5.1.10

Sentença - Marly Martin (indenização)

Processo nº 0007/2007(indenização) Marly Martin Silvavs.
João Alves Correa, Maurício Lopes, Patrícia da Silva, Franklin Vieira da Silva, Verdelirio Aparecido Barbosa, Danyani Rafaela Barbosa, Edson Lima, Geraldo Irineu, Paulo César Pupim, Benedito Cláudio Pinga Fogo de Oliveira, Luiz Fabretti, Televisão Icaraí, Ltda., Rádio Cultura de Maringá Ltda. e Editora Central, Ltda.
Sentença - Em direito, é consabido, alegar e não provar é o mesmo que não alegar. Incumbe ao autor provar os fatos constitutivos de seu direito, a teor do que dispõe o inciso I, do art. 333 do Estatuto Processual Civil; não se desincumbindo a contento, a improcedência do pedido inicial se impõe, por medida de justiça.” A indenização por danos morais somente se impõe quando o direito à informação transborda dolosamente os limites impostos no art. 5º, inciso V, da Constituição Federal, causando prejuízos a outrem. A simples divulgação de fatos e opiniões resultante do exercício do princípio constitucional da liberdade de imprensa, sem qualquer abuso ou má-fé dá margem à indenização por danos morais”. Reconvenção. Imputação, a ex-funcionário, em entrevista a jornal de grande circulação, da condição de esquizofrênico e suicida. Difamação, que não admite exceção da verdade, porque os fatos imputados versam sobre a intimidade do ofendido e não havia razão de interesse público que justificasse sua propalação. Reconvenção procedente.
Resumo da Inicial. Alega a inicial, em síntese, o seguinte: a) o primeiro réu é inimigo político da autora; b) com dolo e para causar prejuízo à honra da autora, o réu fez elaborar uma carta anônima, onde um suposto popular denunciava que a autora, na condição de vereadora, se apropriava de parte dos vencimentos de seus assessores; c) depois, com o mesmo intuito, convocou os órgãos de imprensa para reunião na Câmara de Vereadores, e ali apresentou a falsa carta anônima, para que fosse divulgada e publicada; d) todos os demais réus, exceto o 2º, na condição de órgãos e profissionais da imprensa, comungando da mesma intenção de prejudicar a honra da autora, deram ampla divulgação e repercussão à falsa carta anônima e às falsas denúncias ali contidas; e) fizeram-no, ademais, para não perder a receita que todos eles recebiam da conta de publicidade da Câmara, presidida pelo primeiro réu; f) com isso o primeiro réu, com o concurso dos demais réus, cometeu contra a autora, por meio da imprensa, calúnia, injúria e difamação; g) prova do dolo de todos os réus é que divulgaram as denúncias sem qualquer diligência prévia para apurar sua veracidade; h) o réu Verdelirio, ademais, além de publicar em seu jornal a falsa denúncia, produziu e fez distribuir um panfleto caluniando a autora; i) quanto ao 2º réu, Maurício Lopes, ex-assessor da autora, contribuiu com os demais réus na trama criminosa fornecendo informações acerca do tempo em que trabalhou na Câmara, e também a cópia de um cheque de sua emissão. Pediu a condenação dos réus ao pagamento de indenização, em valor a ser arbitrado, para reparação do dano moral, mais encargos da sucumbência. A pretensão era também dirigida contra Antônio Paulo Pucca, que faleceu, razão porque houve desistência e extinção do feito quanto a esse réu.
Resposta dos réus. Citados, os réus, exceto Luiz Fabretti, que se tornou revel, contestaram. O primeiro réu argüiu várias preliminares e no mérito disse, em suma, que: a) a denúncia feita contra a autora era verdadeira; b) não convocou a imprensa, apenas divulgou a denúncia que recebeu, e provas que a acompanhavam, numa sessão normal da Câmara, que recebeu a cobertura normal da imprensa; c) nem chegou a dar entrevista sobre os fatos, nem pediu sua divulgação, apenas os noticiou na tribuna da Câmara, cumprindo sua missão de vereador; d) não agiu com dolo, nem com intenção de caluniar, difamar ou injuriar, mas no desempenho da missão fiscalizatória do vereador; e) o quantum pretendido pela autora é absurdo. O segundo réu disse, em suma, que: a) não forneceu informações a ninguém sobre o trabalho que prestou na Câmara, nem entregou cópia de qualquer cheque aos demais réus; b) apenas forneceu informações e documentos ao Ministério Público quando intimado para tanto. Os demais réus, órgãos e profissionais da imprensa, alegaram, em suma, que agiram sem dolo, nos limites da liberdade e do dever de informar, de forma imparcial e diante da relevância dos fatos, posto que a autora é pessoa pública.O réu Verdelirio, ademais, acrescentou que não ordenou nem autorizou a confecção dos panfletos de f.34-35; que autorizou a confecção de 100 mil panfletos com recortes das notícias do Jornal do Povo e d’O Diário, mas não com o teor de f.34-35; que os panfletos que mandou fazer não chegaram a ser impressos. Todos postularam a extinção do processo ou a improcedência do pedido inicial, e a condenação da autora nos encargos da sucumbência. O réu Maurício, ademais, reconveio, dizendo que: a) a autora, em entrevista ao Jornal do Povo em 27/9/06, o injuriou, afirmando que o demitiu porque ele tem problemas psiquiátricos, entre eles esquizofrenia, e já tentou se suicidar várias vezes; b) a autora o fez dolosamente, para prejudicar a credibilidade do reconvinte; c) com isso, causou ao reconvinte dano moral. Postulou a condenação da autora a pagar-lhe indenização para reparar o dano moral, em valor a ser arbitrado.
Histórico do processo.
A parte autora manifestou-se sobre as contestações, reiterando os argumentos da inicial.O saneador de f.408 et seq. rejeitou preliminares, postergou outras para exame nesta sentença, deferiu provas, homologou a desistência quanto a um réu. Pende agravo retido. Foi colhida prova oral.Os memoriais reiteram as teses já resumidas. É o relatório.
O ônus da prova era da autora. A inicial afirmou que o primeiro réu, com informações e documentos fornecidos pelo segundo réu, fez fabricar a carta anônima de f.51, fazendo-a chegar às mãos do Ministério Público, e convocou especialmente todos os órgãos de imprensa locais para comparecerem à Câmara de Vereadores, onde, com estardalhaço, fez a divulgação da dita carta, de modo a causar grande repercussão da denúncia ali contida. Diz a autora que os dois primeiros réus o fizeram de caso pensado, por vingança, para prejudicar-lhe a honra. E que os demais réus, órgãos e profissionais da imprensa, deram intensa divulgação à falsa denúncia, sabendo de sua falsidade, com intenção de prejudicá-la e para agradar o primeiro réu, a fim de continuarem recebendo as benesses financeiras da Câmara. Logo, como foi a autora que fez todas essas afirmações, e como cada uma delas é fato constitutivo do seu pretendido direito à reparação de dano moral, era da autora o ônus de provar tudo isso. Não o fez.
Quanto à atuação do réu João Correa.
A prova se resume aos documentos de f.17-96 e aos testemunhos de f.1207-1226. Os testemunhos não sustentam a tese da autora, antes a contradizem. E os documentos são apenas matérias jornalísticas, cópias de sentenças referentes a outros assuntos, uma cópia de cheque e a fotocópia da carta anônima.Não se vê, nem nos documentos nem na prova oral, qualquer indício que sustente a tese de que foi o primeiro réu quem providenciou ou encomendou a confecção da carta anônima. É mera suposição da autora, sem apoio em provas. Também não há prova ou indício de que o segundo réu tenha fornecido ao primeiro réu, ou à imprensa, qualquer informação ou documento. A autora o afirma, mas não apresenta nenhuma evidência que sustente sua tese. Igualmente nada confirma a teoria de que a presença da Câmara na data da divulgação da denúncia tenha sido incentivada pelo primeiro réu. Ninguém confirma a suposta “convocação” dos jornalistas, ou a prévia divulgação de que a sessão conteria algum acontecimento especial, digno de atenção da imprensa. Como a cobertura das sessões da Câmara é trabalho usual e rotineiro da imprensa, ainda mais em épocas de clima político acirrado, como era aquela, não vislumbro sinal de ardil do primeiro réu para prejudicar a autora. Quanto à divulgação da carta anônima e da denúncia ali contida, circunscrevia-se na missão fiscalizatória do vereador. É indiscutível que o fato denunciado – retenção pela vereadora de parte do salário de assessor remunerado pelos cofres públicos – é ilícito e digno de reprimenda. Tanto é assim que, pouco tempo antes, outra vereadora havia sido publicamente acusada dessa mesma falta, e isso decorreu, como a autora admite, de investigação em que ela, autora, teve papel capital. Assim como a autora, ao tempo em que a acusada era Edith, exerceu seu papel de vereadora, investigando fatos suspeitos, ilícitos, relacionados com outros edis, também o primeiro réu, no caso em exame, ao tornar pública a denúncia contra a autor, exerceu sua função fiscalizatória da lisura da administração pública. Tem razão o primeiro réu, pois, quando invoca a imunidade parlamentar: fez a denúncia no recinto da Câmara, em sessão, na tribuna de vereador, no exercício do mandato e dentro da circunscrição do município. Fê-la, ademais, em matéria atinente à sua função edilícia, pois se tratava de denúncia relacionada com suposta desonestidade na atuação de outro vereador, e em relação ao dinheiro da Câmara. Agiu, pois, no exercício do mandato e ao amparo da cláusula constitucional que visa assegurar ao vereador liberdade plena para fiscalizar e denunciar irregularidades. Não se vê, ademais, em todo o material de imprensa trazido pela autora, qualquer palavra atribuída ao primeiro réu que inclua juízo de valor, opinião pessoal dele, comentário ou expressão de sentimentos pessoais. Apenas a apresentação da carta anônima e o pedido de explicações da denunciada e de apuração dos fatos pelos órgãos competentes. De modo que, à míngua de prova de que a carta anônima foi fabricada pelo primeiro réu, agiu ele amparado pela imunidade constitucional.
Quanto à atuação do réu Maurício Lopes.
A inicial beira a inépcia, no que diz respeito ao segundo réu. É que a inicial, ao inserir várias pessoas no polo passivo, tinha de discriminar clara e especificamente que fatos ilícitos atribuía a cada um. Quanto a Maurício, todavia, a descrição se resume a dizer que ele “ex-assessor da autora (vereadora) forneceu informações suas relacionadas com o tempo e que foi assessor da mesma, e também passou cópia de cheque (R$ 700,00) de sua emissão e conta, para produzir a carta anônima por interesse do 1º réu” [f.12]. Ora, “fornecer informações relacionadas com o tempo em que foi assessor” é conduta lícita. A inicial não diz que informações Maurício forneceu. Não alega, sequer, que se tratasse de alguma informação sujeita a sigilo profissional, ou relativa à intimidade da autora. Salvo essas duas hipóteses, de que a inicial nem cogita, é direito de qualquer pessoa falar sobre sua vida pessoal e profissional com quem bem entender. A autora formula sua pretensão como se fosse dona da história pessoal do ex-funcionário, como se pudesse exercer censura sobre as comunicações dele com terceiro, mas não pode. E, isso é o principal, a inicial não imputa a Maurício a divulgação de qualquer informação que legalmente estivesse impedido de comentar. Logo, a inicial imputa a Maurício um fato lícito.Quanto ao cheque, a inicial confirma o que se vê a f.51: o cheque é de emissão de Maurício, da conta dele, firmado por ele. Ora, o sigilo bancário existe apenas para proteger o titular das informações, o correntista. Nem Maurício nem ninguém poderia distribuir cópia de cheque de emissão da autora, sem anuência dela. Mas não é disso que trata a inicial: afirma que Maurício divulgou cópia de um cheque dele próprio. Ora, o sigilo bancário de Maurício é direito disponível dele. Ele, se quiser, pode distribuir à imprensa, ou a qualquer pessoa, cópias de todos os cheques que emitiu na vida, cópias de todos os extratos de todas as suas contas bancárias. A autora não tem nada com isso, não tem o direito de se eleger em censora do sigilo bancário alheio. Se Maurício entregou ao primeiro réu, ao promotor, à imprensa ou a quem quer que seja o documento de f.51, agiu licitamente, exercendo um direito dele. Logo, a inicial só imputa a Maurício dois fatos, e os dois são lícitos. Por isso, quanto a ele, a inicial é inepta. Ademais, nenhum dos dois fatos que a inicial imputou a Maurício foi provado.
Quanto ao réu Verdelirio.
A Verdelirio são imputadas duas condutas distintas, a primeira é a mesma que a inicial imputa a todos os demais profissionais de imprensa que estão no polo passivo, e será examinada na seção seguinte. A outra é privativa dele: diz a autora que Verdelirio mandou imprimir, e distribuiu, os panfletos de f.34-35. O réu nega essa acusação. Confirma que mandou imprimir 100 mil panfletos, mas nega que o teor seja o de f.34-35, dizendo que esses, ele nunca viu. E nega a distribuição, dizendo que os panfletos nem chegaram a ser impressos. Como a autora afirmou, e o réu negou, à autora incumbia o ônus da prova. Que não foi, também aqui, cumprido. A prova oral não trata do assunto: nenhuma das testemunhas faz qualquer referência à autoria ou distribuição daqueles panfletos. Quanto à prova documental, a f.32-33 só está provado aquilo que Verdelirio confessa: que mandou imprimir 100 mil panfletos, mas que eles não chegaram a ser impressos. Não há, a f.32-33, nenhuma indicação que permita concluir, como quer a autora, que a) os panfletos foram impressos, b) ou que foram distribuídos, ou c) que os originais encaminhados por Verdelirio para a gráfica tinham o teor de f.34-35. Quanto aos dois primeiros itens, o documento de f.32 afirma expressamente que os panfletos não chegaram a ser impressos pela Folha de Londrina. A autora não apresentou prova nem indício de que tenham sido impressos em qualquer outro lugar (um depoimento do primeiro réu, referido pela autora, apenas diz, em termos vagos, que o depoente ouviu dizer que Verdelirio tentou imprimir os panfletos em Paranavaí). Logo, sem prova de que os panfletos chegaram a ser impressos, não há como entender provado que foram distribuídos. Acerca disso, há só a palavra da autora, nada mais. O mais importante, todavia, é que os documentos de f.34-35 são os únicos em todo o conjunto probante onde se ultrapassou o mero direito-dever de informar: só ali, naqueles dois papéis, é que se encontra, além da informação propriamente dita acerca da denúncia, os juízos de valor, as menções pejorativas, as expressões tendenciosas e dirigidas ao menosprezo da respeitabilidade da autora. É só naqueles dois papéis – como será reforçado adiante – que se poderia enxergar ato ilícito. Mas não existe prova nem indício de que os panfletos que Verdelirio queria imprimir tinham aquele teor. Os documentos de f.32-33 não o confirmam. A f.32 a Folha afirma que não tinha os originais para apresentar, porque os apagou, e que eles tratavam, como consta a f.33, de recortes de reportagens de outros jornais. Não há menção às frases pejorativas constantes a f.34-35. E o fato de esses dois documentos terem sido extraídos do processo da Justiça Eleitoral de Londrina, como se vê dos carimbos, não indica que foram fornecidos à Justiça Eleitoral pela Folha de Londrina, antes o contrário. É que a f.32 a Folha afirma que não tinha os originais para exibir, não fazendo sentido a ilação, que a autora tenta fazer passar, de que aqueles documentos de f.34-35 acompanharam o ofício de f.32, que dizia não ter originais para exibir. Ademais, embora a autora, capciosamente, tenha encartado nestes autos os documentos de f.34-35 logo a seguir ao ofício da Folha e à autorização de impressão firmada por Verdelirio, para dar a impressão de que, nos autos da Justiça Eleitoral, eles apareciam na mesma sequência, basta ver a numeração original da Justiça Eleitoral para ver que, naquele caderno, os documentos de f.34-35 apareceram antes, nas f.105-106, e o ofício e a autorização vieram depois, a f.111-112. De forma que: a) só nos panfletos de f.34-35 é que se enxerga ataque ilícito à honra da autora, desbordando da cláusula de liberdade da imprensa; b) todavia, não se sabe a autoria daqueles panfletos, porque não há prova de que foram criados ou mandados fazer por Verdelirio; c) ademais, não existe prova de que os panfletos foram impressos ou veiculados.
Conseqüências do descumprimento do ônus de provar.
A autora não cumpriu, portanto, o ônus probatório que lhe competia. Cabe lembrar o preceito milenar segundo o qual“Em direito, é consabido, alegar e não provar é o mesmo que não alegar (allegare nihil et allegatum non probare paria sunt)” . É certo que “incumbe ao autor provar os fatos constitutivos de seu direito, a teor do que dispõe o inciso I, do art. 333 do Estatuto Processual Civil; não se desincumbindo a contento, a improcedência do pedido inicial se impõe, por medida de justiça” . É que “como é cediço, alegar e nada provar é o mesmo que nada alegar” , razão porque “Sendo do autor o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito e dele não se desincumbindo a contento, impõe-se a improcedência do seu pedido. O autor, na inicial, afirma certos fatos porque deles pretende determinada conseqüência de direito; esses são os fatos constitutivos que lhe incumbe provar sob pena de perder a demanda. A dúvida ou insuficiência de prova quanto a fato constitutivo milita contra o autor. O juiz julgará o pedido improcedente se o autor não provar suficientemente o fato constitutivo do seu direito” .
Quanto aos réus que são órgãos ou profissionais da imprensa. Li atentamente as reportagens exibidas pela autora, e as transcrições das gravações dos programas de rádio e TV. Não encontrei ali nenhuma menção que desborde da liberdade de informar. Os órgãos e profissionais de imprensa que estão no polo passivo, segundo os documentos dos autos, limitaram-se a noticiar a denúncia feita por João, e o conteúdo da carta anônima por ele apresentada. As menções ao fato, em todas as reportagens que constam dos autos, são neutras, desprovidas de juízos de valor depreciativos da autora. Os comentários dos apresentadores de rádio e TV são condizentes com a função informativa e não há nenhum deles que emita juízo de valor, que afirme a veracidade da denúncia, que revele intenção de lesar a honra da autora. Significativo que a autora, que devia, na inicial, expor a causa de pedir em termos claros e concludentes, não se deu ao trabalho de transcrever uma frase sequer, de todas as reportagens exibidas, que contivesse ofensa, comentário depreciativo, opinião tendenciosa. A autora quer a condenação dos órgãos e homens de imprensa apenas e tão somente porque divulgaram a carta anônima, e a denúncia feita por João. Mas divulgar denúncias desse tipo é função, missão e direito da imprensa, desde que o faça em termos comedidos, informativos, despidos de acréscimos tendenciosos. No caso em exame, nem a autora conseguiu achar, para citar, qualquer abuso cometido em nome da liberdade de imprensa. A premissa do seu pedido é simples, e equivocada: supõe que a imprensa não tinha o direito de noticiar denúncias feitas contra ela, autora; só podia noticiar as denúncia que ela, autora, fazia. Supõe-se, a autora, imune ao crivo da imprensa, esquecendo-se que é pessoa pública.Determinei, para dar à autora ampla possibilidade de provar suas teses, a exibição de todos os gastos da Câmara com publicidade. A autora, mesmo com essa documentação, não conseguiu demonstrar que algum órgão ou agente da imprensa recebeu benefício financeiro em troca da divulgação dos fatos em debate. De forma que os réus agiram sob amparo do art. 5º IV da Constituição da República, como ensina a jurisprudência: “A indenização por danos morais somente se impõe quando o direito à informação transborda dolosamente os limites impostos no art. 5º, inciso V, da Constituição Federal, causando prejuízos a outrem. A simples divulgação de fatos e opiniões resultante do exercício do princípio constitucional da liberdade de imprensa, sem qualquer abuso ou má-fé dá margem à indenização por danos morais” . “Reportagem jornalística. Divulgação de notícia de ocorrência policial. Abuso da imprensa não configurado. Atividade meramente informativa. Inteligência do artigo 49, § 1º, da lei de imprensa. Inexistência de animus de difamar, caluniar ou injuriar. A mera reprodução, por empresa jornalística, desde que não exceda os limites de divulgação da informação, da expressão de opinião e livre discussão dos fatos, sem o ânimo de difamar ou de caluniar, não atinge a honra da pessoa, o que descaracteriza o abuso da liberdade de imprensa, afastando o dever de indenizar” . “Responsabilidade civil. Notícia veiculada em jornal. Liberdade de imprensa. Limites constitucionais observados. Ausência de ato ilícito. Dano moral não configurado. Conflito entre o exercício da liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. Matéria veiculada de cunho informativo sem qualquer juízo de valor. Simples difusão de um fato, por força do interesse público, que não implica em ato ilícito, mas constitui direito em informar. Desprovimento do recurso. Sentença de improcedência que se mantém” . A conclusão, em suma, é de que os réus agentes da imprensa agiram no exercício do direito de informar, acobertados pela liberdade de imprensa e sem cometer abuso que pudesse ser caracterizado como ato ilícito.
Reconvenção.
A reconvenção procede. Há prova documental de que a autora, em entrevista a jornal local, proferiu, referindo-se ao segundo réu, estas palavras:“O Maurício foi exonerado do cargo por apresentar problemas psiquiátricos, tanto que ficou de seis meses a um ano afastado, recebendo pela Previdência. Maurício já tentou tirar a própria vida várias vezes e muitas vezes diz uma coisa acreditando ser verdade e se apega a isso” (f.333). Continua o repórter, adiante, explicando ter ouvido da autora que Maurício é esquizofrênico.Inquirida a respeito em audiência, a autora desconversou, disse que não se lembrava do que falou na entrevista, e, enfim, não repudiou o texto a ela atribuído a f.333. Preferiu dizer que, se falou aquilo ao repórter, o fez porque era verdade, porque Maurício de fato gozou licença médica por problemas psicológicos. Sobre as tentativas de suicídio, conseguiu lembrar-se de apenas uma situação, em que levou Maurício a um hospital psiquiátrico, porque ele havia “tomado remédios”. Pela narrativa da autora não se chega a saber, concretamente, se houve ou não tentativa de suicídio. Se o relato da autora fosse mais claro e específico, ainda assim seria apenas a palavra dela, que não serve de prova sobre o que alegou. Em seu depoimento fez referência a atestados, mas não há nenhum nos autos. Supondo, por hipótese, que realmente Maurício fosse louco, realmente tivesse tentado o suicídio várias vezes, isso não daria à autora o direito de referir tais fatos em entrevista a jornal de grande circulação. Devassou ilicitamente a intimidade de seu ex-funcionário, expondo-o a constrangimento público e apresentado-o aos leitores do jornal como débil mental e suicida. Mesmo que os fatos fossem verdadeiros, a exceção da verdade não beneficiaria a autora: os fatos que imputou a Maurício não constituem crime, logo, não admitem exceção da verdade. Trata-se de fatos constrangedores, vergonhosos, causadores de diminuição da respeitabilidade. O que a autora fez, através da imprensa e contra Maurício, caracteriza difamação, hipótese em que a veracidade das imputações não a absolve. Ainda que Maurício fosse realmente esquizofrênico e suicida, a autora não tinha o direito de divulgar tais fatos por meio da imprensa. Note-se que é cabível a exceção da verdade em caso de difamação por meio da imprensa, com base no art. 49 § 1º da Lei Federal nº 5250, mas não quando “o fato imputado, embora verdadeiro, diz respeito à vida privada do ofendido e a divulgação não foi motivada em razão de interesse público”. No caso em exame, a autora não provou ser verdadeiro o fato desabonador que imputou a Maurício. E, se o provasse, não a beneficiaria a exceção da verdade, porque se trata de fato que só diz respeito à vida privada de Maurício e cuja divulgação não atendia a nenhuma razão de interesse público. A gravidade da conduta da autora, ademais, cresce, porque a motivação da autora era egoística. Suspeitou que a denúncia feita por João partira de Maurício, coisa que, nestes autos, também não provou. Para defender-se, em vez de discutir a denúncia, o mérito da questão, a verdade dos fatos a ela imputados, usou a imprensa como veículo para desqualificar o suposto acusador, apresentando-o como louco, de forma a retirar a sua credibilidade. Ora, já que a intenção da autora, evidente no texto e no contexto, era a de por Maurício em descrédito, e já que os fatos imputados a ele eram, de fato, desabonadores, humilhantes, constrangedores, o dano moral está evidente. Quanto à tese de que competiria a Maurício provar o dano moral alegado, já foi muitas vezes repetida, na jurisprudência, a afirmação de que o dano moral não é passível de prova, porque não há técnica que permita comprovar e quantificar fenômenos anímicos, como o são a dor, o constrangimento, a tristeza, o sofrimento moral ou físico. A compensação do dano moral visa mitigar o sofrimento, que é de ordem espiritual, íntima e insuscetível de medição ou aferição objetiva. É o preço da dor, na formidável expressão dos clássicos, e a dor não pode ser medida, ou provada. O dano puramente moral alegado na exordial é insuscetível de prova, porque se refere a lesão à personalidade, com ofensa a sentimentos que não podem ser medidos, testemunhados, provados, enfim. Comprovado o ato ilícito, como ocorreu aqui, resta apreciar seus efeitos deletérios sobre a estima, a honra, a respeitabilidade, a credibilidade, o crédito, a paz de espírito e a tranqüilidade, segundo critérios estimativos, baseados na sensibilidade do homem médio. É nesse sentido a jurisprudência pacífica, aqui exemplificada: “No sistema jurídico atual, não se cogita da prova acerca da existência de dano decorrente da violação aos direitos da personalidade dentre eles a intimidade, imagem, honra e reputação, já que, na espécie, o dano é presumido pela simples violação ao bem jurídico tutelado” . “O dano moral é ressarcível por si próprio, independente da comprovação ou da existência de prejuízos também materiais. Não há como ser positivado o dano, pois existe só pela ofensa, sendo presumido, no mais das vezes” .“Comprovado a conduta ilícita e nexo causal, é despicienda a prova do abalo moral para ensejar a indenização, pois este é presumido” . “Na concepção moderna da reparação do dano moral prevalece a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto” . “O dano moral independe de prova. A sua existência é presumida, não se cogitando, pois, da comprovação do prejuízo, nem da intensidade do sofrimento experimentado pelo ofendido” . Procede, pois, a reconvenção.No tema da quantificação do dano extrapatrimonial “são conferidos amplos poderes ao juiz para a definição da forma e da extensão da reparação cabível”, conforme Carlos Alberto Bittar , que complementa: “com efeito as leis têm apenas desenhado a responsabilidade e, quando muito, traçado as suas linhas básicas, ficando a critério do magistrado a determinação da reparação devida e, quando pecuniária, os valores correspondentes”. As lições da jurisprudência não fornecem norte rígido, mas indicam algumas balizas mestras, sendo sempre lembrado que a condenação “tem por finalidade atenuar os transtornos e incômodos do autor e, ao mesmo tempo, servir de sanção ao ofensor, como forma de evitar que estes venham a reincidir em sua conduta ofensiva” , de modo que a reparação “deve ser fixada em montante que desestimule o ofensor a repetir a falta, sem constituir, de outro modo, enriquecimento indevido” e sem se converter em instrumento de vingança , “de modo que o valor arbitrado não seja elevado ao ponto de culminar aumento patrimonial indevido ao lesado, nem demasiadamente inexpressivo, por desservir ao seu fim pedagógico, advindo do ordenamento jurídico atinente à espécie” . É sempre lembrada a lição do STJ, no sentido de que “é de repudiar-se a pretensão dos que postulam exorbitâncias inadmissíveis com arrimo no dano moral, que não tem escopo de favorecer o enriquecimento indevido” . A melhor recomendação sobre o tema, enfim, é esta: “Na ausência de critérios objetivos para o arbitramento da indenização por dano moral, o juiz deve lançar mão do bom senso” . No caso destes autos, à míngua de demonstração de fatores especiais, o montante equivalente a cem salários mínimos de hoje, R$ 46.500,00, é suficiente para cumprir as finalidades punitiva, pedagógica e compensatória da verba, sem favorecer enriquecimento injustificado. Considerei, para fixação desse valor, o poder aquisitivo da autora, a gravidade dos fatos imputados à vítima, o motivo egoístico, a grande repercussão dos fatos, veiculados pelo jornal de maior circulação na cidade e região. Anoto que, como o valor é arbitrado considerando o salário mínimo de hoje, a correção monetária e os juros passam a contar desta data, e não da época do fato, nos termos da jurisprudência: “Quando o valor da indenização devido a título de dano moral for fixado em quantia certa, o termo inicial para a incidência dos consectários legais (correção monetária e juros de mora) é a data da prolação da decisão exeqüenda. Precedentes” . Anoto, por fim, que a fixação do valor da condenação em montante inferior ao pleiteado na inicial não é considerada razão de sucumbência recíproca, para fins de atribuição das verbas sucumbenciais, como ensina a jurisprudência, inclusive do STJ .
Dispositivo.
Isso posto, julgo improcedente o pedido inicial, julgo procedente a reconvenção, e condeno a autora a pagar ao reconvinte Maurício a importância de R$ 46.500,00 para reparação do dano moral, com correção monetária contada de hoje e juros contados da data do fato lesivo (27/9/2006). Condeno ainda a autora ao pagamento das custas e despesas processuais, e honorários advocatícios que arbitro em 15% do valor da condenação, quanto ao reconvinte, e em R$ 2.000,00 para cada um dos demais réus, considerando o alto zelo do procurador da parte adversa, o fato de serem os serviços profissionais prestados no foro da sede da advocacia daquele, a relativa complexidade causa, e a necessidade de coleta de provas em audiência.P., r. e i..
Maringá, 18 de dezembro de 2009.
Alberto Marques dos Santos
Juiz de Direito