23.11.09

Ação popular - Terrenos do Novo Centro

Processo nº 0066/1994 (ação popular)
O Ministério Público do Paraná vs. Ricardo José Magalhães Barros, Luiz Turchiari Junior, Urbanização de Maringá s. a., Sotecol Sociedade Técnica de Coleta de Lixo Ltda., Conterpavi Construções Terraplenagem e Pavimentações Ltda., Moracy Jacques, TTC Engenharia de Tráfego e de Transportes s. c. Ltda., Itaocara Construções Civis Ltda., Empreendimentos Imobiliários Ingá Ltda. e CCP Construções Civis Ltda.
SENTENÇA - Ação popular. Alegação de que imóveis públicos foram dados em pagamento sem licitação e por preços vis. Prova terminante de que os fatos não se passaram assim. Licitação realizada na modalidade de concorrência. Prova pericial atestando que os preços das vendas correspondiam ao valor de mercado. Pedido inicial improcedente. Ausência de má-fé do autor popular. Alega a inicial, em síntese, o seguinte: a) o Município de Maringá, na gestão do réu Ricardo e por ato ímprobo deste, deu em pagamento de dívidas aos demais réus, através de um “encontro de contas” e sem licitação, terrenos situados no Novo Centro, por valores 70% abaixo do efetivo valor de mercado daqueles lotes; b) tais alienações, porque realizadas sem licitação, e por preço vil, contêm vícios de forma, ilegalidade do objeto ou desvio de finalidade; c) com tal conduta, os réus afrontaram o princípio constitucional da moralidade e, consequentemente, causaram dano ao patrimônio público. Pediu a anulação dos procedimentos administrativos consistentes nas vendas do imóveis do denominado Novo Centro, com declaração de nulidade dos respectivos contratos, e a condenação dos réus a indenizar os prejuízos causados ao erário municipal, mais encargos da sucumbência.Todos os réus contestaram, alegando que os negócios em debate foram lícitos, feitos com respeito às formalidades legais, e não causaram danos ao município. Pleitearam a improcedência do pedido inicial. A f.589 o autor popular que figurava na inicial, Christian Mathias, desistiu da ação, alegando que não teve conhecimento de qualquer venda irregular de terreno no Novo Centro, e que propôs a ação em razão de envolvimentos políticos. A f.591 Hermógenes Botti assumiu a autoria da ação e pediu o prosseguimento, mas a f.813 também desistiu. O Ministério Público assumiu o patrocínio da causa. Foi deferida a prova pericial. Laudo Pericial apresentado à f.979-1346. Falaram as partes. Todos desistiram das provas orais requeridas. O parecer final do Ministério Público é pelo desprovimento do pedido inicial. As preliminares foram enfrentadas no saneador (f.869). Quanto ao mérito, reporto-me ao bem lançado parecer final do Ministério Público, a fls., nestes termos: “Versa a demanda sobre a alegação de que o Município de Maringá, para liquidar débitos com fornecedores, promoveu em ‘encontro-de-contas’, pelo qual quitou seus débitos dando em pagamento terrenos situados no ‘Novo Centro’, fazendo-o, porém, por valores 70% menores do que os preços de mercado, sofrendo prejuízo patrimonial de US$ 4.230.000,00 (quatro milhões e duzentos e trinta mil dólares americanos). Alega-se que o ato praticado pelos gestores públicos e pelos beneficiários privados foi imoral e lesivo ao patrimônio público municipal, sendo certo que os atos de alienação dos bens imóveis são nulo por vício de forma, ilegalidade do objeto ou desvio de finalidade, já que realizados sem a necessária licitação e por preços vis. Pede-se a anulação das vendas e a condenação dos requeridos no dever de indenizar os prejuízo causados ao erário público municipal (fls. 02-07). Cumpre inicialmente esclarecer que os imóveis mencionados pelo autor popular encontravam-se na área denominada Projeto Agora (atualmente Novo Centro) assim definida pelo Plano Diretor Municipal n° 3.051/91 e na Lei Complementar n° 03/91 e que suas alienações se deram através dos processos licitatórios desencadeados pelos Editais n° 04/1992 e 07/1992.Insta, pois, observar que, ao contrário do que se afirmou na petição inicial, os imóveis foram alienados pela municipalidade após prévias licitações. No Laudo Pericial, encontra-se nos itens 5.2 (fls. 981) 5.3 (fls. 982), 5.4 (fls. 983) e 5.5 (fls. 983-595), respectivamente, a relação dos imóveis distribuídos, os valores dos lotes estimados nas concorrências públicas de n° 04/1992 e 07/1992, os resultados das comercializações dos lotes nessas licitações e os resultados nas demais concorrências públicas. Após detida análise dos documentos carreados e segundo a metodologia técnica recomendada, o Senhor Perito chegou às seguintes conclusões principais: ’(...) que todos os valores dos terrenos negociados encontram-se acima do valor médio de mercado à época, com variações entre 2,46% a 52,92%. Exceção se faz ao lote 51-A/O com variação de 8,52 %. Todavia este valor encontra-se a apenas 2,53% do valor mínimo do intervalo de confiança estabelecido no trabalho de confiança estabelecido no trabalho de avaliação. Deve-se levar ainda em consideração que este terreno tem formato irregular e a área aedificandi reduzida para 193,44 m² em razão do afastamento lateral esquerdo variável. (...)’ (fls. 990-991).’(...) que todos os valores pagos, corrigidos pelo índice da poupança no período da publicação do edital até dezembro de 2006, encontram-se abaixo do valor médio do mercado atual, com variações entre 10,53% a 41,53%. Isto comprova que o mercado imobiliário da região obteve valorização acima dos índices de poupança. Exceção se faz ao lote 51-a/D, com variação de + 27,74%, indicando que o preço pago encontrava-se muito acima dos valores praticados à época. (...)’ (fls. 991). Portanto, a lesão ao patrimônio público, inicialmente aventada pelo autor popular, não restou comprovada. Também não há evidências de que os processos licitatórios tenham sido realizados com vícios de forma ou desvio de finalidade que importem em nulidades a serem reconhecidas nesta via. Não há, outrossim, imoralidade administrativa comprovada. Destarte, nenhuma das premissas fáticas estabelecidas pelo autor popular foi demonstrada, motivo bastante para que seja julgada improcedente a demanda” (f.1386-1389). Pouco há que acrescentar a esse percuciente exame do caso. Os documentos (f.43 et seq.) demonstram, induvidosamente, que as alienações dos terrenos do chamado Novo Centro foram precedidas de licitações, que seguiram os requisitos do Decreto-Lei 2300/86, norma que regulação a matéria à época. A modalidade escolhida nos editais foi a Concorrência Pública, a mais exigente delas modalidades. Portanto, faltou com a verdade o autor popular ao afirmar que os terrenos foram alienados sem licitação. Quanto aos valores pagos pelos imóveis, o laudo pericial é amplamente fundamentado, e afirma “que todos os valores dos terrenos negociados encontram-se acima do valor médio do mercado à época [...]. Exceção se faz ao lote 51-A/O com variação de -8,52%. Todavia este valor encontra-se a apenas 2,53% do valor mínimo do intervalo de confiança estabelecido no trabalho de avaliação. Deve-se levar ainda em consideração que este terreno tem formato irregular e a área aedificandi reduzida para 193,44 m² em razão do afastamento lateral esquerdo variável”. Portanto, a segunda e última tese do autor popular está também contrariada pelas provas. Os imóveis foram alienados por preços médios de mercado, conforme os esclarecimentos do perito. Não se constatou qualquer prejuízo causado ao patrimônio municipal, e, a imoralidade, de que fala o autor popular, por conseqüência, inexistiu. Embora alguns dos réus o tenham alegado, não vislumbro nos autos provas de que o autor popular tenha litigado de má-fé, temerariamente. O próprio fato de ocorrer sucessivas desistências e, ao final, o Ministério Público acabar prosseguindo na ação é contrário à afirmação de litigância de má-fé. Ademais, pelo que se percebe do texto da inicial, o primeiro autor popular baseou suas teses em informes da imprensa e dados divulgados por vereadores em atos oficiais da Câmara. Razão porque não cabe a condenação do autor nos encargos da sucumbência, nos termos da jurisprudência: “Da literalidade do preceito do art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal, extrai-se a evidente ilação de que somente se há de falar em condenação do autor popular a suportar todas as despesas do processo, a título de sucumbência, se restar cabalmente comprovada sua litigância de má-fé. Ademais do preceito constitucional em referência, a penalidade aplicável por litigância de má-fé verificável em sede de ação popular somente pode ser aquela estatuída na lei específica de regência, i. e., a estatuída no art. 13, da Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717, de 29.06.1965), sendo bem certo que o aludido regime condenatório específico se difere pontualmente do regime condenatório geral preconizado no art. 18, do Código de Processo Civil. Nada obstante este normativo específico, a litigância de má-fé verificável em sede de ação popular deve ser caracterizada segundo as mesmas hipóteses descritivas do art. 17, do Código de Processo Civil, dispositivo que enumera as condutas daquele que se reputa improbus litigator segundo (a) sua intenção malévola, dirigida a prejudicar a outra parte, ou (b) sua culpa grave, equivalente, no sistema processual civil pátrio, à denominada figura do ‘erro grosseiro’ (distinção conceitual de Celso Agrícola Barbi, baseado no magistério de Francesco Carnelutti)” . “Em sede de ação popular, a condenação às custas processuais e honorários advocatícios, conforme reza o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição da República, e o art. 13 da Lei nº 4.717/65, somente se faz cabível diante da comprovada má-fé ostentada pela parte autora, o que não se vislumbrou nos autos. Feito que deve ser extinto sem julgamento de mérito e sem condenação em honorários advocatícios e custas processuais”. “Inviável a condenação dos autores ao pagamento de honorários advocatícios, pois não há a respectiva previsão na norma que regula a ação popular. Eles somente podem ser condenados ao pagamento de até o décuplo do valor das custas judiciais quando intentarem lide manifestamente temerária, conforme previsto no art. 13 da Lei nº 4.717/65. ‘A promoção da ação popular condiz com a cidadania, com os deveres políticos que o cidadão desempenha na sociedade na fiscalização do bom emprego das rendas públicas’ (RSTJ 121/1). O seu desencadeamento decorre, pois, de motivações nobres, quais sejam, a proteção dos interesses públicos e do erário, não visando, portanto, meros interesses econômicos. Desse modo, a fixação dos honorários advocatícios foge às regras aplicáveis aos litígios travados entre particulares, ou mesmo entre estes e o Poder Público” . Isso posto, julgo improcedente o pedido inicial, sem condenação do autor nos encargos da sucumbência por incabível, nos termos da fundamentação. Esta decisão está sujeita ao reexame necessário (art. 19 da Lei Federal nº 4717). Decorridos os prazos para recurso voluntário, subam ao E. TJPR.P., r. e i.. Maringá, 4 de novembro de 2009.
Alberto Marques dos Santos
Juiz de Direito