23.11.09

Indenização - UEM x Luis Carlos Prola

Processo nº 1524/2007(indenização)
Fundação Universidade Estadual de Maringá vs. Luis Carlos Prola
Sentença - Servidor público que obtém licença remunerada para estudar, firmando compromisso de, após obtido o título, prestar serviços para a autora por 48 meses. Compromisso descumprido. Dever de indenizar que é indiscutível. Procedência do pedido.
– Alega a inicial, em síntese, o seguinte: a) o réu detinha cargo público de professor, em regime de dedicação exclusiva, junto à autora; b) em 15/9/1993 afastou-se das atividades para cursar pós-graduação em Lisboa; c) assumiu, na ocasião, compromisso de, após concluir o curso, trabalhar para a autora por tempo equivalente ao do seu afastamento; d) afastou-se por 48 meses, concluiu a pós-graduação em 14/9/1996, mas pediu exoneração em 23/4/2002 sem cumprir o compromisso que tinha para com a autora. Pediu a condenação do réu a indenizar-lhe o valor de R$ 586.553,27, mais correção e juros, e a condenação do réu nos encargos da sucumbência. Citado, o réu contestou, afirmando, em suma, que: a) este juízo é incompetente; b) a inicial é inepta; c) ocorreu prescrição e decadência; d) serviu a ré por 57 meses depois de retornar de Lisboa, cumprindo seu compromisso; e) assinou o contrato de que fala a inicial por imposição unilateral da autora; f) foi aprovado com distinção no curso de pós-graduação de que fala a inicial em julho de 2001; g) em caso de condenação, deve ser abatido da indenização o valor que o réu despendeu para manter-se em Lisboa estudando. Postulou a extinção do processo ou a improcedência do pedido inicial, e a condenação da autora nos encargos da sucumbência. A parte autora manifestou-se sobre a contestação, reiterando os argumentos da inicial. Anunciado o julgamento antecipado, não houve recurso. O parecer do Ministério Público foi pela procedência. É o relatório.
A preliminar de incompetência não procede. Não se trata de litígio pertinente a relação regida pela CLT. O vínculo entre as partes era estatutário, regido pela Lei Estadual nº 6174/70. O réu não era trabalhador celetista, mas servidor público, detentor de cargo público, conforme previsto na Lei Estadual nº 10219/92, art. 70 e § 2º. Rejeito também a preliminar de inépcia. A inicial contém pedido bem claro, determinado e compreensível. Tanto que, a partir dele, o réu teve condições de exercer ampla defesa. Anote-se que “a tendência do Processo Civil contemporâneo é a de se evitar ao máximo as decisões de forma, priorizando sempre que possível as de fundo” . Consoante já proclamou o STJ, “se a petição inicial permite que se compreenda perfeitamente a pretensão deduzida, não se justifica a extinção do feito, sem o exame do mérito, por inépcia da inicial” . É que “se a narração dos fatos permite a exata compreensão da controvérsia, possibilitando, a um só tempo, a defesa da ré e a prestação jurisdicional, não se vislumbra a inépcia”, que jamais se configura “se a petição inicial, embora concisa, revela-se suficientemente clara e inteligível, proporcionando uma compreensão inequívoca dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido”, e “sendo possível constatar, sem grandes esforços, o objetivo do autor”. A posição pacífica da jurisprudência “é no sentido de que não se deve declarar a inépcia quando for possível ao Juiz compreender os fatos, a causa de pedir e o pedido e que a parte contrária compreenda a demanda permitindo-lhe que exerça ampla defesa. É a aplicação do Princípio da Economia Processual” . No caso em exame a inicial é compreensível, de clareza e logicidade bastantes, permitindo a compreensão do pedido e da causa de pedir. Está de acordo com os parâmetros de suficiência preconizados pela jurisprudência já resumida. Cumpre lembrar aqui, enfim, a advertência de Cândido Rangel Dinamarco: “O processo civil moderno quer ser um processo de resultados, não um processo de conceitos ou de filigranas”. Ademais, a pretensão inicial não apenas se funda em bem exposta causa de pedir, como está amparada pelo direito, como será visto.SEQ. – Também não procede a preliminar de prescrição. O prazo de prescrição, neste caso, é o do art. 206 § 5º I do Código Civil, posto que a obrigação do réu para com a autora, que a inicial persegue, é de pagar quantia em dinheiro, e está instrumentada em documento particular. Trata-se de prazo encurtado pelo novo Código Civil. Na data de entrada deste em vigor ainda não correra metade do prazo previsto na lei revogada (o curso do prazo, pela lei antiga, teria iniciado em 23/4/2002). Logo, a contagem do prazo menor, previsto na lei nova, inicia-se da data em que o novo Código Civil entrou em vigência. E a ação foi ajuizada menos de cinco anos depois desse termo.
No mérito, nada cabe acrescentar ao percuciente exame que o Ministério Público fez do caso. Transcrevo, por brevidade, e adoto aquele parecer como fundamento desta sentença: “Conforme anunciado, o requerido permaneceu afastado por um período de 48 meses, para fazer pós-graduação em nível de doutorado, tendo concordado expressamente em retornar à Instituição de Ensino quando da finalização do curso para trabalhar em período equivalente ao afastamento e no mesmo regime. Em caso de inadimplemento ressarciria a autora as importâncias recebidas nesse período acrescidas de juros e correção monetária, conforme Termo de Compromisso firmado pelas partes (fls. 30/32). O próprio requerido reconhece da obrigatoriedade do aludido termo de compromisso, consoante observa a autora em seu petitório inicial. É regra de direito das obrigações que o contrato é lei entre as partes, devendo o mesmo ser cumprido da forma pactuada, quando atende os requisitos legais (objeto lícito, consentimento, etc.), ou seja, é o princípio da pacta sunt servanda. Desta forma, não podem as partes exigir da outra execução diversa do que foi previamente contratado. Diga-se de passagem, o plano e pós-graduação por si só já é um privilégio, percebendo os vencimentos sem o respectivo trabalho e, posteriormente, venham a continuar no exercício das funções de docentes, mesmo vinculados aos quadros da UEM. A negativa em continuar nas atividades após a conclusão do curso representa um ato de, data vênia, flagrante imoralidade em face os benefícios alcançados e as esperanças alimentadas pela instituição quanto ao retorno aos investimentos no profissional docente. Será que algum estabelecimento de ensino privado investiria na formação profissional do docente sem perspectiva de retorno? O quadro que se desenha é da falta de responsabilidade para com o ente público, almejando tirar proveitos sem o retorno para a sociedade em geral, objetivo final da entidade pública. Os fatos não merecem maiores comentários ante a obviedade do que se pleiteia na inicial... Os argumentos expendidos pela o requerido são subsistentes para os fins de isentá-la do dever de ressarcir a autora nos valores reclamados. Não obstante, da mesma forma não assiste razão o requerido quando requer que seja reconhecido, no caso de acolhimento da ação, a compensação dos valores pela importância gasta com alugueres, alimentação e transporte. A cláusula quarta do Termo de Compromisso assinado entre as partes é clara ao dispor que ’Cláusula Quarta: O servidor se compromete a reassumir de imediato as suas funções na Universidade, tão logo obtenha o respectivo título, independentemente dos prazos concedidos para o seu afastamento, sob pena de rescisão do Contrato de Trabalho por justa causa’. (grifei). Em outras palavras, o tempo de serviço em que o requerido se comprometer em realizar 48 meses, somente começaria a correr quando obtivesse o respectivo título de pós-graduação, o que ocorreu pouco antes da sua saída da Universidade. Com efeito, a indenização deve ser deferida de forma plena, ou seja, na totalidade dos 48 meses de inadimplemento, período equivalente ao tempo de afastamento do requerido. [...]Em face de todo o exposto e por amor a brevidade, ratifico as citações doutrinárias e jurisprudenciais colacionadas pela autora, tudo para os fins de julgar procedente a ação, condenando o requerido a indenizar a autora no valor corrigido da inicial, com o ônus da sucumbência” (f.258-260). A pretensão do réu é, como se percebe facilmente, ímproba. Ficou 48 meses recebendo salários integrais, sem trabalhar, para cursar a pós-graduação. Para obter essa licença remunerada assumiu o compromisso de permanecer trabalhando 48 meses para a autor depois de obter e registrar o título. Todavia, depois de concluir o curso não obteve o título, e pediu e obteve sucessivas prorrogações da licença. Até 23/4/2002, data da sua exoneração a pedido, não retornou ao trabalho. Obteve o título, que lhe garantiu rendoso emprego no exterior, às custas do dinheiro público. Tem, assim, de reembolsar, cumprindo o compromisso que assumiu voluntariamente e por escrito.Anote-se, ademais, que o fato de a autora condicionar a concessão da licença à assunção do compromisso não caracteriza coação, dolo ou qualquer vício da vontade, mas o estrito cumprimento do dever legal da autora: o Estado e seus entes não têm de custear os estudos de seus funcionários com dinheiro dos impostos, a troco de nada, como se de liberalidade se tratasse. Ao firmar o compromisso de que fala a inicial, o réu sabia muito bem das conseqüências e agiu voluntária e conscientemente.Bem por isso é estapafúrdia e grotesca a pretensão do réu de ver-se reembolsado pelas despesas que fez, ou diz ter feito, para manter-se em Lisboa enquanto estudava. O curso era de interesse seu, para seu aperfeiçoamento, engrandecimento de seu currículo e progresso de sua renda. A despesa para obter tudo isso era encargo seu, não do Estado nem da autora. A autora já lhe deu compensação bastante e generosa, pagando-lhe os vencimentos do período em que permaneceu afastado do trabalho para estudar. Nesse sentido se manifesta a jurisprudência, citada a f.16-19, a que faço remissão por brevidade.
Isso posto, julgo procedente o pedido inicial, e condeno o réu a pagar em favor da autora a importância de R$ 586.553,27, acrescida de correção monetária, calculada pelo INPC do IBGE e contada de 31/12/2007, além de juros moratórios de 12% ao ano, contados da citação inicial. Condeno ainda o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, e honorários advocatícios que arbitro em 15% do valor da condenação, considerando o alto zelo do procurador da parte adversa, o fato de serem os serviços profissionais prestados no foro da sede da advocacia daquele, a relativa simplicidade da causa, e a abreviação do trabalho pelo julgamento antecipado.P., r. e i..
Maringá, 4 de novembro de 2009.
Alberto Marques dos Santos
Juiz de Direito