2.10.09

Embargos infringentes - voto vencido

EMBARGOS INFRINGENTES CRIME Nº 415952-0/04 NA APELAÇÃO CRIME N.º 415952-0 DE MARINGÁ - 4ª VARA CRIMINAL

EMBARGANTE : JOÃO ALVES CORREA

EMBARGADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

RELATOR DESIGNADO: DES. CAMPOS MARQUES



DECLARAÇÃO DE VOTO

JUIZ FRANCISCO CARDOZO OLIVEIRA


RELATÓRIO

1. João Alves Correia interpôs o recurso de Embargos Infringentes da decisão proferida pela 2.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça que no julgamento da Apelação Criminal nº 415952-0, por maioria de votos, deu parcial provimento ao recurso, com a seguinte ementa:

“APELAÇÃO CRIMINAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. FALSA DECLARAÇÃO EM NOTA FISCAL E TERMO DE RECEBIMENTO DE COMPUTADORES ADQUIRIDOS PELA CÂMARA MUNICIPAL.
APELO 1 - MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO PROVADOS. TIPICIDADE CARACTERIZADA. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA. APENAMENTO JUSTO. RECURSO DESPROVIDO.
APELO 2 - MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. APENAMENTO CORRETO E JUSTO. IGNORÂNCIA DE NÃO RECEBIMENTO DO MATERIAL, PELO PRESIDENTE DA CÂMARA, DIVORCIADO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. CONDENAÇÃO INEVITÁVEL. PERDA DO CARGO, NÃO FUNDAMENTADA. EXCLUSÃO. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS EM RELAÇÃO ÀS PENAS. PROVIMENTO EXCLUINDO A PERDA DO CARGO, DO VEREADOR PRESIDENTE.” (fls. 1273).

A Juiza Substituta de 2.º Grau Lilian Romero divergiu da maioria porque entendeu que não deveria ser mantida a condenação do apelante João Alves Corrêa nas sanções do art. 299, § 1º do Código Penal por insuficiência de provas (fls 1287, vol. 6).
Os acusados interpuseram Embargos de Declaração (fls. 1296-1329, vol. 6) rejeitados pela decisão de fls. 1348, vol. 6.
Novos Embargos de Declaração foram opostos pela entidade Assistente de Acusação (fls. 1356/1358, vol. 6) rejeitados pela decisão de fls. 1373-1375, vol. 6.
O Ministério Público também opôs Embargos de Declaração (fls. 1381-1388, vol. 6) rejeitados pela decisão de fls. 1393-1396, vol. 6.
O acusado João Alves Correa opôs Embargos Infringentes (fls. 1455/1431, vol. 7) para alegar, em síntese, o seguinte: a) inexistiria prova da autoria delitiva porque não está comprovado que o acusado tenha inserido declaração falsa nos Termos de Recebimento de Materiais e Serviços; b) deve-se observar que o delito de falsidade ideológica é formal e que para a sua configuração não tem relevância se o acusado tinha conhecimento ou não de falsidade integrante dos Termos de Recebimento de Materiais e Serviços; c) deve-se levar em conta que quando o acusado autorizou o empenho e o pagamento a conduta delituosa praticada por terceiros já estava consumada, não sendo o caso de considerar-se qualquer espécie de concurso de agentes; d) não existiriam provas no processo de que o acusado teria inserido ou mandado inserir declaração falsa no documento público; e) o Ministério Público, na forma do disposto no art. 156 do Código de Processo Penal, não teria se desincumbido do ônus de comprovar a autoria do delito; f) a decisão embargada teria firmado o pressuposto de responsabilização objetiva do acusado pelo fato dele ser Presidente da Câmara Municipal de Maringá; g) deve prevalecer o que ficou consignado no voto vencido no sentido de ausência de provas suficientes para a condenação estando autorizada a absolvição na forma do inc. VI do art. 386 do Código de Processo Penal.
Requereu-se o provimento do recurso para a reforma do Acórdão embargado e o decreto de absolvição do acusado João Alves Correa(fls. 1455-1481, vol. 7).
A Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer subscrito pela Procuradora de Justiça Samia Saad Gallotti Bonavides, pronunciou-se pelo desprovimento Embargos Infringentes (fls. 1501-1506).

ADMISSIBILIDADE

2. O recurso é tempestivo, conforme se observa do cotejo entre a publicação do acórdão que rejeitou os embargos de declaração opostos pelo embargante (f. 1376, vol. 6) e o protocolo do termo de interposição do recurso (f. 1451, vol. 7); presentes os demais pressupostos legais, o recurso deve ser conhecido.

VOTO

3. Trata-se de Embargos Infringentes em que é embargante João Alves Correa e embargado o Ministério Público do Estado do Paraná.
O recurso tem por escopo obter tutela para o decreto de absolvição do acusado João Alves Correa.

3.1 O acusado João Alves Correa está denunciado nos autos de Ação Penal n.º 2005.0004358-5, juntamente com José Wanderley Domingues, Luiz Carlos Barbosa, Adilson de Oliveira Corsi e Benedito Barbosa incurso nas sanções do art. 299 do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos:

“Em data de 14.02.05, o denunciado JOÃO ALVES CORRÊA, a pretexto de agilizar as sessões e o processo legislativo da Câmara Municipal, autorizou a abertura do procedimento licitatório n. 02/2005, para compra de 20 (vinte) notebooks, 02 (dois) tripés, 30 (trinta) fitas de vídeo modelo SV, 60 fitas de vídeo modelo VHS e 120 (cento e vinte) pilhas modelo AAA, consoante se vê pela inclusa cópia do referido procedimento licitacional.
Esse procedimento, em face de inúmeras irregularidades, está sendo objeto de discussão no Juízo Cível desta Comarca, através de uma AÇÃO CIVIL PÚBLICA, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra os denunciados JOÃO ALVES CORRÊA, JOSÉ WANDERLEY DOMINGUES, LUIZ CARLOS BARBOSA, ADILSON DE OLIVEIRA CORSI, BENETIDO BARBOSA e OUTROS (cópia inclusa).
A vencedora do referido certame foi a empresa Informar Assistência Técnica Ltda., de propriedade do denunciado JOSÉ WANDERLEY DOMINGUES, a qual por força do estatuído no edital (item XV), deveria receber o preço em moeda corrente do País, no prazo de dez dias, mediante a entrega dos produtos licitados, ou seja, com a apresentação da fatura e/ou nota fiscal respectiva, devidamente protocolizadas na Tesouraria da Câmara Municipal de Maringá.
Em data de 17.02.05, o denunciado JOSÉ WANDERLEY DOMINGUES, combinado com o denunciado JOÃO ALVES CORRÊA, atual presidente da Câmara Municipal, apresentou as notas fiscais n.s. 6590 e 6591, datadas de 17 de fevereiro de 2005, nos valores de R$ 234.586,00 e R$ 1.656,00 respectivamente, totalizando a importância de R$ 236.242,00 (duzentos e trinta e seis mil, duzentos e quarenta dois reais) registrando os produtos acima mencionados, como tendo sido entregues à Câmara Municipal de Maringá.
No mesmo dia, o denunciado JOÃO ALVES CORRÊA autorizou a confecção dos empenhos n.s. 202 e 204, bem como o pagamento da importância totalizada acima, mediante a confecção de um documento bancário denominado de Transferência Eletrônica Disponível (TED), o qual foi operacionalizado no dia seguinte (18.02.05), sendo que a referida importância foi creditada na conta bancária da empresa Informar Assistência Técnica Ltda., consoante se vê pela inclusa cópia do extrato bancário da empresa referente ao mês de fevereiro de 2005.
No dia seguinte (18.02.05), as notas fiscais foram apresentadas à Comissão Especial Permanente, composta pelos denunciados ADILSON DE OLIVEIRA CORSI (auxiliar de manutenção), BENEDITO BARBOSA (assessor parlamentar) e LUIZ CARLOS BARBOSA (chefe do almoxarifado), nomeados pela Portaria n. 209/2003, expedida pela Câmara Municipal, os quais lavraram dois termos de recebimento dos produtos acima mencionados (documentos inclusos), sendo um para o recebimento dos 20 (vinte) notebooks e 02 (dois) tripés e outro para o recebimento das fitas e pilhas.
Ocorre, que no dia 18.02.05 o denunciado JOSÉ WANDERLEY DOMINGUES, havia adquirido 02 (dois) notebooks da empresa Itautec S.A., com sede na cidade de São Paulo (Bairro Tatuapé), conforme nota fiscal n. 468163, ora inclusa, sendo que um desses notebooks posteriormente foi entregue à Câmara Municipal e o outro entregue a empresa transportadora Tri-Círculos Equipamentos de Informática Ltda., com sede nesta cidade.
No dia 25.02.05, o denunciado JOSE WANDERLEY DOMINGUES, contatou com a empresa A.A. MATTEDI USINAGEM LTDA., com sede no Rio de Janeiro (bairro Jacarepaguá), e dela adquiriu 02 (dois) tripés pelo preço de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais), conforme se vê da inclusa nota fiscal n. 2289 e despachado para a empresa Informar Assistência Técnica Ltda., através do SEDEX.
No dia 28.02.05, o denunciado JOSE WANDERLEY DOMINGUES, novamente contatou com a empresa Itautec S.A., com sede na cidade de São Paulo (Bairro Tatuapé) e dela adquiriu mais 19 (dezenove) notebooks, conforme se vê da inclusa nota fiscal n. 469303, ao preço unitário de R$ 4.834,73 (quatro mil, oitocentos e trinta e quatro reais e setenta e três centavos), os quais foram despachados através da empresa Expresso Mercúrio S.A. e tendo sido entregue à empresa Informar Assistência Técnica LTDA., nesta cidade de Maringá, no dia 01.03.05, conforme se comprova o incluso documento conhecido como Conhecimento de Transporte n. 773380 e somente após esta data é que os mencionados notebooks foram repassados à Câmara Municipal de Maringá.
No tocante ao suporte financeiro, apurou-se, que no dia 18.02.05, a empresa Informar Assistência Técnica Ltda., somente tinha um crédito disponível de R$ 45.581,55 (quarenta e cinco mil, quinhentos e oitenta e um reais e cinqüenta e cinco centavos), em conta corrente movimentada no Banco Itaú S.A. desta cidade (ver extratos bancário referente ao mês de fevereiro de 2005), portanto, sem condições financeiras de adquirir os 20 (vinte) notebooks de R$ 105.032,49 (cento e cinco mil, trinta dois reais e quarenta nove centavos) e de conseqüência sem condições de estoque para honrar o resultado do certame licitatório.
Assim, os denunciados JOSÉ WANDERLEY DOMINGUES, de forma livre e consciente, inseriu declaração falsa e diversa daquela que deveria ser escrita, em documento público, ou seja, nas notas fiscais n.s. 6.590 e 6.591, datadas de 17 de fevereiro de 2005, de que havia vendido e entregues à Câmara Municipal os 20 (vinte) notebooks, 02 (dois) tripés, 30 (trinta) fitas de vídeo modelo SV, 60 fitas de vídeo modelo VHS e 120 (cento e vinte) pilhas modelos AAA, com o fim de criar ao referido ente público a obrigação de lhe destinar a importância de R$ 236.242,00 (duzentos e trinta e seis mil e duzentos e quarenta dois reais) alterando a verdade sobre fato juridicamente relevante.
O denunciado JOÃO ALVES CORRÊA, em todo tempo da conduta acima mencionada, tinha plena ciência que as declarações contidas nas notas fiscais eram falsas, mas mesmo assim assentiu que as mesmas fossem processadas pela Câmara Municipal para possibilitar o pagamento da importância supostamente devida na data de 17 de fevereiro de 2005 à empresa Informar Assistência Técnica Ltda., concorrendo desta forma para o sucesso da conduta criminosa cometida pelo denunciado JOSÉ WANDERLEY DOMINGUES.
Posteriormente, o denunciado JOÃO ALVES CORRÊA, valendo-se das condições de presidente da Câmara Municipal de Maringá, inclusive prevalecendo de referido cargo, tendo plena ciência que os produtos acima não tinham sido entregues, mas para cumprir os demais atos decorrentes da suposta entrega, determinou encaminhamento das notas fiscais n. 6.590 e 6.591, datadas de 17/02/05 à Comissão Especial Permanente, composta pelos denunciados ADILSON DE OLIVEIRA CORSI, BENEDITO BARBOSA e LUIZ CARLOS BARBOSA para realizar os termos de recebimentos dos supostos materiais, os quais aderindo a vontade e os propósitos do referido presidente, cientes que os produtos não haviam sido entregues naquela data, também prevalecendo-se dos cargos acima nominados, inseriram declaração falsa e diversa daquela que deveria ser escrita, em documento público, com o fim de criar suposta obrigação de registro no patrimônio da Câmara Municipal, alterando a verdade sobre fato juridicamente relevante.” (fls. 2-6).

O Juiz da causa condenou o acusado João Alves Correa nas sanções do art. 299, § 1.º do Código Penal, com a aplicação de pena privativa de liberdade de dois anos e quatro meses, pena de 28 dias-multa e perda do mandato eletivo, na forma do art. 92, I, a, do Código Penal (fls. 1050-1072 - 5.º vol).
No julgamento do Recurso de Apelação a pena imposta ao acusado João Alves Correa acabou reduzida para um ano e nove meses de reclusão, com a exclusão do decreto de perda do cargo de Vereador (fls. 1273-284 - 6.º vol).

3.2 O questionamento recursal diz respeito à comprovação da autoria do delito de falsidade ideológica atribuída ao acusado João Alves Correa.
De acordo com o que consta do v. Acórdão estaria comprovada a autoria do delito pelos seguintes elementos de prova:

a) o acusado João Alves Correa teria autorizado o pagamento de notebooks e tripés adquiridos pela Câmara Municipal de Maringá mediante o termo de fls 147 cujo conteúdo era inverídico;
b) o acusado teria participação intelectual no delito porque tinha conhecimento e subscreveu o Termo de Recebimento de Material tendo ciência de que o material não havia sido recebido.

O voto vencido afirma que não existiriam provas da autoria do delito a recair na pessoa do acusado pelas seguintes razões:

a) não existem elementos no conjunto probatório a indicar que o acusado João Alves Correa tenha influenciado membros da Comissão Especial a firmar o Termo de Recebimento de Material sem o recebimento efetivo das mercadorias;
b) não existem elementos nos autos a indicar que o acusado João Alves Correa tivesse conhecimento do fato de que as mercadorias não haviam sido entregues;
c) não está comprovado que o acusado João Alves Correa tivesse conhecimento da falta de entrega dos notebooks, da intenção dele de simular a entrega dos equipamentos ou de ter influenciado membros da Comissão Especial.

3.3 Sustenta-se nas razões de recurso que não está comprovada a autoria do delito de falsidade ideológica a recair na pessoa do acusado João Alves Correa.
A solução normativa do recurso exige um terceiro reexame do conjunto probatório.
Observa-se da análise da prova documental constante do processo que, em 17/02/2005, o acusado João Alves Correa adjudicou e homologou a licitação na modalidade de Tomada de Preços n.º 2/2005 e determinou a emissão dos empenhos para o pagamento do valor de R$ 236.242,00 (duzentos e trinta e seis mil, duzentos e quarenta e dois reais) a empresa Informar Assistência Técnica Ltda, relativo a aquisição de Notebooks pela Câmara Municipal de Maringá (f. 141, vol. 1).
No mesmo dia 17/02/2005, foi expedida, pelo próprio embargante, na condição de Presidente da Câmara, as notas de empenhos nº 202/2005 (f. 144, vol. 1), nº 203/2005 (f. 145, vol. 1) e nº 204/2005 (f. 149, vol. 1).
Ainda em 17/02/2005 foi realizada a Transferência Eletrônica Disponível (TED) do montante de R$ 236.242,00 (duzentos e trinta e seis mil, duzentos e quarenta e dois reais), pelo próprio embargante (f. 151).
A empresa Informar Assistência Técnica Ltda emitiu as notas fiscais de venda dos produtos em 17/02/2005 (fls. 146 e 150, vol. 1).
Em 18 de fevereiro de 2005, os vereadores Luiz Carlos Barbosa, Adilson de Oliveira Corsi e Benedito Barbosa assinaram o Termo de Recebimento de Materiais e Serviços atestando que, naquela data, haviam sido recebidos 20 computadores Notebook e 2 Tripés para Filmadoras (fls. 147).
Por ocasião dos interrogatórios judiciais, o acusado José Wanderley Domingos declarou que os equipamentos não foram entregues no dia 18 de fevereiro de 2005, mas no primeiro dia do mês subseqüente a emissão das notas fiscais (fls. 802, vol. 4).

Em vista desses elementos constantes do conjunto probatório pode-se afirmar provados os seguintes fatos: a) o acusado João Alves Correa autorizou a emissão de empenho, assinou a nota de empenho e fez o pagamento do valor de R$ 236.242,00 a empresa Informar Assistência Técnica Ltda no dia 17 de fevereiro de 2005; b) a empresa Informar Assistência Técnica Ltda emitiu as notas fiscais de venda dos produtos em 17 de fevereiro de 2005; c) os vereadores Luiz Carlos Barbosa, Adilson de Oliveira Corsi e Benedito Babosa, em 18 de fevereiro de 2005, atestaram o recebimento de 20 computadores Notebook e 2 Tripés para Filmadora; d) os produtos adquiridos somente foram recebidos pela Câmara Muncipal de Maringá no primeiro dia do mês subseqüente ao da emissão das notas fiscais.

3.4 De acordo com o deduzido no recurso, quando o acusado autorizou a emissão do empenho e fez o pagamento do valor de R$ 236.242,00 o delito de falsidade ideológica já estava consumado sendo que não estaria comprovado que ele, em algum momento, inseriu ou mandou inserir declaração falsa no Termo de Recebimento de Materiais (fls. 147).
A denúncia imputa ao acusado a prática do delito do art. 299 do Código Penal afirmando que ele tinha plena ciência de que não houve o recebimento dos produtos adquiridos em 18 de fevereiro de 2005 e, mesmo assim, emitiu empenho e fez os pagamentos.
O delito de falsidade ideológica segundo o disposto no art. 299 do Código Penal ocorre na seguinte situação:

Art. 299. Omitir, em documentos público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

Embora classificado como formal, as ações de inserir, fazer inserir ou omitir integrantes do tipo do delito de falsidade ideológica não exigem para a consumação do crime que o agente tenha inserido algum dado falso materialmente perceptível no documento; o caráter formal do delito está relacionado ao fato de a consumação ocorrer independentemente de resultado naturalístico; na falsidade ideológica, o falso reside na declaração verdadeira que devia constar de documento público que foi omitida ou desvirtuada pela construção de outra declaração pelo próprio agente ou por terceiro, de que resulta lesão ao bem jurídico tutelado.
Como diz Nelson Hungria as ações do crime de falsidade ideológica não podem ser entendidas apenas como sinônimo de contrafazer (forjar materialmente); tem significação tão ampla quanto fazer, formar, criar, engendrar. Refere-se tanto à matéria quanto à idéia. Não somente coisas corpóreas se fabricam, senão também as imateriais. Lá está em Camões: “Astutamente lhe será tanto engano fabricado”. Além disso, é preciso convir como Escobelo (Truffe in atto pubblico e privato) que falso material não é só aquele que se obtém com um processo meramente caligráfico. O falso intelectual, quando se exterioriza em documento público ou escrito privado, dá origem e vida, em substância, a um falso material. Quando se incluem num documento elementos de fato inexistentes ou diversos dos que nele deviam figurar, há, como se exprime o autor acima citado, um “falso material obtido por meio de processo intelectual.” (Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1959, vol. IX p. 273-274).
Francisco Munõz Conde assinala que, nos delitos de falsidade ideológica, está em causa a constatação falsa de um fato em que o agente, mediante comissão por omissão, omite de consignar no documento dados fáticos a que está obrigado a fazê-lo (Derecho Penal - Parte Especial, 16.ª ed. , Valencia, Tirant lo Blanch, 2006, p. 726).
Assim, para a configuração do delito de falsidade ideológica não era necessário que o acusado tivesse inserido ou mandado inserir declaração falsa no Termo de Recebimento de Materiais de fls. 147; basta que esteja evidenciado no conjunto probatório que ele incluiu ou deixou de incluir nos documentos que assinou elementos inexistentes ou diversos do que ali deviam figurar, como assinala Nelson Hungria.
Observado o enunciado de fatos provados verifica-se que o acusado fez o pagamento da quantia de R$ 236.242,00 antes do recebimento efetivo da mercadoria adquirida pela Câmara Municipal de Maringá, quando, inclusive, o edital de Licitação estipulava que o pagamento somente seria efetivado depois de dez dias corridos da entrega dos produtos adquiridos, mediante o protocolo de notas fiscais ou faturas na tesouraria do órgão público.
Um outro aspecto a ser considerado é o de que não consta o protocolo das notas fiscais na tesouraria da Câmara Municipal de Maringá, conforme o exigido pelo Edital de licitação.
Resulta evidenciado que o acusado João Alves Correa fez o pagamento da quantia de R$ 236.242,00 sem que de fato tivessem sido recebidas as mercadorias adquiridas pela Câmara Municipal de Maringá sendo que ele, de forma dolosa, omitiu essa declaração na autorização para a emissão da nota de empenho, na própria nota de empenho que somente poderia ser expedida depois do recebimento da mercadoria e nas autorizações de pagamento que deviam ser feitos depois de dez dias corridos da entrega dos produtos adquiridos.
Logo, não é o caso de admitir-se que quando o acusado João Alves Correa assinou os documentos com omissão de declaração a respeito do não recebimento das mercadorias já havia se consumado o delito de falso. Em verdade a conduta perpetrada em espécie de co-autoria consistiu exatamente em adiantar o pagamento para que a empresa requerida, ao que parece, dispondo do numerário pudesse adquirir os equipamentos no mercado para entregá-los ao comprador; e nessa conduta caracterizou-se o elemento subjetivo do injusto; o objetivo era o de beneficiar o particular com o repasse de numerários antecipadamente de forma a assegurar a obtenção do lucro em prejuízo do erário público.
A questão de se o acusado sabia ou não do falso perpetrado que assumiu importância decisiva para o voto vencido pode ser facilmente comprovado por elementos objetivos constantes do conjunto probatório.
Para isso, basta atentar para o que escreve Francisco Munõz Conde acerca da comprovação do dolo na conduta delitiva; diz ele o seguinte:

“...En última instancia, todo el problema del dolo desemboca, a la larga, en la demonstración de un elemento volitivo respecto al resultado, siendo insuficiente la simple representación de su problable producción. Esto es especialmente evidente en los delitos que exigen un especial elemento volitivo respecto a un determinado resultado: la alevosia, el precio o el ensañamiento en el asesinado (art. 139); el fin de obtener un rescate en el secuestro (art. 164) o la exigencia de laguna condición en las amenazas condicionales (art. 171, 1 y 2); el fin de obtener una confesión en la tortura (art. 174, I); la intención de penetrar vaginal, anal o bucalmente en el delito de violación (art. 179); la intención de apropiarse de la cosa ajena en el hurto (art. 234); y un gran número de delitos en los que el tipo subjetivo se caracteriza por la exigencia clara y manifiesta de un elemento volitivo. Incluso diferencias como las existentes entre un delito de lesiones y una tentativa de homicidio o asesinato, entre un hurto propio y un hurto de uso de un vehículo de motor, etc., son sólo comprensibles por el diferente elemento volitivo que caracteriza ele respectivo tipo delictivo. Si la misión del la Teoria General del Delito consiste en suministrar un concepto unitario del dolo (cfr. Supra), no cabe duda de que en el mismo debe incluirse también el elemento volitivo referido al resultado que el respectivo tipo delictivo exija como consumación del mismo. La demonstración de ese querer plantea, ciertamente, problemas de prueba en la práctica, pero no por ello puede prescindirse de él. Como se trata de un elemento subjetivo, lo mejor para su prueba es comprobar la existencia de determinados indicadores objetivos de los que se pueda deducir si realmente hubo o no una decisión en contra del bien juridico. Entre estos indicadores se cuenta, en primer lugar, el riesgo o peligro para el bien jurídico implícito en la propia accíon y, en segundo lugar, la capacidad de evitación del resultado que el sujeto puede tener cuando actúa.” (Derecho Penal - Parte General, 6.ª ed., Valencia, Tirant lo Blanch, 2004, p. 273).

Ainda que possa não estar em causa um teoria unitária do dolo na linha de construção dogmática de uma teoria significativa da ação (nesse sentido, Tomás Vives Antón, Fundamentos del Sistema Penal, Valencia, Tirant lo Blanch, 1996 e Paulo César Busato, Direito Penal e Ação Significativa, Rio de Janeiro, Lúmen Juris, 2005), a apuração do dolo, conforme se verifica do proposto por Francisco Munõz Conde, deve repousar em elementos objetivos da conduta delitiva que possam evidenciar a decisão do agente contra o bem jurídico, o risco para o bem jurídico implícito na ação e a capacidade de evitar o resultado lesivo.
Observados esses parâmetros, pode-se dizer que a decisão do acusado João Alves Correa contra o bem jurídico tutelado está demonstrada pela conduta de autorizar e fazer o pagamento da quantia de R$ 236.242,00, sem o recebimento dos equipamentos adquiridos pela Câmara Municipal de Maringá.
Do mesmo modo, na medida em que o acusado João Alves Correa não tomou as precauções para constatar o efetivo recebimento dos equipamentos, devendo fazê-lo, potencializou risco para o bem jurídico porque viabilizou a consumação da fraude.
E, por fim, tendo-se em conta que o acusado João Alves Correa, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Maringá, podia todo o tempo agir para evitar o resultado lesivo mediante procedimentos de verificação do efetivo recebimento da mercadoria mas deixou de fazê-lo, consumou-se na conduta dele o delito de falsidade ideológica.
O acusado João Alves Correa pode ser considerado espécie de co-autor do delito, ao modelo do regrado no art. 29 do Código Penal, porque ele detinha o domínio funcional do fato tomado aqui na concepção de Claux Roxin (Autoria y Domínio del Hecho en Derecho Penal, Madrid, Marcial Pons, 2000);
A dogmática do direito penal não distingue autor e partícipe com base no conceito restritivo de autor, pelo qual só seria autor quem realiza a ação do tipo e partícipe quem pratica conduta acessória para a realização do tipo, nem tampouco adota a teoria subjetiva de autor que diferencia autor e partícipe pelo critério da vontade - autor quer fato como próprio e partícipe quer fato como alheio; aplica-se a teoria do domínio funcional do fato cujas raízes, segundo Juarez Cirino dos Santos “remontam, por um lado ao conceito restritivo de autor, porque vincula o conceito de autor à ação do tipo legal e, por outro lado, à teoria subjetiva de autor, porque incorpora a vontade como energia produtora do acontecimento típico, mas supera os limites daquela teoria porque considera a ação na sua estrutura subjetiva e objetiva, pressuposta do controle do fato típico e necessária para mostrar o fato como obra do autor” (Direito Penal, Parte Geral, Lumen Júris, ICPC, 2006, pág. 352/353).
Para a teoria do domínio funcional do fato, autor é quem “domina a realização do fato típico, controlando a continuidade ou a paralisação da ação típica” (Juarez Cirino dos Santos, Direito Penal, Parte Geral, pág. 353).
De fato, sem que o acusado João Alves Correa autorizasse o pagamento da quantia de R$ 236.242,00 sem a preocupação com o efetivo recebimento dos equipamentos, a empresa Informar Assistência Técnica Ltda não podia cumprir o contrato celebrado com a administração pública.
Assim, o que foi determinante para a consumação do falso não reside especificamente no que deixou de constar ou no que foi inserido no Termo de Recebimento de Material, mas no contexto de significatividade (Bedeutung) dos atos praticados pelos agentes públicos envolvidos em que o ato reservado ao acusado João Alves Correa assumia importância decisiva para propiciar o repasse de recursos para o particular cumprir o contrato que havia celebrado com a administração pública. E a importância do ato de autorização do pagamento se revela pela circunstância de ter antecedido a lavratura do Termo de Recebimento de Material; ou seja, primeiro providenciou-se o que era mais importante, no caso o repasse de recursos para o particular cumprir o contrato com a administração pública e obter vantagem no negócio e, depois, formalizou-se o documento que afirmava o recebimento do que, em verdade, não foi recebido.
A ação do acusado João Alves Correa não precisa ser presumida e não depende da demonstração de que ele sabia ou não da fraude; não se deve pesquisar na prova elementos subjetivos para afirmar a configuração do delito; a configuração do delito, mesmo no plano subjetivo do dolo, depende da verificação de elementos objetivos integrantes da conduta delitiva; e, nesse sentido, existem elementos objetivos a indicar que o acusado João Alves Correa agiu em co-autoria para consumar o delito de falsidade ideológica.
De conseqüência, resulta evidenciada a co-autoria do acusado João Alves Correa no delito de falsidade ideológica não sendo o caso de absolvição por falta de provas.
A conclusão é a de que deve ser respaldada a decisão da maioria que resultou na manutenção da condenação do acusado João Alves Correa.

Por essas razões, votou-se para CONHECER e REJEITAR os Embargos Infringentes.


Curitiba, 10 de setembro de 2009


Juiz FRANCISCO CARDOZO OLIVEIRA