1.12.09

Apelação cível - Ação de indenização

APELAÇÃO CÍVEL N° 595.533-1 DA 6ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MARINGÁ.
APELANTE (1): ÉVORA COMERCIAL DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS LTDA.
APELANTE (2): YOLANDA PIRONI MORALES.

APELADAS: AS MESMAS.
RELATOR: Des. D’Artagnan Serpa Sá.


APELAÇÃO (1) - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE CIVIL - DANOS MORAIS DECORRENTES DE ACIDENTE NO INTERIOR DE SUPERMERCADO - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA - INOCORRÊNCIA - CARACTERIZADO O DEVER DE INDENIZAR -ADEQUAÇÃO DO VALOR EM ATENÇÃO AO BINÔMIO PUNIÇÃO/COMPENSAÇÃO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MANTIDOS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
APELAÇÃO (2) - REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS - VALOR ADEQUADO - RECURSO NÃO PROVIDO.




Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 595.533-1 da 6ª Vara Cível de Maringá, em que são apelantes Yolanda Pironi Morales e Évora Comercial de Gêneros Alimentícios Ltda e apelados os mesmos.
I - EXPOSIÇÃO FÁTICA
Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença proferida nos autos de Ação de Reparação de Danos Materiais e Morais, nº 1189/2007, que julgou procedente o pedido condenando a Requerida ao pagamento de R$ 1.274,00 ( mil duzentos e setenta e quatro reais), a título de danos materiais e R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a título de danos morais.
Inconformado com a r. sentença, o apelante (1) alegou em suas razões recursais que a citação feita em atendimento ao despacho de fls.83 procedeu em nome de pessoa desconhecida da Apelante, tendo em vista que o Sr. Luiz Araujo de Souza não faz parte do quadro de funcionários da loja situada na Avenida Cerro Azul, 979, na cidade de Maringá, local onde ocorreu o imprevisto, mas sim funcionário lotado em outros endereços, por essa razão não pode representar e estar no ato de citação da loja acima citada.
Aduz que, ao contrario da versão da inicial, não houve inúmeras lesões na vítima. Ocorre que dois funcionários da loja estavam arrumando a entrada da loja com enfeites de Natal, um deles subiu em uma escada e o outro ficou responsável por orientar as pessoas que ali circulavam para não se aproximarem do local. A apelada, por sua vez, contrariando a ordem dada pelo funcionário, ficou aguardando sua amiga na porta do estabelecimento em frente à escada. Momentos depois, a escada escorregou da coluna em que estava apoiada e caiu no chão próximo a Apelada, ferindo-lhe o braço com um arranhão. Ocorrido isso imediatamente foi prestado auxílio pelos funcionários que estavam no local, porém, como o serviço médico estava demorando, a própria apelante pediu que uma funcionária levasse a senhora até um Pronto Socorro do Hospital em Maringá. Feito todos os exames a funcionária que acompanhava a vítima ainda foi à farmácia, comprou os medicamentos receitados pelos médicos e a deixou em casa. Contudo, na mesma noite do acidente a Apelada retornou ao hospital reclamando de mal estar e fadiga dizendo ser conseqüência do ocorrido pela manhã na loja. Além disso, contratou uma pessoa para lhe auxiliar com os cuidados pessoais antes mesmo de ter se acidentado. Uma semana depois, 08.12.2006, compareceu ao hospital para enfaixar o pé esquerdo, adquiriu uma bota ortopédica e fez exames de endoscopia, dentre muitos outros alegando sempre serem seqüelas do incidente ocorrido na loja, porém, assevera a apelante que não se pode debitar a responsabilidade por distúrbios distintos daqueles relacionados ao que aconteceu no estabelecimento comercial.
Ressalta que mesmo a vítima não sendo consumidora da loja, e sim transeunte, pois aguardava sua amiga na porta da loja, todas as despesas do imprevisto, inclusive medicamentos, foram custeadas pela Apelante.
Assevera ainda que o evento danoso somente ocorreu por culpa exclusiva da vítima que não acatou a ordem dada pelo funcionário da loja.
Com relação aos danos materiais e morais salienta que o primeiro inexiste, tendo em vista que a Apelante prestou atendimento e custeou todas as despesas médicas necessárias, já sobre o segundo, a apelante considera ter havido um absoluto exagero no quantum estipulado e por isso pleiteia pela minoração do valor arbitrado para o montante equivalente a 02 (dois) salários mínimos.
Ao final requer que seja dado provimento ao presente recurso e que a apelada seja condenada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios à razão de 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa. Do contrário, requer que seja reduzido o valor arbitrado de honorários advocatícios para percentual adequado, o equivalente a R$ 500,00 (quinhentos reais) tendo em vista que não houve necessidade de coleta de qualquer prova nos autos.
Por outro lado, a apelante (2) em suas razões recursais aduz que ela e sua amiga adentraram no estabelecimento com o intuito de fazer compras quando uma escada caiu sobre a primeira lançando-a para debaixo de um balcão provocando vários cortes e escoriações.
Ressalta que não houve local apropriado para que fossem feitos os primeiros socorros e que ficou esperando por mais de 1 (uma) hora qualquer atendimento e após esse tempo, mesmo com fortes dores, caminhou até a rua e entrou em um carro particular do estabelecimento sendo, finalmente, encaminhada ao hospital.
Assevera que quando chegou ao hospital, além do tratamento dos cortes e escoriações que sofreu, foi diagnosticada uma fratura no antebraço direito e em um segundo momento quando submetida a novos exames foi constatado uma fratura no pé esquerdo, assim como problemas no esôfago e no estômago em decorrência da medicação ministrada. Além disso, alega que necessita de apoio para se locomover em razão das fraturas sofridas.
Destaca que a apelada foi devidamente citada pois restou demonstrado que a pessoa que se apresentou ao Oficial de Justiça como representante da loja era mesmo funcionário do estabelecimento, conforme fls.172.
Salienta que, em que pese ser louvável, o valor arbitrado na sentença não minimizará o sofrimento da idosa, motivo pelo qual pugna pela reforma da sentença quanto à majoração dos danos morais já fixados.
Frisa que antes do acidente desempenhava sozinha todas as tarefas domésticas e que agora, após tal acontecimento, caminha com ajuda de bengala e andador passando a depender de terceiros e de seus familiares para realização das atividades da casa.
Ao final requer que seja dado provimento ao presente recurso e que a sentença seja reformada para majorar a indenização fixada a título de danos moral para aproximadamente 300 (trezentos) salários mínimos.
Devidamente intimada a contra-arrazoar, a apelada (1) deixou transcorrer in albis o prazo para manifestação.
Por outro lado a apelada (2) nas contra-razões alega que o ato citatório foi plenamente eficaz não se podendo cogitar em nulidade da citação, pois foi claramente demonstrado que a mesma recaiu sobre funcionário que se apresentou ao Oficial de Justiça como sendo representante legal da Apelante.
Salienta que contrariamente do que afirmou a recorrente, a apelada era consumidora assídua da loja e que no dia do imprevisto estava lá para fazer compras.
Aduz que todos os danos causados como fraturas, escoriações, edemas, cortes etc. redundaram dos traumas sofridos no interior da loja, além disso, os serviços emergenciais não foram devidamente prestados. Desta forma, há plena responsabilidade da recorrente em reparar os danos causados tanto na esfera material quanto na esfera moral.
Ao final requer que julgue improcedente o presente recurso, mantendo a sentença quanto à declaração de validade e de eficácia da citação de fls.84/85, bem como em relação ao reconhecimento da responsabilidade civil da Apelante e sua condenação em danos materiais e morais.
É o relatório em breve bosquejo.
II - VOTO E SEU FUNDAMENTO
Presentes os pressupostos recursais de admissibilidade intrínsecos (legitimidade, interesse, cabimento e inexistência de fato impeditivo e extintivo), e extrínsecos (tempestividade e regularidade formal), conheço do recurso.
A preliminar suscitada pelo Apelante (1) de nulidade da citação não merece prosperar, tendo em vista que a citação foi realizada no endereço indicado no respectivo mandado e que corresponde ao local onde se deu o evento danoso. Além disso, o fato de ter sido realizado em nome de pessoa não autorizada a receber intimações e citações, não causa a nulidade da mesma, pois com base na teoria da aparência, é válida a citação realizada na pessoa que se identifica como funcionário da empresa, sem ressalvas, não sendo necessário que receba a citação o seu representante legal autorizado, conforme se verifica.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALEGADA NULIDADE DA CITAÇÃO, RELATIVA À PRIMEIRA FASE DO PROCESSO DE CONHECIMENTO. REJEIÇÃO. TEORIA DA APARÊNCIA. DECISÃO ACERTADA. RECURSO DESPROVIDO. “Com base na teoria da aparência, é válida a citação realizada na pessoa que se identifica como funcionário da empresa, sem ressalvas, não sendo necessário que receba a citação o seu representante legal autorizado” (STJ, 3.ª Turma, AgRg. no Ag. n.º 1.056.214/MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. Em 18.11.2008).
(TJPR - 6ª C. C. - AI 0534844-7 - Foro Regional de Pinhais da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Adalberto Jorge Xisto Pereira - Unanime - J. 05.05.2009)
Dessa forma, não se vislumbra a ocorrência de vício para que se considere nula a citação realizada. Afastada a preliminar passo à análise do mérito.
Afirma a apelante (1) não ter qualquer responsabilidade pelo evento danoso, pois a culpa pelo ocorrido é da própria requerente por não ter acatado a ordem dada pelo funcionário da loja. Todavia, a responsabilidade da empresa resta demonstrada nos autos tendo em vista que por se tratar de uma relação de consumo o ônus de desconstituir eventual agir negligente era do próprio estabelecimento, entretanto, este não apresentou prova alguma nos autos, constatando-se inclusive revelia, de modo que não há que se reformar a sentença a quo nesse aspecto. Notes-se que, mesmo depois de, intempestivamente, apresentou contestação, a ré não logrou êxito em comprovar suas alegações. E, por não ter a Apelante (1) se desincumbido de tal mister é de se dar crédito às afirmações da apelada, conforme documentos juntados nos autos em fls.19 a 80, os quais comprovam a ocorrência de lesões, cortes e fraturas sofridas em virtude da queda de uma escada sobre seu corpo.
O dever de garantir a segurança dos consumidores em razão dos serviços prestados encontra fundamento no artigo 8º do Código de Defesa do Consumidor que assim dispõe:
“Art. 8º - Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.”
Além disso, seu descumprimento gera responsabilidade objetiva, ou seja, independentemente da demonstração de culpa do fornecedor, conforme artigo 14 e 17 do mesmo diploma legal acima citado, sendo que somente é afastada pela culpa exclusiva da vítima, o que não restou comprovado nos autos.
“Art. 14 - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
“Art. 17 - Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.”
Nesse sentido tem se firmado a jurisprudência nesta Egrégia Corte:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS EM QUEDA ACIDENTAL NO SUPERMERCADO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - ARTIGO 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - PISO EM PÉSSIMO ESTADO DE CONSERVAÇÃO - CULPA COMPROVADA - CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DAS DESPESAS MÉDICAS E TRATAMENTO FISIOTERÁPICO, ALÉM DOS DANOS MORAIS E ESTÉTICOS CAUSADOS PELA LESÃO - DECISÃO UNÂNIME. (TJPR. Ap Cível nº 126.372-3. 6ª Câmara Cível. Relator Des. Antonio Lopes de Noronha. Julgado em 07/05/2003).
O dano, pressuposto da responsabilidade civil, será obrigatoriamente reparado por aquele a quem a lei onerou com tal responsabilidade, salvo se provada alguma causa de escusa.
Assim prescreve o art. 927, do Código Civil, in verbis: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Para a averiguação de eventual indenização é necessário que se analise a existência da responsabilidade civil que se constitui no ato ilícito, no dano e no nexo de causalidade entre eles. Cabe ainda salientar que o artigo 186 do Código Civil assim dispõe:
“Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Desse modo, responde o supermercado, independente de culpa, pelos danos ocorridos no interior do seu estabelecimento.
Nos termos do art. 333 do Código de Processo Civil, os fatos constitutivos são os afirmados na petição inicial pelo autor, cabendo a ele prová-los e, em contrapartida, ao réu caberia apenas demonstrar a ocorrência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito daquele.
Da detida análise dos autos, não se vislumbra qualquer documento apto a comprovar os fatos narrados pela apelante (1).
Note-se que a ré não logrou êxito em comprovar que o sinistro ocorreu por culpa única e exclusiva da autora, não se desincumbindo do ônus que lhe impunha a legislação (art. 333, inciso I), conseqüentemente, não merece ter sua pretensão acolhida.
Sobre a questão do quantum indenizatório é pacífico na doutrina que ele deve servir como forma de compensação para a vítima e punição para o ofensor, de modo a amenizar o sofrimento causado pelo ato gravoso de outrem. Ademais, importante considerar os ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira, segundo o qual a soma não deve ser tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva.
No caso em tela, inegável a ocorrência dos danos, tanto morais quanto materiais, visto que os exames acostados nos autos comprovam tal fato. Assim, embora presumido o dano moral o valor indenizatório deverá respeitar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, analisando a gravidade do dano, a sua extensão, a reincidência do ofensor, a posição profissional e social do ofendido, a condição financeira do ofensor e do ofendido.
Partindo de tais premissas, observo que a fixação levada a efeito pelo juízo monocrático está em desacordo com os parâmetros acima indicados, havendo que ser revista.
Isso porque o valor arbitrado em primeiro grau de jurisdição mostra-se excessivo, gerando verdadeiro enriquecimento ilícito à parte autora, porquanto desproporcional ao dano causado.
Desta forma, tenho que o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) mostra-se mais adequado a indenizar os danos morais sofridos, não sendo valor arbitrado em demasia nem, muito menos, perdendo o aspecto punitivo da reprimenda.
Portanto, somente nesse aspecto, deve a sentença ser reformada para o fim de minorar a indenização devida a título de danos morais para a quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
Por fim, tendo em vista que os danos morais e materiais devem ser reparados, tão somente se adequando o seu valor, os honorários fixados devem permanecer na forma e valor em que foram fixados, eis que corretamente arbitrados.
Demais disso, nos termos do artigo 20 § 4 do Código de Processo Civil, em casos de condenação o valor será fixado em percentual sobre esta.
Isto posto, voto no sentido de dar parcial provimento ao apelo interposto por Évora Comercial de Gêneros tão somente para o fim de minorar o quantum indenizatório e negar provimento ao apelo interposto por Yolanda Pironi Morales da autora.
III - DECISÃO
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso de apelação (1) e negar provimento ao recurso de apelação (2), nos termos do voto do Relator.
Presidiu o julgamento, com voto, o Excelentíssimo Senhor Desembargador VALTER RESSEL e dele participou o Excelentíssimo Desembargador ARQUELAU ARAUJO RIBAS.
Curitiba, 12 de novembro de 2009.

DES. D’ARTAGNAN SERPA SÁ
Desembargador
Relator
(Anne)