30.11.09

Apelação cível - improbidade

APELAÇÃO CÍVEL Nº 493825-4
FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 4ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA, FALÊNCIAS E CONCORDATAS
APELANTE 1: ESTADO DO PARANÁ
APELANTE 2: JOEL GERALDO COIMBRA
APELANTE 3: FLÁVIA CARNEIRO PEREIRA
APELADOS: OS MESMOS
RELATORA: DESEMBARGADORA MARIA APARECIDA
BLANCO DE LIMA


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DEPUTADO ESTADUAL GESTÃO 1995/1998. MANUTENÇÃO ESCRITÓRIO POLÍTICO PARTICULAR EM MARINGÁ. NOMEAÇÃO DE SERVIDORES PARA UTILIZAÇÃO EM PROL DE INTERESSES PARTICULARES EM SEU ESCRITÓRIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

1. RECURSO DE APELAÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ. PRETENSÃO DE ADITAMENTO DA PENA DE CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA DO PRIMEIRO RÉU. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO TEMPORAL CONSUMADA QUANTO AO SEU PEDIDO DE ADITAMENTO À INICIAL. INAPLICABILIDADE DA LEI ESTADUAL N.º 6174/1970 AO PRESENTE CASO. ADEMAIS, CONDENAÇÃO NÃO PREVISTA NA LEI N.º 8429/92, QUE FUNDAMENTA O PEDIDO INICIAL. PRECLUSÃO TEMPORAL CARACTERIZADA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECURSO DO ESTADO DO PARANÁ NÃO CONHECIDO.

2. RECURSOS DE APELAÇÃO DOS RÉUS. PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA, DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 8429/92 E DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. PRELIMINARES AFASTADAS PELO JUIZ SINGULAR EM DESPACHO SANEADOR, QUE NÃO FOI OBJETO DE INSURGÊNCIA RECURSAL PELOS INTERESSADOS. PRECLUSÃO TEMPORAL CONSUMADA. IMPOSSIBILIDADE DE REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 473 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSOS NÃO CONHECIDOS NESTA PARTE. AINDA QUE NÃO FOSSE ESSE O CASO, AS PRELIMINARES ARGÜIDAS NÃO PODERIAM SER ACOLHIDAS, CONFORME FUNDAMENTOS EXPOSTOS NO CORPO DO VOTO.

3. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA ARGÜIDA PELA SEGUNDA RÉ. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA E FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA. INEXISTÊNCIA. INSURGÊNCIA CONTRA A VALORAÇÃO DA PROVA. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. PRUDENTE ARBÍTRIO DO JULGADOR. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 130 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SENTENÇA QUE NÃO SE MOSTRA AUSENTE DE FUNDAMENTAÇÃO E FOI PROFERIDA EM COERÊNCIA COM AS PROVAS ENCARTADAS NOS AUTOS. PRELIMINAR AFASTADA.

4. MÉRITO. ATO DE IMPROBIDADE. UTILIZAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS PARA FINS PARTICULARES DE DEPUTADO ESTADUAL. NOMEAÇÕES QUE ERAM DESCONHECIDAS DOS SERVIDORES. VENCIMENTOS QUE ERAM RECEBIDOS PELA SEGUNDA RÉ QUE PAGAVA AOS FUNCIONÁRIOS - SERVIDORES FORMALMENTE VINCULADOS À ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. FUNCIONÁRIOS QUE SERVIAM AOS INTERESSES PARTICULARES E POLÍTICOS DO PRIMEIRO RÉU, DISTINTAS DAS ATIVIDADES PARLAMENTARES. SEGUNDA RÉ QUE CONTRIBUI DIRETAMENTE PARA A PRÁTICA DO ATO.

PROVA SUFICIENTE NOS AUTOS ACERCA DO ATO DE IMPROBIDADE NOTICIADO, CORRESPONDENTES ÀQUELES PREVISTOS NO ARTIGO 9.º, INCISOS IV E XII. ATOS QUE IMPORTARAM EM ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DOS RÉUS, SUJEITANDO-OS ÀS PENAS PREVISTAS NO ARTIGO 12, INCISO I DA LEI N.º 8329/92. CONDENAÇÃO CORRETAMENTE ARBITRADA PELA SENTENÇA, EM OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INOCORRÊNCIA DE INFRINGÊNCIA AO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE DE SUA REDUÇÃO. RECURSOS DESPROVIDOS.

5. RECURSO DO ESTADO DO PARANÁ NÃO CONHECIDO. RECURSO DO SEGUNDO APELANTE PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, DESPROVIDO. RECURSO DA TERCEIRA APELANTE PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, DESPROVIDO.






Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 493825-4, da 4ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas Pública, Falências e Concordatas de Curitiba, em que é Apelante 01, o Estado do Paraná, Apelante 02, Joel Geraldo Coimbra e Apelante 03, Flávia Carneiro Pereira, sendo Apelados os mesmos.

Tratam-se de recursos de apelação cível, o primeiro interposto pelo Estado do Paraná, o segundo por Joel Geraldo Coimbra e, o terceiro por Flávia Carneiro Pereira, todos voltados contra a r. sentença proferida às fls. 1.741/1759 nos autos n.º 39.851/2002 de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado do Paraná contra Joel Geraldo Coimbra, Flávia Carneiro Pereira, que julgou procedente em parte a ação, para declarar a conduta dos requeridos como ato de improbidade administrativa tipificada nos Incisos IV e XII do artigo 9º da Lei n. 8.429/92, condenando-os às penas de a) reparação de prejuízo causado ao erário, evidenciado através dos documentos de fls. 306/319, que deverão ser atualizados monetariamente desde o desembolso de cada valor pelo erário e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação; b) suspensão dos direitos políticos de ambos os requeridos, pelo prazo de 08 anos; c) pagamento de multa civil, de valor equivalente ao encontrado no item “a”; e d) proibição de os requeridos contratarem com o Poder Público ou receberem benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de 10 anos.

Pelo princípio da sucumbência, condenou os requeridos no pagamento das despesas processuais e honorários de sucumbência ao Ministério Público e procuradores do Estado do Paraná, que foram arbitrados no valor de R$ 2.000,00 para cada um, com fundamento no artigo 20, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil.

Em suas razões recursais, o Estado do Paraná (fls. 1813/1816) pugna pela complementação da decisão recorrida com a imputação de penalidade de cassação de aposentadoria ao primeiro apelado Joel Geraldo Coimbra, pela prática de ato de improbidade administrativa no exercício de cargo ou função em consonância com o artigo 300 da Lei n.º 6174/70, requerendo, então, o provimento integral do recurso para reformar a sentença, com a inclusão da penalidade mencionada.

O recurso foi recebido em ambos os efeitos (fls.1820).

O Apelado Joel Geraldo Coimbra apresentou contrarrazões ao Recurso do Estado do Paraná às fls. 1822/1835, postulando o desprovimento do recurso, deduzindo em síntese, a preliminar de incompetência absoluta do Juízo de Curitiba para julgar o presente feito, com base no artigo 100, Inciso V, alínea “a” do CPC, argumentando que a ação deveria ter sido proposta no foro de seu domicílio, situado em Maringá, local onde ocorreu o dano, nos termos da Lei n.º 7.347 de 24.07.1985, requerendo a nulidade dos atos decisórios do processo com a remessa ao Juízo competente.

Sustentou em matéria preliminar, a inaplicabilidade da Lei n.º 8429/92 aos agentes políticos e a inconstitucionalidade formal da mesma Lei. No mérito, aduziu a falta de previsão na Lei n.º 8.429/92 da pena de cassação de aposentadoria, de tal sorte que o apelo estaria ofendendo o direito constitucionalmente assegurado ao contraditório e à ampla defesa; alegou ainda que não foi citado para responder ao pedido de cassação de sua aposentadoria; ainda manifestou insurgência em relação a perda da função pública e extensão para a aposentadoria, afirmando que a pena incide tão somente para aquela função em que o agente praticou o ato de improbidade. Pediu a inaplicabilidade da legislação específica aos membros do Ministério Público do artigo 300 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado, invocando ainda, os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade. Por fim, pede o desprovimento do recurso do Estado do Paraná.

Joel Geraldo Coimbra também recorreu do da sentença, apresentando as razões de seu inconformismo em fls. 1839/1880. Inicialmente, afirmou que é Procurador de Justiça inativo do Estado do Paraná, sendo que na legislatura de 1995/1998 exerceu o mandato de deputado estadual, tendo sua base de representação parlamentar a microrregião de Maringá. Arguiu, preliminarmente, a incompetência absoluta do Juízo, sob o argumento de que a competência para julgar a causa seria do Juízo da Comarca de Maringá, nos termos do artigo 100, Inciso V, alínea “a” do Código de Processo Civil e, ainda em face do disposto no art. 2º, da Lei n.º 7.347, de 24.07.1985. Ainda em preliminar sustentou a inaplicabilidade da Lei n.º 8.429, de 02 de junho de 1992, aos agentes políticos, além de que o mencionado diploma legal padece de vício de inconstitucionalidade formal.

Em relação ao mérito, o recorrente alegou que é de responsabilidade exclusiva da Comissão Executiva da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná todos os atos decorrentes da nomeação dos funcionários lotados junto ao referido órgão para prover cargos em sua estrutura, incumbindo ao apelante apenas indicar as pessoas a serem nomeadas para os cargos em comissão, mas sem qualquer poder de nomeação e provimento dos cargos, além dos referidos funcionários terem pleno conhecimento da situação funcional por eles vivenciada.

Sobre a lotação dos mencionados servidores públicos, aponta o fato de ser a sentença contraditória quanto à questão da descentralização da atividade do deputado com o estabelecimento de escritório na sua base de representação parlamentar, afirmando que a manutenção de assessorias parlamentares descentralizadas é expediente ordinário no âmbito do Poder Legislativo, cuja atividade cobra ampla e contínua interação entre o representante legislativo e sua base eleitoral.

A respeito da alegação de que os funcionários jamais desempenharam atividades inerentes aos cargos, o apelante rebate semelhante imputação afirmando que a única referência a desvio de função decorre do depoimento de Margarete Gabriel, sua desafeta, não restando esclarecido se os fatos ocorreram isoladamente ou de modo habitual, se ocorreram em período eleitoral ou fora dele, para que se possa aferir a intenção humanitária ou eleitoreira.

O Apelante refuta ainda a imputação de que os funcionários recebiam suas remunerações de maneira irregular, argumentando que os valores recebidos pelos funcionários não destoam dos valores constantes das relações de pagamento fornecidas pela Assembleia Legislativa. Finaliza dizendo que falhas administrativas da Assembleia no pagamento dos assessores não podem ser imputadas ao apelante e tampouco configurar ato de improbidade administrativa.

Ao final, em consideração ao princípio da eventualidade e na improvável hipótese de vir a ser mantida a responsabilidade do Apelante pelos atos imputados que, segundo alega não os praticou, ainda assim, seria nula a sentença por desatender o princípio constitucional da individualização da pena, pois o Juiz de primeiro grau não individualizou a aplicação das sanções que lhe foram impostas ofendendo aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

A terceira apelante, Flávia Carneiro Pereira, também recorreu às fls. 2002/2049, sustentando em preliminar a nulidade da decisão apelada pela falta de fundamentação adequada e cerceamento de defesa, pois a sentença baseou-se fundamentalmente em decisão proferida na Justiça do Trabalho, que em momento posterior foi integralmente reformada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, afirmando que somente foram apreciadas as provas produzidas pelo Ministério Público, pois sequer fez o cotejo entre o conjunto probatório da defesa e da acusação, havendo ofensa ao artigo 130, do CPC e artigo 5º, LV da Constituição Federal.

Ressaltou que a Lei n.º 8.429, de 2 de junho de 1992, padece de vício de inconstitucionalidade formal e material e decorre da inobservância do devido processo legislativo de sua produção e que a inconstitucionalidade material decorre de ter o legislador ordinário na produção da Lei n.º 8.429/93 ido além do que autoriza a Constituição, desviando da finalidade legislativa. Argüiu ainda, sua ilegitimidade passiva ad causam, diante da ausência de elementos que mostrem a vinculação de sua conduta e eventuais atos de improbidade administrativa, eis que não nomeou, não indicou e nem chefiou e era assessora parlamentar como os demais servidores, sendo sua função a de auxiliar a chefia do gabinete do co-réu, na época, parlamentar e estava sujeita às determinações do co-requerido e da sua chefe de gabinete Mara Catarina Mesquita Moraes Leite.

No tocante ao mérito, afirma que o convencimento do Juízo singular se deu com base em premissas falsas e alegações isoladas, não existindo qualquer manifestação do Juízo quanto às provas produzidas pela apelante.

Salienta que a prova documental e testemunhal produzida demonstra que não houve enriquecimento ilícito, pois de fato exerceu a função de servidora da Assembleia Legislativa, o que afasta a imputação dolosa e de prática de ato por improbidade administrativa. A apelante, bem como os demais funcionários ali contratados, realmente prestavam serviços de assessoria parlamentar à Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, a qual estavam vinculados.

Deste modo, informa a recorrente que não se pode sob qualquer ângulo que se analise a questão, afirmar que os cofres públicos foram lesados, ou que houve prejuízo ao erário. Alega por fim, a inexistência de má-fé da apelante, dolo ou culpa de parte da recorrente, pois não há prova nos autos dessa assertiva. Os documentos de fls. 306/319 mencionados na sentença são apenas informativos e de natureza indiciária, não servindo para demonstrar que os recursos passaram por sua conta corrente, pois não foram acostados extratos da conta corrente à época dos fatos.

Ao final, pede o provimento do recurso para que seja declarada a nulidade da sentença apelada por falta de fundamentação e cerceamento de defesa; sucessivamente seja acolhida a preliminar de inconstitucionalidade da Lei n. 8.429/92, vício formal e material; ainda preliminarmente pede seja reconhecida a preliminar de ilegitimidade passiva “ad causam” da apelante e a conseqüente exclusão da mesma do pólo passivo da presente ação, nos termos do artigo 267, Inciso VI, do CPC. No mérito, requer a reforma da sentença diante da inexistência de provas de que a apelante tenha praticado atos de improbidade administrativa.

Por meio do despacho de fls.2053, foram recebidos os recursos de apelação (fls.1839/2021) e (2022/2052), em ambos os efeitos.

O Estado do Paraná (fls.2055/2066) e o Ministério Público do Estado do Paraná (fls.2069/2086) ofereceram contrarrazões aos recursos interpostos por Joel Geraldo Coimbra e Flávia Carneiro Pereira, pugnando pelo desprovimento dos recursos.

Com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça manifestou-se em fls.2097/2130, pelo não conhecimento do recurso ofertado pelo Estado do Paraná por falta de interesse recursal (utilidade) e, pelo conhecimento e desprovimento dos recursos interpostos por Joel Geraldo Coimbra e Flávia Carneiro Pereira.

O Apelante Joel Geraldo Coimbra apresentou memorial para julgamento, em gabinete desta Relatora, em data de 21.10.2009, por meio do qual reforça os fundamentos já apresentados em suas razões recursais quanto à preliminar de incompetência do Juízo e de nulidade dos atos decisórios, bem como reitera seus argumentos de defesa quanto ao mérito, para o fim de ser dado provimento ao seu recurso de apelação.

Após, vieram os autos conclusos.

É o relatório.
Voto.

Os recursos dos réus Joel Geraldo Coimbra e de Flávia Carneiro Pereira merecem ser parcialmente conhecidos, enquanto que o recurso do Estado do Paraná não será conhecido, por falta de interesse recursal, como será analisado em itens próprios deste voto.

Cuidam-se de três apelações cíveis interpostas pelo Estado do Paraná, por Joel Geraldo Coimbra e por Flávia Carneiro Pereira, todos voltados contra a r. sentença proferida nos autos n.º 39.851/2002 de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado do Paraná contra os dois últimos Apelantes, que julgou parcialmente procedente a ação, para declarar a conduta dos requeridos como ato de improbidade administrativa tipificada nos Incisos IV e XII do artigo 9º da Lei n.º 8.429/92, condenando-os às penas de a) reparação de prejuízo causado ao erário, evidenciado através dos documentos de fls. 306/319, que deverão ser atualizados monetariamente desde o desembolso de cada valor pelo erário e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação; b) suspensão dos direitos políticos de ambos os requeridos, pelo prazo de 08 anos; c) pagamento de multa civil, de valor equivalente ao encontrado no item “a”; e d) proibição de os requeridos contratarem com o Poder Público ou receberem benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de 10 anos.

Breve histórico dos fatos:

Infere-se dos autos que o Ministério Público do Estado do Paraná ajuizou a presente ação civil pública contra Joel Geraldo Coimbra e Flávia Carneiro Pereira, relatando a prática de ato de improbidade, que importou em enriquecimento ilícito e causou lesão ao erário público.

Para fundamentar o pedido inicial, relatou o Ministério Público autor, que o primeiro Réu, Joel Geraldo Coimbra, eleito Deputado Estadual para a legislatura entre 01.01.95 a 31.12.98, manteve escritório particular na cidade de Maringá, com fins políticos e eleitorais, no qual contava com funcionários, dentre os quais a terceira Apelante, Flávia Carneiro Pereira, que tinha a função de efetuar o pagamento de pessoal e outras despesas.

Disse que no decorrer de seu mandato, o segundo Apelante proveu vários cargos comissionados em seu gabinete parlamentar, preenchidos por pessoas que nunca prestaram serviços na Assembleia Legislativa do Paraná, mas sim em seu escritório particular, na cidade de Maringá, a saber: Flávia Carneiro Pereira (segunda ré), nomeada em 01.06.95 (exonerada em 01.04.97); Margarete Gabriel, nomeada em 01.04.97 (exonerada em 01.04.97); Amilton Aparecido Vieira, nomeado em 01.04.97 (exonerado em 01.04.97); Fábio Meneguetti Rodrigues, nomeado em 01.06.98 (exonerado em 31.01.99); e Luciana de Andréa, nomeada em 01.06.98 (exonerada em 31.01.99).

Aduziu, ainda, que a maioria dessas pessoas sequer tinham conhecimento que foram nomeadas para cargos comissionados na Assembleia Legislativa e que eram remuneradas pelos cofres públicos. Aduziu, ainda, que as remunerações correspondentes aos servidores nomeados pelo primeiro Réu eram depositadas pela Assembleia diretamente na conta corrente da última Apelante, que era responsável pelo pagamento do pessoal no escritório particular do primeiro Réu, segundo Apelante.


Alegou que referidos funcionários nomeados pela Assembleia Legislativa trabalhavam e recebiam salários como se fossem funcionários do escritório particular do segundo Apelante, sendo que suas atividades em nada guardavam vinculação institucional com a o Poder Legislativo Estadual.

Enfatizou a ilicitude da conduta dos dois últimos Apelantes e dos danos causados ao erário, pleiteando, assim, a concessão de liminar de indisponibilidade de bens dos réus e, ao final, a procedência da ação e a sua condenação na prática de atos de improbidade administrativa, previstos na Lei n.º 8429/92, além de ressarcimento dos prejuízos ocasionados ao erário.

Após apresentação de defesa prévia pelos réus (fls. 594/619 e 620/667, a liminar requerida foi indeferida (fls. 1108/1109).

O Estado do Paraná pugnou pelo seu ingressou na lide, como litisconsórcio ativo (fls. 1117/1119), o que foi concedido.

Os réus apresentaram contestações (fls. 1166/1229 e 1232/1268), arguindo, em suma, preliminares de inconstitucionalidade da Lei 8.429/2002, de ilegitimidade ativa do Ministério Público, de carência de ação, por serem distintas a ação civil pública e a ação de improbidade administrativa. No mérito, negaram a prática de ato de improbidade e pugnaram pela improcedência da ação.

O feito foi saneado pela decisão de fls. 1374/1377, oportunidade em que foram rejeitadas as três questões processuais argüidas em sede de preliminar - contra o que não houve recurso das partes - e deferida a produção de provas documental e oral.

As testemunhas arroladas foram ouvidas por meio de cartas precatórias (do autor às fls. 1450/1453, 1474/1476, 1483/1489; e dos réus às fls. 1508/1510, 1538 - com degravação às fls. 1549/1551 - e 1627) e no Juízo a quo (fls. 1519/1522).

Apresentadas alegações finais pelas partes, os autos seguiram para sentença do Juiz singular, que após detida análise do conjunto probatório produzido nos autos entendeu ter restado comprovada a prática, pelos réus, do ato de improbidade administrativa noticiado pelo autor, tipificado no artigo 9.º, Incisos IV e XII da Lei 8429/92, pelo que os condenou nas respectivas sanções previstas na mesma lei.

Os réus opuseram embargos de declaração às fls. 1756/1761 e 1803/1810, os quais foram rejeitados pela decisão de fl. 1812.

Ainda irresignados, ambos os réus interpuseram recursos de apelação, bem como o Estado do Paraná, cujos argumentos recursais passamos a analisar um a um.

Apelação do Estado do Paraná:

O recurso de apelação do Estado do Paraná não merece ser conhecido.

Isso porque o seu pedido de aditamento à condenação da penalidade de cassação da aposentadoria do primeiro réu, prevista no artigo 300 da Lei n.º 6174/70, não foi objeto dos pedidos formulados pelo Ministério Público, autor da ação civil pública.

Observe-se que na mesma oportunidade em que o Estado do Paraná requereu sua inclusão no polo ativo da presente ação, nos termos do artigo 17, § 3.º da Lei 8429/92 (fls. 1117/1119), formulou pedido de aditamento à inicial, para que o primeiro réu fosse ainda condenado à cassação de sua aposentadoria, uma vez que foi membro do Ministério Público do Paraná.

Entrementes, na subseqüente manifestação do Ministério Público autor, às fls. 1125/1130, este concordou com a inclusão do Estado do Paraná no feito, mas manifestou-se contrariamente ao aditamento da petição inicial, sob o fundamento de que o pedido de condenação à cassação da aposentadoria está implicitamente relacionado à punição da perda da função pública, estabelecida no artigo 12 da Lei 8429/1992. Outrossim, manifestou que o aditamento do pedido de condenação era inviável naquele momento processual, em que já havia sido formalizada a citação da segunda ré.

Em decisão de fl. 1131, o juiz singular deferiu a formação de litisconsórcio ativo com o Estado do Paraná, mas indeferiu o pedido de aditamento à inicial.

Dessa decisão não houve interposição de recurso de agravo pelo Estado do Paraná, que aceitou tacitamente a rejeição do aditamento. Saliente-se que ainda que não tenha sido publicada a decisão, é certo o conhecimento de seu teor pelo Estado do Paraná, na medida em que foi intimado para especificar provas e se manifestou posteriormente às fls. 1314/1316, tendo acesso, portanto, aos autos para verificar a decisão que apreciara seu pedido.

Assim, não havendo irresignação oportuna pelo Estado do Paraná a respeito do indeferimento do aditamento à inicial quanto à condenação pretendida, consumou-se a preclusão temporal que, na doutrina de Fredie Didier Jr1 “consiste na perda do poder processual em razão do seu não exercício no momento oportuno; a perda do prazo é inércia que implica preclusão (art. 183, CPC). Para a doutrina majoritária, é reconhecido como fenômeno decorrente do desrespeito pelas partes dos prazos próprios e preclusivos. Ocorre, por exemplo, quando a parte não oferece contestação ou recurso no prazo legal”.

Em decorrência dessa preclusão temporal, entende-se que o Apelante aceitou tacitamente a rejeição de sua pretensão de inclusão da condenação de cassação da aposentadoria entre os outros pedidos formulados na inicial, o que impede a rediscussão dessa matéria, sob pena de ofensa ao disposto no artigo 473 do Código de Processo Civil.

Sendo assim, quanto a esta questão, não há que se falar em interesse recursal do primeiro Apelante exigido pelo artigo 499 do Código de Processo Civil, pela falta de utilidade da admissibilidade de seu recurso.

Para além disso, essa penalidade prevista no artigo 300 da Lei Estadual n.º 6174/70 (Estatuto dos Servidores Públicos do Estado do Paraná) não é aplicável ao caso dos autos, que trata de atos de improbidade administrativa, para o que há lei própria regulando a matéria (Lei n.º 8429/92), com sanções especificadas para cada caso (artigo 12), dentre os quais não está previsto a cassação de aposentadoria.

Sendo assim, não havendo previsão dessa penalidade na Lei n.º 8429/92, que fundamenta a ação proposta pelo Ministério Público Estadual, não haveria como imputá-la ao Réu.

Diante disso, a apelação do Estado do Paraná não merece ser conhecida, por falta de interesse recursal.

Dos recursos de Apelação dos Réus Joel Geraldo Coimbra e Flávia Carneiro Pereira:

Passamos a analisar, em conjunto, as apelações interpostas pelos réus, uma vez que sua maior extensão trata de matéria idêntica, sendo que as matérias específicas de cada um serão tratadas em itens próprios.

Preliminares de Incompetência Absoluta, de Inconstitucionalidade da Lei 8429/92 e de Ilegitimidade passiva ad causam:

O Apelante Joel Geraldo Coimbra repete em suas razões recursais as questões preliminares suscitadas em sua contestação, quanto à incompetência absoluta, à inaplicabilidade da Lei 8429/92 aos agentes políticos do Estado e quanto à inconstitucionalidade formal da Lei 8429/92, enquanto que a Apelante Flávia Carneiro Pereira repetiu a preliminar de inconstitucionalidade da Lei 8429/92 e de sua ilegitimidade passiva ad causam.

Ocorre que todas essas preliminares foram apreciadas e devidamente afastadas no despacho saneador de fls. 1374/1377, com publicação no Diário da Justiça (fls. 1382/1385), contra o qual não houve insurgência recursal no momento adequado, ou seja, não houve interposição de agravo de instrumento pelas partes interessadas, pretendendo sua reforma.

Assim, também neste caso ocorreu a preclusão temporal - já detalhadamente analisada no item supra e a cujos termos se remete - quanto às preliminares redargüidas, que não podem ser novamente apreciadas por esta Corte, também sob pena de infringência ao disposto no artigo 473 do Código de Processo Civil.

Logo, os recursos dos réus Apelantes não merecem ser conhecidos quanto às matérias supra-elencadas, por falta de interesse recursal.

Ad argumentandum tantum, ainda que assim não fosse, é de se registrar que não assiste razão ao Apelante quanto às preliminares, senão veja-se.

A alegada incompetência do Juízo não procede, pois é certo que os atos de improbidade apontados teriam causado lesão direta à Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (enriquecimento ilícito em razão de pagamentos por ela efetuados a servidores nomeados que nunca prestaram serviços para os fins contratados), que possui sede em Curitiba.

Assim, se o dano ocorreu na Assembleia Legislativa (pagamento de valores indevidos) é no foro de sua sede - Curitiba - que deve ser ajuizada a ação civil pública de improbidade administrativa, o que foi corretamente atendido, nos exatos termos do artigo 2.º da Lei 7347/1985: “as ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”. Logo, não há como prevalecer a alegação de incompetência absoluta levantada e, por consequência, de nulidade dos atos processuais.

Quanto à alegada inconstitucionalidade da Lei 8429/92, já é reiterado o entendimento no sentido de que referida norma não padece de vício formal de elaboração, pois o Projeto de Lei referente à Improbidade Administrativa respeitou o processo legislativo bicameral, tendo se dado em consonância com o que prescreve o artigo 65, Parágrafo Único, da Constituição Federal2.

Wallace Paiva Martins Júnior3 elucida como se desenvolveu os trabalhos para aprovação do Projeto da Lei de Improbidade Administrativa, observe:

“... não padece a Lei Federal n. 8.429/92 de inconstitucionalidade por vício no processo legislativo, porque o Senado Federal rejeitou o projeto, e seu novo projeto não retornou, após as emendas na Câmara dos Deputados, para sua deliberação final prévia à sanção como câmara iniciadora. Em verdade, o Senado Federal não rejeitou o projeto de lei de autoria do Poder Executivo e aprovado com emendas (substitutivas) na Câmara dos Deputados; apresentou substitutivo ao projeto de lei que não foi rejeitado (ou arquivado) e, observando o princípio da bicameralidade, retornou à Câmara dos Deputados, onde foi parcialmente acolhido e, em seguida, remetido à sanção presidencial. Cumpriu-se a liturgia do art. 65, parágrafo único, da Constituição Federal: quando ao ensejo da emenda substitutiva da câmara revisora (Senado Federal), retornou à deliberação final da câmara iniciadora (Câmara dos Deputados). Não houve rejeição do projeto na Câmara dos Deputados e tampouco no Senado Federal, razão pela qual não se pode tratar o substitutivo como novo projeto ou projeto de iniciativa do Senado Federal, na medida em que não rejeitou o projeto (art. 65, in fine, da CF); ao contrário, propôs e aprovou substitutivo (como, anteriormente, fez a Câmara dos Deputados). No processo legislativo, a câmara revisora rejeita o projeto ou o aprova integralmente ou, ainda, o aprova com emendas, hipótese na qual retorna à câmara iniciadora. Foi justamente esta última hipótese que ocorreu. A respeito, o Supremo Tribunal Federal negou liminar no juízo abstrato, concentrado e direto de inconstitucionalidade da Lei n. 8.429/92, pois “a aprovação de substitutivo pelo Senado não equivale à rejeição do projeto, visto que ‘emenda substitutiva é a apresentada à parte de outra proposição, denominando-se substitutivo quando a alterar, substancial ou formalmente, em seu conjunto’ (§ 4º, do artigo 118 do RI-CD); substitutivo, pois, nada mais é do que uma ampla emenda ao projeto inicial. 3. A rejeição do substitutivo pela Câmara, aprovando apenas alguns dispositivos dele destacados (artigo 190 do RI-CD), implica a remessa do projeto à sanção presidencial, e não a sua devolução ao Senado, porque já concluído o processo legislativo; caso contrário, dar-se-ia interminável repetição de idas e vindas de uma Casa Legislativa para outra, o que tornaria sem fim o processo legislativo” na linha de entendimento da jurisprudência...”

Portanto, quando da discussão do Projeto da Lei de Improbidade Administrativa foi respeitado o princípio da legalidade, em atendimento à Constituição Federal.

O Supremo Tribunal Federal apreciou esta matéria na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade sob n.º 2182-DF, assim ementada:

MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 8.429, DE 02.06.1992, QUE DISPÕE SOBRE AS SANÇÕES APLICÁVEIS AOS AGENTES PÚBLICOS NOS CASOS DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO NO EXERCÍCIO DE MANDATO, CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA, INDIRETA OU FUNDACIONAL E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. ALEGAÇÃO DE VÍCIO FORMAL OCORRIDO NA FASE DE ELABORAÇÃO LEGISLATIVA NO CONGRESSO NACIONAL (CF, ARTIGO 65). 1. Preliminar de não-conhecimento suscitada pela Advocacia Geral da União: é desnecessária a articulação, na inicial, do vício de cada uma das disposições da lei impugnada quando a inconstitucionalidade suscitada tem por escopo o reconhecimento de vício formal de toda a lei. 2. Projeto de lei aprovado na Casa Iniciadora (CD) e remetido à Casa Revisora (SF), na qual foi aprovado substitutivo, seguindo-se sua volta à Câmara (CF, artigo 65, par. único). A aprovação de substitutivo pelo Senado não equivale à rejeição do projeto, visto que “emenda substitutiva é a apresentada a parte de outra proposição, denominando-se substitutivo quando a alterar, substancial ou formalmente, em seu conjunto” (§ 4º do artigo 118 do RI-CD); substitutivo, pois, nada mais é do que uma ampla emenda ao projeto inicial 3. A rejeição do substitutivo pela Câmara, aprovando apenas alguns dispositivos dele destacados (artigo 190 do RI-CD), implica a remessa do projeto à sanção presidencial, e não na sua devolução ao Senado, porque já concluído o processo legislativo; caso contrário, dar-se-ia interminável repetição de idas e vindas de uma Casa Legislativa para outra, o que tornaria sem fim o processo legislativo. Medida cautelar indeferida. (STF - ADI-MC 2182-DF - Tribunal Pleno - Rel. Min. Maurício Corrêa - Julg.: 31/05/2000 - Publ.: 19/03/2004)

Afora isso, o Órgão Especial desta Corte de Justiça julgou a situação aqui exposta, conforme se depreende da ementa abaixo transcrita:

“CONSTITUCIONAL - CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE - LEI FEDERAL N. 8.429/92 (IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA) - ALEGAÇÃO DE VÍCIO NO PROCESSO LEGISLATIVO QUE A ORIGINOU, POR OFENSA AO PRINCÍPIO DA BICAMERALIDADE - INOCORRÊNCIA - PROJETO DE LEI CUJO TRÂMITE COMEÇOU NA CÂMARA DOS DEPUTADOS, FOI AO SENADO FEDERAL, CASA REVISORA ONDE RECEBEU EMENDA SUBSTITUTIVA, SENDO QUE, QUANDO DO SEU RETORNO À CASA INICIAL, O “SUBSTITUTIVO” FOI APROVADO PARCIALMENTE, SUBSISTINDO EM PARTE O PROJETO ORIGINAL - INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE IMPROCEDENTE, COM RETORNO DOS AUTOS À CÂMARA REMETENTE.” (TJPR - Acórdão 5818 - IncDInc 1.0122356-3/01 - Órgão Especial - Rel. Luiz Cezar de Oliveira - Julg.: 15/08/2003 - Publ.15/09/2003)

Por estas razões, não merece respaldo a alegação de inconstitucionalidade da Lei n.º 8.429/1992.

Por fim, relativamente à preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, também não merece êxito.

A Reclamação n.º 2138, decidida pelo Supremo Tribunal Federal não possui efeito vinculante, vez que não se trata de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade das leis e atos normativos, cujo efeito é inter partes, possuindo apenas valor de consulta, como qualquer decisão judicial em um caso isolado.

Assim, é certo que os agentes públicos estão sujeitos à aplicação da Lei 8429/92, como bem ensina Wallace Paiva Martins Júnior4:

“Há algum tempo ergue-se a tese de inaplicabilidade da Lei 8.429/92 aos agentes políticos, constituída sobre o argumento de seu regime jurídico especial derrogatório da Lei n.º 8.429/92, instaurando um juízo exclusivo pela ofensa à probidade administrativa praticada ou imputada a tal espécie de agentes públicos. Perfilha-se entendimento contrário a essa tese. Em nenhum momento a Constituição reservou à instância do julgamento político-administrativo o caráter de jurisdição exclusiva dos agentes políticos, na medida em que respondiam e respondem pelo fato também civil e criminalmente.[em nota de rodapé sob n.º 28 destaca que desse entendimento não comungam, inter alia o Min. Nelson Jobim, Sérgio Sérvulo da Cunha e Marino Mazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior]
Prevalece no direito brasileiro o sistema de pluralidade ou concorrência de instâncias para repressão da improbidade administrativa, viabilizada não só pela Constituição Federal, mas também pela expressa previsão do artigo 21, II, da Lei n.º 8.429/92, sem que se possa, à míngua de determinação legal explícita, suscitar comunicação obrigatória de efeitos. Tal sistema não é novidade, e já existe no ordenamento jurídico, mesmo envolvendo agentes políticos, porque a responsabilidade é apurada por diferente enfoques jurídicos.”

Portanto, o conceito de improbidade administrativa abrange qualquer desvio ético de conduta do agente público, em qualquer das funções que lhe comporte, desde que afronte a moralidade no desempenho da função pública em qualquer dos Poderes - como estipula o artigo 1º da Lei de Improbidade Administrativa - e que envolva enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e atente aos princípios da administração pública.

Ademais, o caput do artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa foi inspirado no artigo 37, § 4º, in fine, da Constituição Federal ao deixar claro a aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa “independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica...”.

Vale dizer: todo agente público pode ser responsabilizado, concomitantemente, nas esferas cível, penal e administrativa por ato de improbidade, sendo aplicável a qualquer agente político, a responsabilidade prevista na Lei de Improbidade Administrativa, fundamentos esse que autorizam a rejeição desta preliminar.

Alegação de nulidade da sentença:

A segunda ré, terceira Apelante, pretende a nulidade da sentença, por suposta falta de fundamentação adequada e cerceamento de defesa, sustentando que o julgador formou sua convicção baseando-se unicamente em prova produzida pelo Ministério Público, desconsiderando os depoimentos das testemunhas arroladas pelos réus, emitindo conclusão sem a devida valoração do conjunto probatório.

Não se verifica, entretanto, qualquer vício na sentença, capaz de levá-la à anulação.

Isso porque foi proferida com apoio e em consonância com todas as provas produzidas nos autos, e de acordo com sua livre valoração e convencimento racional, atento aos fatos e circunstâncias constantes do caderno processual, nos termos determinados pelo artigo 130 do Código de Processo Civil.

O que se percebe das argumentações da Apelante é, na verdade, sua nítida insatisfação quanto ao resultado da sentença, decorrente da valoração das provas. Entretanto, a sentença bem apreciou todo o conjunto probatório, fazendo correto juízo de valor sobre as provas, como será demonstrado na análise do mérito do recurso, em tópico seguinte.

Não seria razoável afirmar o contrário, uma vez que todas as provas pleiteadas pelas partes foram devidamente produzidas, em tempo oportuno, e apreciadas aquelas que dizem respeito diretamente à questão envolvida na lide - desprezando-se as inservíveis para este fim - pelo que não há que se falar em cerceamento de defesa.

Não se mostra a sentença ausente de fundamentação ou que tenha ocorrido cerceamento de defesa, pelo que também esta preliminar deve ser rejeitada.

Do mérito - dos atos de improbidade:

Como já restou demonstrado, a questão principal da lide consiste em saber se a contratação de funcionários, para ocuparem cargos em comissão junto à Assembleia Legislativa do Paraná, e realizarem serviços em gabinete particular do primeiro réu, na cidade de Maringá, configura a prática de atos de improbidade pelos réus.

A despeito das razões recursais, melhor sorte não socorre aos réus quanto ao mérito dos recursos.

Da farta instrução probatória produzida nos autos é possível concluir, facilmente, que atos praticados pelos réus Apelantes consubstanciam improbidade administrativa, na medida em que se utilizaram indevidamente do erário público para enriquecerem ilicitamente, senão veja-se.

Em primeiro lugar, é de se salientar que os réus, ora Apelantes não negaram, em nenhum momento, que os funcionários apontados na petição inicial trabalharam no escritório do primeiro, mantido em Maringá, sustentando, apenas, que tal atividade era legal, na medida em que realizavam atividades ligadas ao seu mandato como Deputado Estadual em sua base eleitoral, sendo que tal escritório era uma extensão de seu gabinete parlamentar, localizado na Assembleia Legislativa, em Curitiba.

Não obstante o só fato de destinar servidores públicos para trabalhar em sede diversa daquela para a qual foram lotados já constitua ato não permitido por lei, na hipótese posta a lume existem peculiaridades que dão contornos ainda mais graves aos fatos. Isso porque, restou comprovado nos autos que esse escritório mantido pelo primeiro réu, em Maringá, era voltado aos seus interesses privados (eleitoreiros), totalmente desvinculados das atividades que deveriam ser realizadas em gabinete parlamentar, que seriam, basicamente, referentes ao processo legislativo.

A primeira prova disso é o fato de o escritório mantido pelo réu, naquela cidade, ter-lhe sido cedido em comodato por Marco Antonio Piola, no período de 1995 a 1997, para instalação de seu escritório regional como Deputado Estadual, como se verifica da declaração de fl. 668. Em seguida (período de março de 1997 a dezembro de 1998) o réu locou outra sala, no mesmo prédio, para funcionamento da mesma atividade, como se depreende da declaração de fl. 669, o que denota o caráter particular do escritório mantido pelo réu Apelante.

Não fosse isso, as três pessoas, das quatro, que trabalharam no escritório particular do Apelante - mas que foram nomeadas em cargo em comissão pela Assembleia Legislativa - confirmaram em Juízo a alegação trazida na inicial, no sentido de que não tinham conhecimento de que eram formalmente vinculadas à Assembleia Legislativa, bem como que recebiam seus salários diretamente da segunda ré, Flávia Carneiro Pereira - e nunca daquele órgão - e que desempenhavam serviço de atendimento à população local e outras completamente divorciadas da atividade parlamentar.

Nesse sentido é interessante destacar trecho do depoimento da testemunha Margarete Gabriel, transcrito no termo de fls. 1474/1476, que relata as funções ali exercidas - de caráter eminentemente particular do réu - e a forma de recebimento de salário, bem como seu total desconhecimento de que, formalmente, era assessora parlamentar nomeada pela Assembleia Legislativa do Paraná:

“de fato foi funcionária do requerido Joel Geraldo Coimbrãs, tendo trabalhado em seu escritório político, com sede nesta Cidade de Maringá, no período de 1994 a 1998; que o último salário que percebeu foi de quinhentos reais; que o pagamento de seu salário era feito às vezes em dinheiro e às vezes através de cheque do referido requerido; que não tinha conhecimento de que seria assessora parlamentar, do que veio a tomar conhecimento apenas após ter ingressado com uma reclamatória trabalhista contra o requerido; que somente esteve em Curitiba uma única vez, em uma convenção partidária; não tendo trabalhado na Assembléia e em nenhum escritório situado naquele Município; que não possuía conta em estabelecimento bancário; que trabalhava como secretária no escritório do primeiro requerido; que nessa condição basicamente prestava atendimento a população, como por exemplo agendando audiências com o primeiro requerido, e auxiliando a população no que era possível, como por exemplo consultando a Copel a respeito de parcelamentos de usuários inadimplentes, buscando consultas médicas para pessoas que delas necessitavam, etc.; que nunca preencheu nenhum documento com o timbre da Assembléia Legislativa; que os recibos de pagamento de salário eram elaborados no computador pela segunda requerida, e após apresentados para assinatura; que além da depoente, trabalhavam no escritório do primeiro requerido a segunda requerida, Luciana de Andréa, Amilton Aparecido Vieira, Fabio Meneguetti Rodrigues e também Telma Beiser, todos eles que exerciam suas atividades apenas no escritório do primeiro requerido situado aqui em Maringá, nunca tendo exercido suas atividades em Curitiba; ( ...) que a segunda requerida era a chefe, era ela quem cuidava do escritório; que a segunda requerida certa vez comentou que os pagamentos dos funcionários do escritório vinham de Curitiba, não tendo dito todavia que viriam da Assembléia Legislativa; (...)”

Outro funcionário do Apelante, Fábio Meneguetti Rodrigues, ouvido em termo de fls. 1485/1486, também vinculado à Assembleia Legislativa, afirmou que não tomou conhecimento formal de que foi nomeado como assessor parlamentar e esclareceu sobre as atividades realizadas para o réu Apelante:

“(...) que passado algum tempo o depoente passou a trabalhar em horário integral, e aí então passou a receber uma ajuda de custo, não se recordando ao certo do valor, mas acreditando fosse algo em torno de um salário mínimo; que esta situação perdurou até a época, mais ou menos, da campanha eleitoral municipal, na qual o primeiro requerido foi candidato a prefeito; que não se lembra ao certo se antes ou depois desta campanha eleitoral, mas provavelmente depois, o depoente foi comunicado de que seria nomeado como assessor parlamentar; que no entanto não tomou conhecimento formal de qualquer nomeação, nem pelo que se lembre assinou qualquer documento que contivesse alguma informação a respeito de tal assunto; que soube apenas que passaria a receber uma importância maior por mês porque seria nomeado; que de fato o depoente passou a receber uma importância maior, cerca de quinhentos reais; que desde quando começou a trabalhar para o primeiro requerido, e mesmo quando passou a receber uma importância um pouco maior, os pagamentos eram feitos ao depoente sempre em espécie;(...) que desde o início a função do depoente era a de prestar atendimento a população que comparecia no escritório; que quando passou a trabalhar em período integral, o depoente intensificou o seu trabalho, passou a trabalhar mais, mas sua função basicamente permaneceu a mesma; ( ...) que no escritório trabalhavam o depoente, Amilton, Fábio, Luciana e a segunda requerida, e também uma moça chamada Telma que era digitadora e começou a trabalhar mais próximo da última campanha eleitoral; que os pagamentos do depoente eram efetuados pela segunda requerida; (...) que os pagamentos de todos os funcionários eram feitos no mesmo dia, sendo que a segunda requerida chamava os funcionários um por um e fazia o acerto com eles; (...) que se recorda que algum tempo antes da campanha eleitoral, o depoente e os demais funcionários do escritório pararam de trabalhar no escritório e foram trabalhar no comitê eleitoral, sendo que ali cada um exercia alguma função, como por exemplo solicitar as licenças necessárias para a realização de comícios, atender o público, etc.; que o atendimento ao público era similar ao prestado no escritório do primeiro requerido.(...)”


Por sua vez, a ex-funcionária do Apelante, Luciana de Andréa, prestou depoimento à fl. 1488, que corrobora os antes citados:

“que a depoente não nunca chegou a ser registrada, sendo que os pagamentos eram feitos em dinheiro pela segunda requerida, sendo que a depoente apenas firmava um recibo, não ficando com cópia ou algum comprovante do pagamento consigo; que já formada passou a trabalhar em período integral, sendo que se não se engana já mais ou menos no final de 1997 foi comunicada de que seria assessora parlamentar, (...); que passou a então receber por volta de quinhentos reais por mês, no entanto, os pagamentos continuaram a ser feitos da mesma forma, ou seja, em dinheiro e através da segunda requerida, sendo que não chegou a movimentar a conta corrente que abriu; que no escritório a função da depoente era cuidar da agenda do primeiro requerido e também prepara mala direta para eleitores cadastrados no escritório; que também costumava digitar ofícios para o primeiro requerido. Que as funções da depoente durante todo o período em que trabalhou no escritório foram basicamente as mesmas; (...) que os pagamentos eram feitos pela Dra. Flávia que chamava os funcionários um a um para conversar; que nunca viu Amilton recebendo pagamentos; que Amilton pouco comparecia ao escritório, sendo que suas atividades eram mais externas, como por exemplo servir como motorista ao primeiro requerido; (...)”

Esses depoimentos são corroborados por parte das declarações prestadas pela segunda ré, em procedimento administrativo instaurado pelo Ministério Público do Estado do Paraná n.º 19/01 - que ao final deu origem à interposição da presente ação - declarações estas que não restaram impugnadas em sua contestação, da qual vale reprisar o seguinte trecho (fl. 133):

“(...) que a declarante nunca trabalhou no escritório particular do Dr. Joel Coimbra, porém, a declarante, eventualmente, passava e ainda passa no referido escritório, por volta de 17 e 18 horas, para realizar estudos, pesquisas, em face da vasta Biblioteca que Joel Coimbra disponibiliza no escritório; que também referido local passou a ser um ponto de encontro de amigos de Joel Coimbra, em especial nos finais de semana, quando o mesmo desloca-se de Curitiba para Maringá; que Amilton Aparecido Viera, Fábio Menegueti, Luciana de Andréia, Margarete Gabriel e Telma Beiser, trabalhavam no escritório de Joel Coimbra; que esses funcionários, com exceção de Telma Beiser, recebiam salários da Assembléia Legislativa uma vez que os mesmos eram comissionados; que a declarante entendia que o escritório era uma extensão do Gabinete Parlamentar do Dr. Joel Coimbra; que a declarante, mensalmente, efetuava pagamentos aos funcionários Amilton Aparecido Vieira, Fábio Menegueti, Luciana de Andréia e Margarete Gabriel, eis que recebia o dinheiro viabilizado pela Assembléia em sua conte corrente, através do Banco Banestado, em face de que referidos funcionários não movimentavam conta corrente para tanto; que esses valores giravam em torno de R$500,00 mensais para cada funcionário; que Margarete tinha uma função social junto ao escritório como por exemplo atendimento de pessoas que procuravam o deputado Joel Coimbra para solucionar alguns problemas de ordem social; que Amilton tinha a função de manter contatos com pessoas de outros Municípios e Bairros de Maringá; que Fábio tinha por função orientar as pessoas que procuravam o escritório a respeito de questões jurídicas; que Luciana de Andréia e Telma Beiser atendiam a parte administrativa do escritório; (...) que a declarante efetivamente nunca prestou serviços no Gabinete do Município de Maringá.(...)”

Por fim, a testemunha Amilton, ouvido às fls. 1483/1484, também admitido formalmente pela Assembleia Legislativa do Paraná como assessor parlamentar vinculado ao Réu, mas que trabalhava em seu escritório de Maringá, foi a única que prestou depoimento dissonante das outras três pessoas que ali trabalharam, chegando ao ponto de até mesmo se contradizer, quando em um primeiro momento disse que recebia sua “remuneração através de depósito bancário efetuado diretamente pela Assembléia Legislativa”, e logo em seguida afirmou que “normalmente recebia sua remuneração no gabinete do Presidente da Assembléia”. Ademais, atente-se que esta informação foi desmentida pela própria segunda ré, que confessou, em suas declarações transcritas acima, que era ela quem fazia o repasse dos salários dos funcionários, inclusive do Sr. Amilton.

No mais, o depoimento do Sr. Amilton contrariou todos os outros três depoimentos - estes prestados em harmonia - quanto à função desempenhada pela segunda ré e pelos demais servidores da Assembleia que prestavam serviços no escritório do Apelante. Por isso, seu depoimento deve ser visto com reservas, não servindo para desconstituir os outros três prestados em consonância.

Quanto às demais testemunhas arroladas pelos réus e ouvidas em Juízo - fls. 1450/1451; 1452/1453, 1508, 1509, 1510, 1519 e 1544/1551 - nada esclareceram sobre os fatos pertinentes à lide, pois não trabalhavam com o primeiro réu, segundo Apelante, mas que apenas freqüentavam seu escritório político em Maringá, pelo que não podem comprovar as funções dos empregados e tampouco a forma de pagamento de cada um deles.

Por outro vértice, observa-se do depoimento prestado pelo primeiro réu, em Reclamatória Trabalhista ajuizada contra ele pela ex-funcionária Margarete Gabriel - cujos atos deste processo foram remetidos pela Justiça do Trabalho ao Ministério Público que, por conta disso, instaurou o Procedimento Administrativo n.º 19/01 (fl. 32), que deu origem a presente ação civil pública - que admite que as atividades desenvolvidas em seu escritório mantido em Maringá tinham fins políticos (e não parlamentares), quando assim afirmou às fls. 85/86:

“que em março ou abril de 1994, com vistas à campanha eleitoral de 1994, o reclamado coligado a partidos diversos dos interesses do PDT, estabeleceram-se num escritório cedido por um dos integrantes do grupo de apoio político ao reclamado, trazendo para trabalhar no referido escritório a reclamante (Sr.ª Margarete Gabriel) e mais duas outras pessoas; (...) esclarece o depoente que após 1994, entre uma campanha e outra, a reclamante permaneceu ligada ao seu escritório, que sempre foi mantido por um grupo de pessoas que lhe prestavam apoio político. ( ...); que mesmo depois de eleito o escritório continua vinculado ao depoente; que a partir de 1997 a reclamante passou a exercer cargo comissionado na Assembléia Legislativa, permanecendo à disposição do depoente; esclarece que é comum entre vários partidos com o surgimento de vagas na Assembléia indicação de alguns nomes pelo candidato; que surgindo algumas vagas na Assembléia o depoente indicou a reclamante que foi nomeada, permanecendo à sua disposição em seu escritório em Maringá, realizando as mesmas atividades anteriormente desenvolvidas. (...)”.

Ressalte-se aqui, apenas a título de esclarecimento, que a sentença de procedência proferida nos autos de Reclamatória Trabalhista mencionada acima foi reformada pelo Tribunal Regional do Trabalho (acórdão de fls. 118/124), apenas para declarar a prescrição dos direitos pretendidos pela referida funcionária (Margarete Gabriel), o que não tem o condão, contudo, de invalidar as provas ali colhidas, especialmente para seu aproveitamento nesta lide, que tem objeto distinto daquela, ao contrário do que tenta sugerir a segunda ré.

Sendo assim, deste amplo conjunto probatório referido, constata-se indubitável que a destinação das atividades desenvolvidas pelos cinco servidores públicos nominados na inicial, que prestavam serviços no escritório particular mantido pelo réu na cidade de Maringá, era ao atendimento de interesses particulares do primeiro réu, segundo Apelante, especialmente fins eleitoreiros - como manutenção de contatos políticos e atendimento assistencial aos eleitores - atendendo quase que exclusivamente a esse fim. Logo, não se pode afirmar, de forma alguma, que aquele escritório e as atividades ali desenvolvidas eram extensão do gabinete do Apelante mantido na Assembleia Legislativa ou mesmo que servia para atividades parlamentares, como corretamente concluiu a sentença.

Como destacou a sentença, os fatos apontados e comprovados nos autos ocorreram da seguinte maneira: “a) os funcionários nomeados nunca assinaram os termos de nomeação (e posse), sequer tendo conhecimento de que eram funcionários públicos, ocupantes de cargos de provimento em comissão, b) referidas pessoas trabalhavam em Maringá, portanto, fora do local de suas lotações, que era o gabinete do Deputado Estadual Joel Geraldo Coimbra, na Assembléia Legislativa do Estado e em Curitiba, c) referidas pessoas nunca desempenharam atividades inerentes aos cargos ocupados, e limitavam-se a dar atendimento assistencialista à população, intermediando parcelamento de débitos com a Copel, agendando consultas médicas, etc.;e d) referidas pessoas, embora declarem que receberam em espécie, quantia próxima da paga pelos cofres públicos por força de seus cargos, o receberam de forma absolutamente irregular e através de terceiros.” (sic fl. 1748) (grifou-se).

Por isso, a conduta do primeiro réu, que agiu com o subsídio da segunda ré - a qual, além ter creditados em sua conta corrente os valores destinados ao pagamento dos servidores nominados, pela Assembleia Legislativa, realizava diretamente o pagamento de referidos funcionários, como restou confessado em suas declarações transcritas acima (fl. 85), o que denota que tinha pleno conhecimento dos atos irregulares praticados pelo primeiro réu - enquadram-se naquelas previstas como ímprobas pela Lei n.º 8429/92, especialmente em seu artigo 9.º, Incisos IV e XII, que assim dispõe:

Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no artigo 1º desta L
ei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
(...)
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei.

Destarte, ao manter, durante período de seu mandato legislativo de Deputado Estadual, servidores públicos nomeados pela Assembleia Legislativa em seu escritório particular de Maringá, para exercerem serviços de interesse particular e diversos daqueles referentes aos cargos ocupados, sem terem conhecimento de que eram nomeados pela Assembleia, o primeiro réu utilizou-se de serviço e de verbas públicas para benefício próprio, enquadrando-se perfeitamente nos termos dos Incisos do dispositivo supra citado.

Ademais, a alegação do primeiro Réu, segundo Apelante, quanto a ausência de sua responsabilidade na nomeação dos assessores mencionados é perfeitamente refutável, na medida em que, como bem destacou a sentença recorrida, “a nomeação de servidores para preenchimento de cargos em comissão é de iniciativa daquele agente público que tem a disposição do cargo, competindo à mesa diretiva apenas chancelar a indicação feita, no caso pelo primeiro requerido, adotando as medidas administrativas competentes à satisfação da vontade do agente público” (sic fl. 1749).

Por sua vez, repita-se que a segunda ré, Flávia Carneiro Pereira, contribuiu significativamente com os atos praticados pelo primeiro réu, recebendo em sua conta corrente os vencimentos referentes aos demais funcionários nomeados em cargo em comissão pela Assembleia Legislativa (assessores parlamentares) - os quais não tinham conhecimento desse fato - e procedendo ao seu pagamento, além de também ser servidora pública ocupante de cargo de provimento em comissão no gabinete do primeiro, mas que conscientemente realizava atividades diversas das funções do cargo ao qual foi nomeada, conduta esta que se amolda no ato de improbidade, descrito pela legislação supra-citada.

Destaque-se que o prejuízo causado ao erário está claramente demonstrado nos autos, pelos valores pagos pela Assembleia Legislativa aos servidores nomeados, que exerciam atividades de interesse privado no escritório do primeiro réu, ou seja, nos recursos públicos gastos com fins privados (pagamento de salários de seus empregados particulares), valores estes demonstrados nos documentos de fls. 306/310.

Em vista dessas constatações, apresentou-se correta a sentença ao fixar a condenação dos Réus nos termos do artigo 12, Inciso I da Lei 8429/1992, que assim dispõe:

“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:
I. Na hipótese do art. 9.º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.”

Obedecendo a esses critérios e parâmetros, a sentença condenou ambos os requeridos às penas de a) reparação do prejuízo causado ao erário, evidenciado através dos documentos de fls. 306/319, que deverão ser atualizados monetariamente desde o desembolso de cada valor pelo erário e acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação; b) suspensão dos direitos políticos de ambos os requeridos, pelo prazo de oito (08) anos, c) pagamento de multa civil, de valor equivalente ao encontrado no item ‘a’, e d) proibição dos requeridos de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.

Assim, não há que se falar em omissão da sentença na individualização da pena, contrariamente ao alegado pelo primeiro réu em suas razões recursais, e nem em desrespeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois após bem fundamentar suas razões de decidir, quanto à gravidade dos atos, a participação de cada um para a consecução dos atos e aos reflexos dos atos dos réus ao erário público, aplicou com a devida proporcionalidade as sanções cabíveis, observando a limitação legal, condizente com os atos de improbidade caracterizados, observando, assim, aos princípios norteadores e aos ditames legais e, especialmente o que dispõe o parágrafo único do mesmo artigo 12, que determina que “na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”.

Rogério Pacheco Alves e Emerson Garcia5 fazem observações acerca dos requisitos da sentença de procedência, que merecem destaque:

“Reconhecida a ocorrência da improbidade, tal como prevista, ‘numerus apertus’, nos arts. 9.º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, impõe-se ao magistrado não só a condenação do réu ao integral ressarcimento do dano, se existente, como também a aplicação, a princípio cumulativa, das sanções previstas no art. 12 da referida lei. Para tanto, no que respeita à fixação da ‘reprimenda base’, deverá sopesar os reflexos de sua conduta sobre o patrimônio público quanto à consecução, ou não, do interesse coletivo, bem assim a sua personalidade e grau de participação no ilícito, aferindo, ao depois, a possível presença de circunstâncias agravantes e atenuantes (reincidência ou bom comportamento anterior do agente, seu nível intelectual, confissão espontânea do fato etc.), análise que, no entanto, não pode levar o julgador a extrapolar os limites mínimo e máximo das sanções variáveis”

Os mesmos autores, ao tratarem sobre as diretivas de proporcionalidade na individualização das sanções, destacam ainda6:

“Releva notar, no entanto, que as sanções de ressarcimento dos danos causados ao patrimônio público e perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente, conforme deflui da própria redação dos incisos do art. 12 da Lei n.º 8.429/1992, somente serão passíveis de aplicação em estando presentes os pressupostos fáticos que as legitimam, quais sejam, o dano ao patrimônio público e o enriquecimento ilícito. Do mesmo modo, não se pode aplicar a sanção de perda da função pública ao terceiro que não possua qualquer vinculação com o Poder Público.
Qualquer que seja a seara, somente se pode falar em liberdade do julgador na fixação da reprimenda em havendo expressa autorização legal, o que deflui dos próprios princípios norteadores do sistema repressivo, isso porque a sanção, a um só tempo, representa eficaz mecanismo de garantia dos direitos do homem - o qual somente pode tê-los restringidos com expressa previsão legal - e instrumentos de manutenção da paz social, sendo a materialização dos anseios dos cidadãos expressos através de seus representantes.
Em razão da própria natureza da conduta perquirida, não haveria que se falar, inclusive, em adstrição do órgão jurisdicional a uma possível delimitação do pedido, quer qualitativa, quer quantitativa, pois, tratando-se de direito eminentemente impossível, não compete ao autor da demanda restringir as conseqüências dos atos de improbidade, restando-lhe, unicamente, deduzir a pretensão de que sejam aplicadas as sanções condizentes com a causa de pedir que declinara na inicial.”

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. SÚMULA N.º 13/STJ. ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. DISCRICIONARIEDADE DO JULGADOR NA APLICAÇÃO DAS PENALIDADES. No campo sancionatório, a interpretação deve conduzir à dosimetria relacionada à exemplariedade e à correlação da sanção, critérios que compõem a razoabilidade da punição, sempre prestigiada pela jurisprudência do E. STJ. (Precedentes: REsp 291.747, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 18/03/2002 e RESP 213.994/MG, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 27.09.1999) 5. Revela-se necessária a observância da lesividade e reprovabilidade da conduta do agente, do elemento volitivo da conduta e da consecução do interesse público, para efetivar a dosimetria da sanção por ato de improbidade, adequando-a à finalidade da norma.”(REsp 664856 / PR Rel. Min. LUIZ FUX DJ 02/05/2006).

Em vista desses postulados, possível verificar que não houve extrapolamento da sentença na fixação das sanções aos réus, pelo que não merece reforma da sentença nesta parte.

Diante disso, voto pelo não conhecimento do recurso do Estado do Paraná, e pelo conhecimento parcial dos recursos dos réus e, nesta parte, pelo seu desprovimento.

Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em não conhecer o recurso do Estado do Paraná e conhecer em parte os recursos dos réus e, nesta parte, negar-lhes provimento, nos termos do voto da Relatora.

Presidiu o julgamento o Desembargador Abraham Lincoln Calixto, sem voto, tendo dele participado os Desembargadores Salvatore Antonio Astuti e Lélia Samardã Giacomet.

Curitiba, 03 de novembro de 2009.

MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA
Desembargadora Relatora



1 in Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do processo e processo de conhecimento, 8.ª ed. - Salvador : Edições JusPODVM, 2007. p. 251.
2 “Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma das Casas será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado se o rejeitar. Parágrafo Único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.

3 Ob. cit., p. 194/196.
4 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 308

5 GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, 4.ª Ed. - Rio de Janeiro : Lúmen Iuris, 2008, p. 785.
6 Ob. cit., p. 485/488.