17.12.09

Apelação cível - Floresta

APELAÇÃO CÍVEL Nº 476.701-5 DA 6ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MARINGÁ.

APELANTE 1 - Ministério Público do Estado do
Paraná.

APELANTES 2 - José Roberto Ruiz e Orlando
Bianchi.

APELADOS 1 - José Roberto Ruiz e Outros.

APELADO 2 - Ministério Público do Estado do
Paraná.

RELATOR - Desª. Lélia Samardã Giacomet

REVISOR - Desª. Regina Afonso Portes



PROCESSO CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTO PARTICULAR CEDIDO À MUNICIPALIDADE - AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO DOLO/CULPA E DA MÁ-FÉ OU DESONESTIDADE - RECOLHIMENTO DE VALORES TABELADOS EM DECRETO MUNICIPAL - UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTO PÚBLICO EM ÁREA PARTICULAR PARA CONSTRUÇÃO DE PISTA DE RODEIO, COM NÍTIDA DESTINAÇÃO PÚBLICA E PROVEITO AO PRÓPRIO MUNICÍPIO - ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NÃO CONFIGURADO - AUSENCIA DE MÁ-FÉ -INCABÍVEL A CONDENAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO AO PAGAMENTO DE VERBA SUCUMBENCIAL.
RECURSO DE APELAÇÃO 1 DESPROVIDO -
RECURSO DE APELAÇÃO 2 PROVIDO.



VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível sob o nº 476.701-5, oriunda da 5ª Vara Cível da Comarca de Maringá, em que é Apelante 1: Ministério Público do Estado do Paraná, Apelantes 2: José Roberto Ruiz e Orlando Bianchi;
Apelados 1: José Roberto Ruiz, Orlando Bianchi, Darci Blanco, Francisco Pereira Gomes, Manoel Bento da Silva, Roberto Martins Fuentes Campos, Antônio Gesualdo e Pedro Torrecilha Louzano; Apelado 2: Ministério Público do Estado do Paraná.


I - RELATÓRIO:

Tratam-se de apelações ofertadas contra sentença proferida em autos de Ação Civil Pública c/c Responsabilidade por Atos de Improbidade Administrativa sob o nº 204/2.003, ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Paraná, contra José Roberto Ruiz, Orlando Bianchi, Darci Blanco, Francisco Pereira Gomes, Manoel Bento da Silva, Roberto Martins Fuentes Campos, Antônio Gesualdo e Pedro Torrecilha Louzano, em razão de três fatos considerados como atos de improbidade administrativa, consubstanciados em execução de serviços de máquina por três oportunidades, quais sejam : em Marialva, na data de 27/04/02, em Ivatuba, em março de 2.002 e em data incerta, porém na gestão 2001/2004, no Município de Floresta, sendo que em todos eles o valor dos serviços, referentes as horas máquinas dos serviços realizados foram recolhidos aos cofres públicos, e os operadores foram remunerados entre R$ 50,00 (cinqüenta reais) a R$ 100,00 (cem reais).

A r. sentença julgou procedente o pedido para o fim de extinguir o feito sem resolução do mérito ante a ilegitimidade passiva do réu Pedro Torrecilha Louzano; julgar improcedente o pedido formulado contra os requeridos Darci Blanco, Francisco Pereira Gomes, Manoel Bento da Silva, Roberto Martins Fuentes Campos e Antônio Gesualdo; julgou procedente o pedido em face de José Roberto Ruiz e Orlando Bianchi para condená-los ao ressarcimento integral dos danos causados ao Município, concernente apenas à construção da pista de rodeio na propriedade de Francisco Torrecilha Louzano, tendo como base o Decreto 91/01 (fls. 125/126), em valor a ser apurado em liquidação de sentença por mero cálculo, que deverá ser corrigido monetariamente e acrescido de juros legais a partir da data de seu efetivo dispêndio; à perda da função pública que desempenham, se ainda estiverem exercendo alguma; à suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 3 (três) anos; ao pagamento, cada um, de multa civil de 5 (cinco) vezes o valor bruto da remuneração mensal recebida pelos requeridos, na data de março de 2.002, corrigido monetariamente a partir de então, acrescidos, ainda, de juros moratórios contados da citação, à razão de 1 % ao mês, valor este a ser apurado em liquidação de sentença por mero cálculo; proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) anos. Condenou ainda, os requeridos José Roberto Ruiz e Orlando Bianchi ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados estes em 10 % sobre o valor da condenação relativo ao ressarcimento da construção da pista de rodeio na propriedade de Francisco Torrecilha Louzano e da multa civil imposta, a ser recolhida ao Fundo Especial do Ministério Público do Estado do Paraná.

O Ministério Público do Estado do Paraná, irresignado com as conclusões da r. sentença, interpôs o recurso de apelação, e sustenta a reforma pelos seguintes fundamentos, (fls. 1.384/1.409), em suma: que a r. sentença entendeu por bem reconhecer como procedente apenas um dos fatos descritos na inicial, ocorrido no Município de Floresta, a respeito da construção de uma pista de rodeio; os serviços realizados no Município de Marialva devem também ser penalizados, ante o robusto suporte probatório carreado aos autos, vindo inclusive a ser veiculado na televisão de Maringá; que pelos depoimentos, os apelados Orlando e Darci Blanco, atenderam um pedido particular do apelado Roberto Martins Fuentes Campos e não era um serviço rotineiro de conservação de uma estrada rural; o apelado José Roberto Ruiz, Prefeito Municipal de Floresta, editou Decreto Municipal n. 472/2002, onde estabeleceu a cobrança de tarifa de serviços específicos a ser prestado pela municipalidade, dentre eles a hora da pá carregadeira, motoniveladora, rolo compressor, patrulha mecanizada e outros, cujo valor recolhido, segundo o depoimento do próprio Prefeito Municipal, corresponde somente ao combustível; o segundo fato relativo à destinação de máquina e servidor do Município de Floresta para a execução de uma barragem para impedir que a água do Rio Paiçandu adentrasse a várzea existente na propriedade particular do réu e beneficiário Antônio Gesualdo, localizada no Município de Ivatuba não foi reputado como ilegal, apesar das provas; estes fatos estão comprovados nos autos e o servidor havia recebido o valor de R$ 100,00 (cem reais), e mais o montante de R$ 75,00 (setenta e cinco reais) pelas horas máquinas trabalhadas; frisou que as máquinas que executaram os serviços na propriedade não eram da Prefeitura mas do CODEFLOR (Conselho de Desenvolvimento de Floresta) e que, portanto, não teria cometido atos de improbidade administrativa; a máquina foi abastecida com combustível do Município de Floresta para a execução do serviço; a r. sentença não apreciou o pedido relativo ao terceiro fato, ou seja, da destinação de máquina e servidor do Município de Floresta para a execução de um pista de rodeio na propriedade particular do apelado Pedro Torrecilha Louzano, ora beneficiário, localizada no Município de Floresta, serviços esses que duraram quatro horas de trabalho de máquinas de propriedade do Município de Floresta e/ou sob sua guarda, em flagrante desvio de finalidade; a r. sentença desprezou a comprovação de que não havia necessidade de comprovar o referido apelado era ou não proprietário da área onde a municipalidade edificou a pista de rodeio, todavia, sendo o beneficiado com tal serviço; os operadores de máquinas Manoel Bento da Silva e Darci Blanco devem responder porque sabiam que era serviço de natureza particular e inclusive abasteceram as máquinas com combustíveis suportados pelo Poder Público Municipal.

Darci Blanco, Francisco Pereira Gomes e Manoel Bento da Silva, ofereceram contra-razões, (fls. 1.413/1.416), e sustentaram a manutenção da r. sentença, aduzindo, em suma, que são todos funcionários públicos do Município de Floresta; que têm pouquíssimo grau de instrução, e nada mais fizeram do que cumprir ordens de seus superiores hierárquicos, sem aparência de ilegalidade, conforme o art. 116, inc. IV, da Lei n. 8.112/90; a r. sentença é de ser mantida pois corresponde às conclusões das provas produzidas; não receberam qualquer vantagem pecuniária ou causaram qualquer prejuízo ao erário e a percepção de gorjetas pelo trabalho realizado em sábados e domingos é justa; a prova produzida aponta que os trabalhos efetuados vieram a beneficiar a coletividade e não particulares.

José Roberto Ruiz, Prefeito do Município de Floresta, e Orlando Bianchi, Diretor do Departamento de Administração Municipal apelaram, (fls. 1.417/1.431) pugnando pela reforma r. sentença, aduzindo, em resumo: que houve subversão das regras processuais sobre a valoração da prova; os litisconsortes receberam tratamento desigual pela r. sentença; a decisão foi omissa sobre a prova do pagamento das horas de serviço do maquinário; foi admitido o fato da cessão da máquina, mas não foi valorado o fato, da destinação para a execução de serviços para a comunidade; as atividades praticadas com base nos regulamentos locais são legítimas e atendem a ênfase da política rural prevista na Lei Orgânica do Município de Floresta; os atos praticados decorrem da fiel execução à lei e a decretos municipais, que não foram reputados ilegítimos, nem imorais ou ilegais; não foi demonstrado dolo ou culpa; a penalidade aplicada não respeita os princípios da proporcionalidade e adequação.

O Ministério Público do Paraná apresentou contra-razões (fls. 1.442/1.452), e ressaltou, em suma, que os apelantes não negam os fatos, porém asseveram a legalidade da destinação dos servidores e maquinários do município de Floresta e descrevem, assim, os desdobramentos.

Antonio Gesualdo, Pedro Torrecilha Louzano e Roberto Martins Fuentes Campos, ofereceram contra-razões, (fls. 1.455/1.483), sustentando a manutenção da r. sentença, em síntese: ilegitimidade ativa do apelado Pedro Torrecilha Louzano, pois, não era proprietário do imóvel e nenhum benefício obteve com os serviços ali executados; deve ser afastada a acusação contra Antonio Gesualdo destaca que o pagamento de R$ 100,00 (cem reais) ao operador da máquina se deu a título de gratificação espontânea, uma vez que os serviços foram executados num fim de semana; a máquina de propriedade do CODEFLOR foi objeto de cessão de uso ao Município de Floresta, que assumiu sua total administração e plena utilização; o relato do Apelante acerca dos fatos narrados contra Roberto Martins Fuentes Campos, não condiz com a realidade, pois os habitantes da região sul de Marialva mantêm todos os seus vínculos com o Município de Floresta, tendo em conta que o Município de Marialva não lhes presta auxílio em face da distância da respectiva sede urbana; durante a execução do serviço, a máquina danificou uma curva de nível, razão pela qual teve que adentrar 30 (trinta) metros na propriedade do Apelado para restaurá-la, e, aproveitando a proximidade, a máquina aterrou uma fossa existente no sítio do Apelado, serviço este que não demorou mais que 15 (quinze) minutos; o serviço foi pago a título de gratificação ao que tange ao tapamento fossa.

A Procuradoria Geral de Justiça pronunciou-se pela reforma da r. sentença, (fls. 1.495/1.504), pois não há provas que revelem o desvio de finalidade, nem o elemento subjetivo de todos os réus. Opinou ainda, pelo provimento do recurso interposto por José Roberto Ruiz e Orlando Bianchi, para o fim de excluir a imposição das sanções da Lei n. 8.429/92, pela não configuração da prática de ato de improbidade administrativa, ao tempo em que seja negado provimento ao apelo ministerial.

É, em síntese, o relatório.


II- VOTO:

Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, quais sejam: cabimento, legitimidade, interesse em recorrer, tempestividade, regularidade formal, inexistência de fato extintivo ou impeditivo do poder de recorrer e preparo, conheço dos recursos.

Quanto à ilegitimidade ativa do apelado Pedro Torrecilha Louzano, reconhecida pela r. sentença, é de ser mantida pois a propriedade do imóvel é de Francisco Torrecilha, conforme registro de escritura de fls. 491, pai do apelado, além do que não teve nenhum benefício com o serviço.

O trato do tema de improbidade administrativa deve se pautar pela idéia de que o ato ilegal do agente público deve ser qualificado pela desonestidade e má-fé, ainda que cause dano ao erário, como bem ressalvou recentemente o Superior Tribunal de Justiça.

Neste sentido:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. (PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92, ART. 11. EXIGÊNCIA DE CONDUTA DOLOSA.).
1. (...)
2. O aresto embargado, nos itens 3 e 4, versou acerca do elemento subjetivo do tipo, verbis: A doutrina do tema é assente que ‘imoralidade e improbidade devem-se distinguir, posto ser a segunda espécie qualificada da primeira, concluindo-se pela inconstitucionalidade da expressão culposa constante do caput do artigo 10 da Lei 8.429/92.’ (Aristides Junqueira, José Afonso da Silva e Weida Zancaner). É que “estando excluída do conceito constitucional de improbidade administrativa a forma meramente culposa de conduta dos agentes públicos, a conclusão inarredável é a de que a expressão ‘culposa’ inserta no caput do art. 10 da lei em foco é inconstitucional. Mas, além da questão sobre a possibilidade de se ver caracterizada improbidade administrativa em conduta simplesmente culposa, o que se desejou, primordialmente, foi fixar a distinção entre improbidade e imoralidade administrativas, tal como acima exposto, admitindo-se que há casos de imoralidade administrativa que não atingem as raias da improbidade, já que esta há de ter índole de desonestidade, de má-fé, nem sempre presentes em condutas ilegais, ainda que causadoras de dano ao erário.” (Improbidade Administrativa - questões polêmicas e atuais, coord. Cassio Scarpinella Bueno e Pedro Paulo de Rezende Porto Filho, São Paulo, Malheiros, 2001, pág. 108).
Destarte, “somente nos casos de lesão ao erário se admitiria a forma culposa - cumulativamente com a dolosa - de improbidade administrativa, porquanto teria o legislador silenciado quanto às hipóteses em que não houvesse prejuízo ao patrimônio público. Com efeito, a forma culposa de lesão aos princípios que regem a atuação dos agentes públicos, por si só, sem o correspondente prejuízo patrimonial efetivo, não basta para justificar incidência das sanções de improbidade administrativa, ante o princípio da reserva legal” (Improbidade Administrativa, Fábio Medina Osório, Porto Alegre, Síntese, 1997, pág. 82).
3. (...)
(EDcl no REsp 939.142/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/09/2008, DJe 20/10/2008)”


Confrontando-se os três fatos deduzidos na petição inicial, todos caracterizados pelo traço comum da utilização de máquina pá-carregadeira, de propriedade de entidade de direito privado, com o arcabouço probatório produzido nos autos, conclui-se que a r. sentença é de ser reformada, para afastar as condenações impostas.

A Lei de Improbidade Administrativa, Lei n. 8.429/92, arts. 9º, 10 e 11, dispõe sobre os atos assim definidos, e os classifica em três grupos, quais sejam, atos que importem em enriquecimento ilícito, ou que causem prejuízo ao erário, e, por fim atos que atentem contra os Princípios da Administração Pública.

Não se vislumbra dos fatos narrados qualquer ilicitude ou imoralidade na utilização dos equipamentos.

O referido trator é de propriedade do Conselho de Desenvolvimento Comunitário de Floresta - CONDEFLOR que é pessoa jurídica de direito privado, CNPJ 80.293.251/0001-40, conforme se extrai do Contrato de Cessão de Uso de Máquina, acostado aos autos às fls. 249/250, firmado com o Município de Floresta na qualidade de cessionário, que tem por objeto máquina pá carregadeira marca Michigan, modelo 45C, ano 8-12/1987, motor Mercedes Benz n. 311.919.055.938.542, de propriedade do Conselho cedente, cuja utilização é condicionada à manutenção do equipamento, incluindo sua posse direta.

A r. sentença também reconheceu a natureza privada do equipamento:

“Para se finalizar, importa dizer que a pá carregadeira pertencia à frota do Conselho de Desenvolvimento de Floresta (CODEFLOR), sendo certo que na máquina até constava um distintivo que a diferenciava das demais pás carregadeiras de propriedade do município de Floresta.”
(fls. 1.372)

Este documento esclarece dois aspectos debatidos nestes autos, isto é, a razão pela qual o referido trator ficava estacionado no pátio de garagem da Prefeitura Municipal do Município de Floresta, e a natureza privada da propriedade do bem, cuja constatação afasta interpretação que conduza à idéia de afetação pública, a ensejar desvio de função.

Assim, restam afastadas as alegações acerca de condutas ímprobas dos agentes públicos envolvidos nos trabalhos de recuperação de estrada, com a quebra de barranco e fechamento de fossa profunda dentro da propriedade de Roberto Martins Fuentes Campos, localizada no Município de Marialva, a construção de barragem na área particular de Antonio Gesualdo, localizada no Município de Ivatuba, e a aplicação de calcário na fazenda pertencente à Adelino Palário, no Município de Itambé, ressalte-se, quanto a este último beneficiado, que não foi incluído na ação juntamente com os demais, em que pese a remissão a sua pessoa nas declarações de Francisco Pereira Gomes, (fls. 94).

A corroborar com este entendimento, vislumbra-se dos recibos carreados aos autos (fls. 99, 502/505) que houve recolhimento de valores aos cofres públicos, de modo que, resta afastado a ocorrência de prejuízo ao erário municipal. Acrescente-se que o argumento de que os valores são menores aos praticados no comércio local não prospera, eis que o preço da hora máquina não foi recolhido aleatoriamente ao alvedrio dos proprietários que utilizaram dos serviços, mas com base em Decreto n. 91/01, e posteriores alterações, (fls. 125/126), além do que este tema transborda os limites da lide e das questões suscitadas, art. 468 do CPC.

Portanto, trata-se de maquinário de propriedade privada, cedido ao ente municipal, com remuneração regulada por Decreto Municipal, ou seja, estes fatos não se subsumem ao contido no art. 9º, inc. IV, da LIA ao prever a utilização, em obra ou serviço particular máquinas à disposição do Município, bem como o trabalho de servidores públicos para operá-las.

E também, não há que se falar se a localidade era dentro ou fora dos limites do Município de Floresta, ou o tipo de serviço oferecido, como o fechamento de fossa ou aplicação de calcário, cujo valor era previsto em Decreto, de modo que é desnecessário o exame dos aludidos convênios de cooperação noticiados, quais sejam: Termo de Convênio de Cooperação firmado entre os Municípios de Floresta, Itambé, Ivatuba e Marialva de 31/07/01, autorizado pela Lei Municipal n. 497/97 (fls. 329/353), Consórcio Intermunicipal de Cooperação Mútua, com os Municípios de Maringá, Marialva, Itambé e Ivatuba, e os demais municípios: Lei n. 1.385/89 e 231/02, de Marialva (fls. 526 e 527) e Lei n. 250/01, de Ivatuba (fls. 528 e 529).

Quanto ao pedido atinente a pista de rodeio no sítio São Francisco, foi utilizada, além da pá carregadeira do CODEFLOR, o equipamento motoniveladora/patrola, de propriedade do Município de Floresta.
O Depoente José Roberto Ruiz indagado acerca da cobrança da hora máquina para a cobrança da pista de rodeio, asseverou:

“Olha, porque todos no município, todos os particulares do município no município (sic) ressarcem, nós levamos terra, eles ressarcem, mas tem o decreto lei que é a hora máquina pra não sair fora do decreto lei. Então todo serviço que é feito pra particulares, mesmo que tenha interesse público, não foi feito no terreno público da prefeitura, foi feito no terreno particular. Então, e outra, estava beneficiando também o clube e os usuários né, então eles pegaram e ressarciram, nós pedimos e falamos ó vamos ressarcir.” (fls. 1.191)


O Depoente Manoel Bento da Silva, operador da patrola, perguntado sobre a propriedade desta máquina foi claro:

“Juiz: A patrola do município?
Depoente: É, do município.” (fls. 1.196)

(destaques no original)

Porém, em razão desta particularidade, mesmo assim não se vislumbra a ocorrência de ato de improbidade administrativa nos termos formulados nas razões recursais.

Em que pese ter sido utilizado equipamento público, servidores e combustível da Prefeitura do Município de Floresta em área privada, é de se ter em mente a destinação pública do serviço prestado que encontra respaldo em sede constitucional, qual seja, a cultura, e indiretamente a saúde pública por proporcionar mais higiene à área central da cidade nos dias de realização dos torneios de laço, contribuindo para evitar a proliferação de doenças.

Neste sentido, é de se ressaltar que a interpretação da norma merece ser mitigada para que seja conferida máxima efetividade aos princípios que regem o assunto.

Como bem expôs a Procuradoria Geral de Justiça ao sintetizar os fatos apurados:

“Contudo não se pode ignorar o fato de que o terreno foi cedido pelo proprietário a pedido de diversos interessados em virtude das dificuldades enfrentadas para a realização da prática na pista situada no centro da cidade, em razão dos inconvenientes causados pela circulação de animais pela cidade, o que se extrai do depoimento das testemunhas Jorge Benjamin Tavares às fls. 1242 e 1243, Euclides Baraldo às fls. 1255 a 1257, Émerson Rebequi às fls. 1258 a 1261 e Diógenes Vander Girotto às fls. 1262 a 1263.
Extrai-se, ainda, que a participação daqueles que se utilizavam da pista construída na propriedade do réu Pedro Torrencilha era veiculada como representação do Município de Floresta nos campeonatos. Não se vislumbra, portanto, que o fato de se ter utilizado de máquina do Município para o preparo do terreno da pista de rodeio em propriedade particular tenha trazido benefícios unicamente ao réu Pedro Torrencilha.” (fls. 1.501/1.502)


O art. 215 e 217 da Constituição Federal, ao tratar da cultura e do desporto, é expresso em estabelecer que o Estado garantirá e fomentará o exercício dos direitos culturais bem como fomentará práticas desportivas.

Não se pode olvidar que:

“O juiz de hoje deve ter presente, quando conduz um processo e julga uma causa, que suas ações são manifestações do poder estatal. Portanto, qualquer posição que adote tem conotação política, que deve se pautar, não em seus gostos pessoais, em suas idiossincrasias, mas nos valores dominantes do seu tempo, pois como afirma o multicitado Cândido Dinamarco, o juiz “é, afinal de contas, um legítimo canal de comunicação entre o mundo axiológico da sociedade e os casos que é chamado a julgar” 63.
(...)
- A ação civil pública não se presta para criação de normas de direito material, entretanto, pode ter por objeto a obrigação de fazer ou não fazer, a respeito de uma Política Pública que, inobstante estar atrelada a um dever discricionário, deve-se pautar pelo razoável e pelo eficiente, ambos princípios constitucionalmente previstos, além de todos os demais, também aplicáveis à administração pública. Violado esse objetivo, possível o controle pela ação civil pública. Afora disso, o manuseio da ACP, somente alteraria inconstitucionalmente, o destinatário da discricionariedade administrativa, que é o Poder Executivo.”
Remissão da nota: 63 DINAMARCO, Cândido Rangel. O Poder Judiciário e o Meio Ambiente. RT 631/28.
(Ação Civil Pública como instrumento de controle das Políticas Públicas - Cabimento e Admissibilidade - Fábio Luis Franco - Antonio Darienso Martins) (publicada no juris síntese nº 36 - jul/ago de 2002)


Os valores recebidos pelos tratoristas que trabalharam fora do expediente tem caráter de liberalidade, e, dos valores oferecidos, e almoço, não há como identificar má-fé ou desonestidade, traço indispensável para configurar o ato de improbidade administrativa.

A propósito:

“ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. LEI 9.429/92, ART. 11. DESNECESSIDADE DE OCORRÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. EXIGÊNCIA DE CONDUTA DOLOSA.
1. A classificação dos atos de improbidade administrativa em atos que importam enriquecimento ilícito (art. 9º), atos que causam prejuízo ao erário (art. 10) e atos que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11) evidencia não ser o dano aos cofres públicos elemento essencial das condutas ímprobas descritas nos incisos dos arts. 9º e 11 da Lei 9.429/92. Reforçam a assertiva as normas constantes dos arts. 7º, caput, 12, I e III, e 21, I, da citada Lei.
2. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência do STJ associam a improbidade administrativa à noção de desonestidade, de má-fé do agente público. Somente em hipóteses excepcionais, por força de inequívoca disposição legal, é que se admite a configuração de improbidade por ato culposo (Lei 8.429/92, art. 10). O enquadramento nas previsões dos arts. 9º e 11 da Lei de Improbidade, portanto, não pode prescindir do reconhecimento de conduta dolosa.
3. Recurso especial provido.
(REsp 604.151/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/04/2006, DJ 08/06/2006 p. 121)”



“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. UTILIZAÇÃO DE VEÍCULO PÚBLICO POR PARTICULARES. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE DEMONSTROU O PAGAMENTO DAS DESPESAS PELOS USUÁRIOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. NÃO CONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Não há falar em improbidade administrativa quando não houve prejuízo ao erário, pois o conjunto probatório revelou que, embora o veículo público tenha sido utilizado para o transporte de particulares, estes efetuaram pagamento por tal utilização, arcando com as despesas dela decorrentes.
(TJPR - 5ª C.Cível - AC 0321810-2 - São João do Ivaí - Rel.: Des. Luiz Mateus de Lima - Unânime - J. 15.08.2006)”


Do corpo do voto:

“Logo, configura ato de improbidade administrativa fatos graves em que o agente público, dolosa ou culposamente, infringe sério dever funcional, causando, intencionalmente, vultoso dano ao Erário.
Sobre o assunto leciona Mauro Roberto Gomes de Mattos:
“(...) Assim, para que seja enquadrada na hipótese em tela, a conduta do agente público, ainda que seja omissa, dolosa ou culposa, deverá acarretar prejuízo para o erário, causando-lhe lesão.
(...)
O prejuízo concreto aos cofres públicos, ensejador de perda ao erário, devido a lesão patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento, dilapidação de bens ou haveres, causados pelos agentes públicos, é um dos requisitos básicos, como visto, ao enquadramento do dispositivo em comento, independentemente se houve ou não recebimento ou obtenção de vantagem patrimonial do agente.
(...)”. (“O Limite da Improbidade Administrativa” - 2ª edição - Editora América Jurídica - p. 248/249)
Na hipótese dos autos, não restou comprovada a ocorrência de efetivo dano ao erário, pois o conjunto probatório revelou que embora o veículo público tenha sido utilizado para o transporte de particulares, estes efetuaram pagamento por tal utilização, arcando com as despesas dela decorrentes (...)”


Levando em conta estes fundamentos é que r. sentença deve ser reformada, para afastar as imputações formuladas contra os réus na ação de improbidade administrativa aforada.

Vale ressalvar quanto à readequação da sucumbência, vez que não cabe condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários advocatícios ou custas, exceto quanto configurada má-fé, o que não ocorre no caso.

É o entendimento acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça:


“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONDENAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS OU CUSTAS. NÃO CABIMENTO, SALVO NA OCORRÊNCIA DE MÁ-FÉ.
1. (...)
2. Em nosso sistema normativo, incluída a Constituição, está consagrado o princípio de que, em ações que visam a tutelar os interesses sociais dos cidadãos, os demandantes, salvo em caso de comprovada má-fé, não ficam sujeitos a ônus sucumbenciais. Espelham esse princípio, entre outros dispositivos, o art. 5º, incisos LXXIII e LXXVII da Constituição e o art. 18 da Lei 7.347/85. Assim, ainda que não haja regra específica a respeito, justifica-se, em nome do referido princípio, que também em relação à ação de improbidade o Ministério Público fique dispensado de ônus sucumbenciais, a não ser quando comprovada a abusividade de sua atuação.
3. Recurso especial provido.
(REsp 577.804/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/11/2006, DJ 14/12/2006 p. 250)

III - DECISÃO:

ACORDAM os integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de apelação manejado pelo Ministério Público do Paraná, e em dar provimento ao recurso de apelação interposto por José Roberto Ruiz e Orlando Bianchi, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.

Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Abraham Lincoln Calixto, com voto, e dele participou a Excelentíssima Desembargadora Regina Afonso Portes.

Curitiba, 10 de novembro de 2009.



LÉLIA SAMARDÃ GIACOMET
Desembargadora