. 12, parágrafo único, da Lei 8429/92 e art. 458, II, do CPC; b) foi celebrada contratação de empreitada global por R$ 15.000,00 (quinze mil reais), entre a empresa embargante e o Município e, posteriormente, o Município propôs que a SERCOMPAV utilizasse mão de obra de servidores municipais na execução da construção, proposição esta absolutamente razoável, aceita por Jovelino; c) houve pagamento de R$ 8.511,60 (oito mil, quinhentos e onze reais e sessenta centavos) à SERCOMPAV, e os R$ 6.488,40 (seis mil, quatrocentos e oitenta e oito reais e quarenta centavos) restantes haveriam de ser abatidos pelo Município no valor contratado, ato este que cabia exclusivamente ao Município; d) devem ser feitos esclarecimentos no que se refere: à ocorrência da subcontratação; ao direito ou obrigação da SERCOMPAV de interferir no destino de recursos do tesouro municipal e, com isso, sua ligação com o destino dado pelo Município ao mencionado valor de R$ 6.488,40; a desconsideração das provas em sentido contrário à ocorrência do superfaturamento da empreitada; à prova de que a SERCOMPAV recebeu cheque de R$ 5.000,00; ao dolo da SERCOMPAV, cuja caracterização é necessária para que seja imposta condenação por improbidade; à observância do art. 12 da Lei 8429; e quanto às provas dos fatos alegados pelo MP em relação à condenação da SERCOMPAV.

Os embargantes Valter Gonçalves Bessani e Outros pugnam pelo prequestionamento do art. 5°, II e LVI da Constituição Federal, art. 12, II e II, da Lei 8429/92 e arts. 128, 293 e 460 do CPC. Alegam que a decisão não enfrentou questões postas na apelação, referentes à ocorrência de “bis in idem” na condenação, e ao julgamento “extra petita” por parte do magistrado singular, além de que foi dada interpretação equivocada ao art. 12, II e III da Lei n° 8429/92. Aponta, ainda, contradição no acórdão, salientando que no tópico 6.6 deste foi dado parcial provimento ao recurso de Valter Bessani e outros, absolvendo os então apelantes das acusações de cometimento de fraude no procedimento licitatório e de desvio de verba para construção do barracão, e na aquisição de sementes de café, sendo que em outros tópicos a decisão condena os recorrentes pelos mesmos motivos.

É o relatório.

II. Para o cabimento dos embargos de declaração é necessário que a parte embargante demonstre a existência de contradição, obscuridade ou omissão na decisão embargada, entendendo-se estes requisitos da seguinte maneira:

“Obscuridade significa falta de clareza, no desenvolvimento das idéias que norteiam a fundamentação da decisão. Representa ela hipótese em que concatenação do raciocínio, a fluidez das idéias, vem comprometida, ou porque exposta de maneira confusa ou porque lacônica, ou ainda porque a redação foi mal feita, com erros gramaticais, de sintaxe, concordância etc., capazes de prejudicar a interpretação da motivação. A contradição, à semelhança do que ocorre com a obscuridade, também gera dúvida quanto ao raciocínio do magistrado. Mas essa falta de clareza não decorre da inadequada expressão da idéia, e sim da justaposição de fundamentos antagônicos, seja com outros fundamentos, seja com a conclusão, seja com o relatório (quando houver, no caso de sentença ou acórdão), seja ainda, no caso de julgamentos de tribunais, com a ementa da decisão. Representa incongruência lógica, entre os distintos elementos da decisão judicial, que impedem o hermeneuta de apreender adequadamente a fundamentação dada pelo juiz ou tribunal. Finalmente, quanto à omissão, representa ela a falta de manifestação expressa sobre algum “ponto” (fundamento de fato ou de direito) ventilado na causa e, sobre o qual deveria manifestar-se o juiz ou o tribunal. Essa atitude passiva do juiz, em cumprir seu ofício resolvendo sobre as afirmações de fato ou de direito da causa, inibe o prosseguimento adequado da solução da controvérsia, e, em caso de sentença (ou acórdão sobre o mérito), praticamente nega tutela jurisdicional à parte, na medida em que tolhe a esta o direito de ver seus argumentos examinados pelo Estado.”1

Veja-se que, a teor do que ensina a doutrina e do que consta no art. 535 do CPC, a argumentação ventilada nos recursos de embargos de declaração interpostos não se enquadra em quaisquer das hipóteses de seu cabimento.

A matéria suscitada foi fundamentadamente analisada, não podendo as partes, neste momento, se utilizarem dos embargos como veículo para reformar o mérito de questão já discutida e fundamentadamente julgada, salvo excepcional circunstância que autorize a concessão de efeito infringente, o que não ocorre no presente caso.

III. Dos embargos de declaração da SERCOMPAV - Construção e Serviços de Pavimentação Ltda. e Jovelino Bomfim Lopes.

Pretendem os embargantes SERCOMPAV e Jovelino Bomfim Lopes, inicialmente, rediscutir a questão referente ao acordo por eles realizado com Município de Doutor Camargo.

A empresa em questão foi vencedora de licitação para construção de um barracão para tratos culturais e depósito de materiais utilizados em viveiro de mudas de café no Município de Doutor Camargo, por ter apresentado o melhor preço, no valor global de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Em um acordo realizado com o referido Município, conforme se extrai dos autos, estabeleceu-se que somente R$ 8.511,60 (oito mil, quinhentos e onze reais e sessenta centavos) seriam pagos à SERCOMPAV - empresa vencedora, sendo que o restante - R$ 6.488,40 (seis mil, quatrocentos e oitenta e oito reais e quarenta centavos), seria quitado pela prefeitura através do fornecimento de mão-de-obra de funcionários municipais para a realização da construção, o que, de acordo com o contrato celebrado, teria ficado à cargo da empresa.

A condenação da empresa SERCOMPAV, imposta pelo acórdão embargado, pelo cometimento doloso de danos ao erário público, ato ímprobo, ocorreu por dois fundamentos: pela desconformidade das notas fiscais e recibos emitidos pela empresa com a realidade fática do serviço prestado e do valor recebido, e pela ocorrência de subcontratação irregular de empresa terceirizada para realização de parte do serviço, sem autorização do Poder Público, o que é legalmente vedado.

Quanto ao primeiro fundamento, a condenação se deu porque a empresa emitiu nota fiscal e recibo, referentes ao serviço prestado ao Município, no valor total da empreitada (R$ 15.000,00), sendo que, entretanto, somente R$ 8.511,60 lhe foram pagos pela municipalidade.

A emissão dos referidos documentos fiscais com dados diversos da realidade dos fatos permitiu que um montante a maior saísse dos cofres públicos (do convênio firmado entre a municipalidade e a SEAB). O Município pode retirar do dinheiro do convênio o valor de R$ 15.000,00, supostamente destinado na integralidade ao pagamento da SERCOMPAV, e o fez porque possuía a documentação fiscal emitida pela empresa nesse valor. Parte desse montante, de fato, foi utilizada para pagar o débito a que estava destinado, mas não se sabe comprovadamente o destino dado ao valor remanescente.

Nota-se, pois, que a conduta da SERCOMPAV trouxe danos ao erário. Para a condenação da parte embargante por ato ímprobo, conforme se deu no acórdão impugnado, não se discute a possibilidade e regularidade da proposta feita pelo Município, tampouco a razoabilidade da empresa em aceitar e firmar o acordo.

O que se imputa à ora recorrente é a emissão de nota fiscal e recibo cujo valor (R$ 15.000,00) não condiz com o valor do serviço efetivamente realizado pela empresa, e pago pelo Município (R$ 8.511,60). Ou seja, a emissão de documentos fiscais com dados diversos da realidade fática, o que por si só é ilícito, e que, no caso, serviu para justificar outra conduta que causou prejuízos aos cofres públicos.

Sobre a questão, assim constou da decisão embargada:

“O tipo de licitação foi o de empreitada por preço global, no qual se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo e total (art. 6º, VIII, ‘a’, da Lei nº 8.666/93). No caso dos autos, o preço certo e total do valor contratado foi o de 15.000,00 (quinze mil reais), conforme previsão orçamentária constante no convênio firmado com a SEAB.

O objeto do certame era construção de um Galpão de Trabalho de Depósito no Viveiro Municipal, medindo 120,00 m2, com cobertura de eternite em alvenaria (f. 266), ficando a cargo exclusivo da empresa contratada todas as providências e despesas correspondentes a obra, compreendendo o aparelhamento, maquinário e ferramental, necessários a execução dos serviços contratados, bem como instalações provisórias de simetria, luz, força, água e todas as outras necessárias (f. 581).

De acordo com a defesa apresentada pela SERCOMPAV, “dias depois do certame” foi procurada pelo prefeito municipal que propôs ao seu representante que “ao invés de contratar empregados para edificar o Galpão, utilizasse mão de obra de servidores municipais”, porque a “Prefeitura contava com folhas de pagamento em atraso além de estar já passado o tempo de pagamento do 13º salário”, assim, “os trabalhadores da Prefeitura ajudariam na geração de recursos a serem empregados nos pagamentos de folhas atrasadas e do 13º salário (f. 948/956).

Admitem os apelantes que na documentação encaminhada ao Tribunal de Contas, constou nota fiscal no valor de R$ 15.000,00, para comprovação da quitação da obra, mas que teria sido um equívoco cometido pelo contador Júlio Maria Figueiredo, que deveria ter juntado na prestação de contas os empenhos de prestação de serviços da Prefeitura para a empresa Sercompav, com o encontro de contas fechando os valores.

(...)

É inconteste nos autos o acerto firmado entre o ex-prefeito do Município de Doutor Camargo e a SERCOMPAV:

“(...) o pedido do então Prefeito foi no sentido de que a requerida Sercompav apresentasse a Nota Fiscal e Recibo no valor total da empreitada, o que tornaria possível a Prefeitura efetuar a saída do dinheiro dos recursos do Convênio, pagando à Sercompav o montante de R$ 8.511,60 e os restantes R$ 6.488,40 seriam debitados a Sercompav e creditados a Prefeitura pela mão de obra que iria ser fornecida pela mesma.” (f. 948/956).

Em seu depoimento, o representante da empresa, Sr. Jovelino Bonfim disse que:

“(...) recebeu R$ 8.500,00 para a aquisição de materiais e gerenciamento da obra, com o emprego de mão de obra composta de funcionários da prefeitura; que o dinheiro que sobrou ficou com a prefeitura para empregar no próprio convênio de construção e manutenção do viveiro; que a licitação foi adjudicada por R$ 15.000,00, mas, como dito, o depoente recebeu apenas R$ 8.500,00; (...) que o contrato previa que a mão de obra seria por conta do depoente, mas acabou ficando a cargo da prefeitura, com o depoente recebendo valor menor.” (f. 1478).

(...)

A reprovabilidade da conduta da empresa licitante, através do seu representante, também é indiscutível, porque é noção elementar que a emissão de notas fiscais só é permitida quando da realização da prestação de serviço. Deve haver laço de pertinência entre o valor do serviço efetivamente realizado e o declarado no documento fiscal. Sem isso, há alteração de fato relevante juridicamente. Sabe o titular da empresa que isso não deve e não pode fazer sob pena de prática ilícita. Emitiu nota e recibo, logo, praticou o ilícito de forma livre e consciente.

Evidente que o representante da empresa sabe que a emissão de nota fiscal não pode ser emitida ao bel prazer de quem as detém. Agiu com dolo, ao firmar declaração fiscal distinta da realidade dos fatos.

Com razão o Ministério Público ao afirmar a participação da empresa SERCOMPAV, e do seu representante, Jovelino Bonfim Lopes, no cometimento de danos ao erário, consistente na emissão de nota fiscal de prestação de serviços a maior do que o valor efetivamente pago pelo cheque. Documento que serviu para fundar apresentação de justificativa do gasto do Município na prestação de contas apresentada ao Tribunal de Contas e a presumida saída indevida de recursos dos cofres municipais”. (fls. 2012/2019) (grifei).

Da leitura do trecho supracitado, ainda, nota-se que não são necessários esclarecimentos no que concerne a presença de dolo por parte da SERCOMPAV, que possibilitou a condenação desta, pois a decisão expressamente mencionou que a conduta foi dolosa, e bem fundamentou tal conclusão. Repita-se o teor da decisão embargada nesse ponto:

“Deve haver laço de pertinência entre o valor do serviço efetivamente realizado e o declarado no documento fiscal. Sem isso, há alteração de fato relevante juridicamente. Sabe o titular da empresa que isso não deve e não pode fazer sob pena de prática ilícita. Emitiu nota e recibo, logo, praticou o ilícito de forma livre e consciente.

Evidente que o representante da empresa sabe que a emissão de nota fiscal não pode ser emitida ao bel prazer de quem as detém. Agiu com dolo, ao firmar declaração fiscal distinta da realidade dos fatos”.

Em relação ao segundo fundamento da condenação dos ora embargantes, qual seja, a subcontratação de outra empresa, pela SERCOMPAV, para execução de parte da obra, também o acórdão embargado não necessita esclarecimentos. A conclusão de que, de fato, houve tal subcontratação foi pautada em declarações constantes dos autos, bem como a decisão no sentido de não ser permitida tal prática baseou-se na legislação pertinente ao caso, nos seguintes termos:

“Consta no presente que a SERCOMPAV terceirizou o serviço de montagem da estrutura do galpão a empresa Irmãos Beluco:

‘(...) foi o depoente que confeccionou, transportou e montou a estrutura; (...) não faz a obra terminada, só faz o “esqueleto” da obra (...); essa foi uma das últimas obras que fez para Sercompav (...)’ (f. 1631).

A sentença guerreada consignou que nada há de ilegal no fato de as obras de construção do galpão terem sido executadas pela empresa subcontratada, Irmãos Beluco, e não diretamente pela empresa SERCOMPAV.

A Lei de Licitações prevê em seu art. 72:

‘O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração.’

Há possibilidade de a empresa contratada subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, desde que dentro do limite admitido pela Administração Pública. Ocorre que, conforme ressaltou o Promotor de Justiça de 2º grau, não consta nos autos qualquer permissão pelo Poder Público de subcontratação da obra, portanto, a terceirização de parte da execução do objeto licitado está em desacordo com as exigências da Lei nº 8.666/93.

Não há dúvida de que a conduta do agente político ao permitir, por omissão, que a empresa vencedora do certame subcontratasse outra empresa para execução da obra, sem a prévia, devida e formal autorização pelo Poder Público, violou o princípio da moralidade administrativa. Disso foi beneficiária a empresa SERCOMPAV, juntamente com o seu representante legal, e certo é que concorreram para a prática da conduta censurada, porque desrespeitaram o acordo celebrado, que previa que a responsabilidade pela execução da obra seria integralmente da empresa.

Na lição de Marçal Justen ‘se o particular não dispunha de condições para executar a prestação, não poderia ter sido habilitado. Aliás, apurada a inidoneidade após a habilitação, a Administração deve promover a rescisão do contrato. Daí surge a regra da impossibilidade do contratado transferir ou ceder a terceiros a execução da prestação das prestações que lhe incumbiram. A lei autoriza, porém, que a Administração, em cada caso, avalie a conveniência de permitir a subcontratação, respeitados os limites predeterminados.’ (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Dialética, 12ª ed., p. 757).

No caso, deliberadamente, e sem autorização, foi cedida a execução do contratado para terceiro. Isso não foi autorizado pela Administração do ato de licitação, conforme documento de f. 742, 743, 747, 748 e 749.” (f.2020/2022).

Ambos os fundamentos que levaram à condenação da SERCOMPAV restaram, pois, suficientemente apontados e fundamentados pela decisão embargada, tendo ocorrido expresso apontamento do dolo na conduta dos recorrentes, bem como o dano ao erário público, o que autoriza a condenação por improbidade administrativa.

Melhor sorte não assiste aos embargantes quanto às alegações de que o abatimento do montante de R$ 6.488,40 do valor total da empreitada cabia exclusivamente ao Município. Apontam os recorrentes que não têm direito nem o dever de interferirem no destino de recursos do tesouro nacional, e, por isso, pugnam pelo esclarecimento de qual seria a sua ligação com o destino dado pelo Município ao supramencionado valor.

O recurso não merece acolhimento também nesse ponto porque tal fato - o destino dado ao montante de R$ 6.488,40 - não foi imputado pela decisão recorrida como sendo de responsabilidade da SERCOMPAV ou de seu representante, bem como não foi o fundamento da condenação destes na ação em questão, conforme já explanado. Confira-se o teor do acórdão embargado no que tange às razões da condenação da SERCOMPAV:

“Portanto, assiste parcial razão ao Ministério Público, devendo ser reformada a sentença guerreada, condenando-se a empresa SERCOMPAV e seu representante, Sr. Jovelino Bonfim Lopes, nas sanções legais previstas pelo cometimento de atos de improbidade administrativa, porque participaram de licitação cuja execução do objeto, de forma livre e consciente, se deu de maneira ímproba, com terceirização indevida da execução, emissão de nota que não corresponde à realidade executada com conseqüente JUSTIFICAÇÃO de despesa que faticamente tenha sido realizada em favor do Poder Público, o que fez com que não se saiba o real destino de mais de R$ 6.400,00”. (f. 2022).

Os fundamentos da decisão embargada de que não houve comprovação de que o referido montante de R$ 6.488.40 foi para pagamento dos atrasados e do 13° salário dos servidores municipais, conforme alegado pelas partes, e de que não se sabe o destino que referida verba tenha tomado, foram utilizados para justificar a condenação do Prefeito Municipal, apontando que este também detém a responsabilidade de prestação de contas, e não apenas o contador municipal, como pretendiam os apelantes Valter Gonçalves Bessani e Outros.

Houve explanação de que a conduta irregular da SERCOMPAV, nesse ponto, foi a emissão de nota fiscal e recibo no valor total da empreitada - R$ 15.000,00, ato este que possibilitou ao agente político se utilizar de tal documentação parcialmente sem origem para encobrir pagamento de supostas despesas do município, de modo a retirar dinheiro a mais do convênio, utilizar-se de parte do montante para pagamento da referida empresa, e não fazer comprovação da destinação do valor remanescente.

Ao contrário do que pretende fazer crer os embargantes, a condenação da SERCOMPAV não teve relação direta com a não comprovação do destino dado ao montante de R$ 6.488.40, pois isto, de fato, é ato que cabe ao Município. Mas sim, foi responsabilizada pelo ato anterior a este, ou seja, a emissão irregular da nota fiscal e recibo, ato este que deu margem e justificou o posterior ato irregular do Município.

O mesmo se diga quanto à discussão sobre o superfaturamento da licitação. A responsabilidade por tal ocorrência foi atribuída ao Prefeito Municipal, baseado justamente no fato de que, mesmo tendo sido comprovado nos autos a realização do acordo entre a SERCOMPAV e o Município, este não comprovou a destinação do valor de R$ 6.488,40, ônus que lhe cabia. Tal fato - reconhecimento da ocorrência do superfaturamento - igualmente não foi imputado como de responsabilidade da SERCOMPAV, e não foi o que justificou a condenação desta na ação em questão.

Por fim, os embargantes solicitam que seja apontada a prova de que receberam cheque no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

A decisão ora impugnada em nenhum momento menciona que os embargantes efetivamente receberam o cheque no valor supracitado (R$ 5.000,00), tampouco que tal recebimento seria ilícito. Apenas aponta que o Município pretendia parcelar o valor devido à empresa (de R$ 15.000,00), pois há documento nos autos informando que foram emitidos dois cheques para tal finalidade: um de R$ 8.511,60 e outro de R$ 5.000,00.

Tal questão não tem pertinência com a condenação da SERCOMPAV, que por fundamentos totalmente diversos foi imposta. No trecho em que se refere ao aludido cheque de R$ 5.000,00, o acórdão está apenas a explicar a situação fática conforme extraída da documentação constante dos autos:

“Consta no presente caderno que através da Comissão Permanente de Licitação, foram recebidas as propostas relativas à empreitada por preço global para construção do galpão, na modalidade Convite - nº 41/97, quedando-se vencedora a empresa Sercompav (f. 266/274). À f. 400, consta a nota de empenho referente à prestação do serviço, no valor de R$ 15.000,00, podendo ser observado no campo ‘Tesouraria’, a intenção de parcelamento da dívida com a emissão de dois cheques: o primeiro, no valor de R$ 8.511,60 (cheque nº 51088/Banest/café), e o segundo, no valor de R$ 5.000,00 (cheque nº 479366/Banest/Fundepar). Foi juntado aos autos fotocópia da nota fiscal e do recibo, ambas no valor global avençado (f. 401/402) e do extrato bancário demonstrando a compensação do cheque nº 051088, no valor de R$ 8.511,60 (f. 535)”. (f. 2010) (grifei).

Constata-se, pois, que os embargantes pretendem rediscutir questões já decididas, e devidamente fundamentadas, pelo acórdão recorrido, o que não é possível pela via dos embargos declaratórios. Correta ou não, essa foi a interpretação adotada no aresto e que, a toda evidência não peca, ao menos por omissão, contradição ou obscuridade capaz de ensejar qualquer esclarecimento ou modificação do julgado.

IV. Dos embargos de declaração de Valter Gonçalves Bessani e Outros:

Apontam os embargantes que a decisão impugnada não enfrentou questões colocadas no apelo, quais sejam, a ocorrência de “bis in idem” nas condenações impostas à Valter Gonçalves Bessani, e que o julgamento foi “extra petita”.

Razão não assiste aos recorrentes, porque constou expressamente do acórdão em comento que não houve bis in idem, tampouco julgamento extra petita por parte do magistrado singular. Assim restou decidido:

“7. Os primeiros apelantes alegam a ocorrência de bis in idem na sentença guerreada, aduzindo que Valter Gonçalves Bessani foi condenado duas vezes pelos mesmos fatos. Não é verdade. Na fundamentação da decisão atacada constou no item II. 8, o “desfecho da ação civil pública”, isso após análise dos fatos constantes na inicial. Depois, no dispositivo da sentença, item III, o juiz monocrático discriminou nas alíneas a,b,c,d, as sanções nas quais foram condenados os apelantes, não havendo que se falar em bis in idem.

8. Aduzem, ainda, que a decisão guerreada é extra petita porque solucionou a causa diversamente do que foi pedido pelo autor. Na inicial, o Ministério Público requereu a condenação dos apelantes nas sanções previstas no art. 12, II da Lei nº 8.429/92, ou nas sanções previstas no art. 12, III, do mesmo dispositivo. Isso não quer dizer que os apelantes deveriam ser condenados ou em uma sanção ou em outra.

Não poderia e, de fato, não ocorreu, a condenação dos apelantes pela prática de determinada conduta cumulando-se as sanções descritas nos incisos II e III do art. 12. Neste sentido o pedido do Ministério Público foi alternativo somente quanto à tipificação da conduta. O magistrado, analisando as circunstâncias do caso concreto, considerou dentro de cada fato descrito na inicial, as condutas praticadas por cada um dos apelantes e aplicou a pena que entendeu cabível com base em determinado dispositivo sem cumulação.

Com relação à aquisição de ripão, ficou comprovada a lesão ao erário pelo desvio de verba, a falsificação de nota fiscal e a fraude no procedimento administrativo. Cada conduta recebeu a sanção respectiva. Com relação à lesão ao erário pelo desvio da quantia de R$ 8.000,00 reais, os apelantes Valter Gonçalves Bessani e Valdir Edemar Fries foram condenados as sanções previstas no art. 12, II, da Lei nº 8.429/92. Já no que diz respeito à falsificação de nota fiscal, a sanção colimada ao réu Valter Gonçalves Bessani, foi aquela prevista no art. 12, III, da Lei nº 8429/92. Em face da fraude nos procedimentos administrativos realizados para a construção do galpão, aquisição de ripão, aquisição de sementes e arrendamento do viveiro. Valter Gonçalves Bessani, Valdevino Bessani, João Sanches Stabelini e Luiz Gobi, foram condenados às sanções previstas no art. 12, III, da Lei nº 8429/92.

Não houve decisão extra petita. Para cada fato, a sentença objurgada discriminou a conduta do acusado e a respectiva sanção, conforme pedido constante na inicial”. (fls. 2042/2043). (grifei).

Por fim, sustenta o embargante que há contradição no acórdão embargado, porque o item 6.6 deste deu parcial provimento ao recurso de Valter Bessani e Outros, absolvendo-os das acusações de cometimento de fraude no procedimento licitatório e desvio de verba para a construção do barracão, e na aquisição de sementes de café, mas, em outros tópicos, condena os recorrentes pelos mesmos motivos.

O acórdão não é contraditório. Constou da decisão, nos itens 6.1 a 6.7, as reformas que estavam sendo feitas na sentença singular, em relação a cada um dos réus separadamente em cada item. O item apontado pelo recorrente, 6.6, reforma a decisão em relação à Valdevino Bessani, absolvendo tão somente este réu da acusação de cometimento de fraude no procedimento licitatório e desvio de verba para a construção do barracão, e na aquisição de sementes de café, por ausência de prova de que ele tenha intervindo nesses ilícitos.

Em que pese tenha constado no aludido item que “merece parcial provimento o recurso interposto por Valter Bessani e outros”, isso se deu porque os recorrentes Valter Gonçalves Bessani, Luiz Gobi, José Luiz Nicodemo e Valdevino Bessani apresentaram conjuntamente a mesma peça de apelo. A este apelo único, o parcial provimento concedido pela decisão no item 6.6 foi apenas em relação à Valdenino Bessani, e quanto a ele, foram excluídas somente as condenações expostas. Isso não significa que ao recurso como um todo estava sendo dado provimento, tampouco que a absolvição atingiria a todos os recorrentes.

Especificamente em relação ao recorrente Valdevino Bessani, a sentença de primeiro grau imputou-lhe condenação pelos quatro fatos discutidos na ação civil pública, conforme se lê à f. 1835 dos autos:

“d) condenar os réus Valdevino Bessani, João Sanches Stabelini e Luiz Gobi, em relação aos quatro fatos - construção do galpão, aquisição de ripões, aquisição de sementes e arrendamento do viveiro -, sendo o segundo fato em face da fraude na licitação, a sofrerem as sanções previstas no art. 12, III, da Lei n. 8.429, de 2-6-1999, (...)”.

O acórdão ora em comento tratou de cada fato separadamente, sendo que em relação a alguns confirmou a responsabilidade do recorrente Valdevino Bessani, e em relação a outros, a exclui, modificando a sentença singular que o havia condenado, conforme apontado, por todos os fatos.

Ao final do acórdão, constou no referido item 6.6 os pontos que estavam sendo reformados na sentença singular em relação a tal recorrente: das condenações impostas em primeiro grau, excluiu-se a referente à fraude no processo de licitação para construção do barracão, e ao desvio de verba para tanto, bem como a condenação referente à fraude no procedimento licitatório para aquisição das sementes de café. As demais condenações, conforme se constata da leitura do acórdão, foram mantidas, e não constaram no aludido item 6.6 porque em relação a elas nadas estava sendo modificado na sentença apelada.

Confira-se:

“6.6. Valdevino Bessani:

Merece parcial provimento o recurso interposto por Valter Bessani e outros para que seja reformada a sentença atacada, absolvendo-se o apelante da acusação de cometimento de fraude do procedimento licitatório e de desvio de verba para a construção do barracão, e na aquisição das sementes de café. Não há prova de que tenha intervindo diretamente nos ilícitos constatados, conforme exposto neste voto”. (f. 2041) (grifei).

Nada há, pois, a ser modificado na decisão embargada.

V. Do prequestionamento:

Em ambos os embargos os recorrentes pugnam pelo prequestionamento da matéria. Em que pese a pretensão dos embargantes, o julgador não é obrigado a apontar expressamente se restaram ou não violados dispositivos legais ou constitucionais por estes apresentados para sustentar a argumentação de recurso. Necessita, sim, solucionar a lide, expondo na integralidade as razões de decidir, sem incorrer em contradição, omissão ou obscuridade. Isso o fez.

O Juiz não está vinculado aos argumentos jurídicos das partes, tampouco à interpretação por elas atribuídas a tais dispositivos. A vinculação do magistrado é tão-somente com a causa de pedir, como posta no processo.

Assim, a oposição de embargos declaratórios com finalidade de prequestionamento não consiste em uma das hipóteses de cabimento de tal recurso. A propósito, já se manifestou esta Corte:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. DESNECESSIDADE DE REFERÊNCIA EXPRESSA ACERCA DOS DISPOSITIVOS LEGAIS. EMBARGOS REJEITADOS. 1. Os embargos declaratórios não correspondem à via recursal adequada para a modificação do mérito das decisões, alterando-se o resultado final obtido através do julgamento, e sim, limitam-se à correção de eventuais omissões, contradições ou pontos obscuros que possam existir. 2. Inocorrendo o vício apontado tem-se que a rejeição dos embargos é medida de rigor, ainda que para o fim de prequestionamento, em vista da obrigatoriedade de serem observados os lindes do art. 535 caput e incisos, do Código de Processo Civil. 3. Saliente-se que se as questões foram suficientemente enfocadas no acórdão, fica implícito o exame das disposições legais invocadas, fazendo-se desnecessária a menção expressa aos referidos dispositivos. 4. Embargos Rejeitados.(TJPR, Acórdão nº 6046, EmbDecCv nº 0368765-2/01, 11ª Câm. Cível, rel. Luiz Antônio Barry, julg. 02/05/2007)”.

Por tais fundamentos, inexistindo omissão, contradição ou obscuridade a ser sanada no acórdão embargado, voto no sentido de rejeitar ambos os recursos.

VI. Pelo exposto, acordam os integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em rejeitar ambos os embargos de declaração.

O julgamento foi presidido pelo Desembargador Abraham Lincoln Calixto (com voto) e dele participou a Desembargadora Maria Aparecido Blanco de Lima.

Curitiba, 01 de setembro de 2009.


Fábio André Santos Muniz,
Relator.


1 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, 556.